Na emergência pediátrica, os pacientes sofrem frequentemente de ansiedade e estresse psicológico, que podem aumentar quando há necessidade de procedimentos de cuidados habituais que causam medo ou dor. Para que as intervenções possam ser realizadas, cerca de 15% das crianças necessitam de contenções físicas ou químicas.
Alguns estudos sugerem que o uso de “cães-terapeutas” em atendimentos de emergência reduz a ansiedade em adultos, mas nenhum estudo testou a aplicabilidade da terapia assistida por animais (TAA) em emergências pediátricas. Dessa forma, pesquisadores do hospital universitário Riley Children’s Hospital, em Indianápolis, Estados Unidos, avaliaram se “cães-terapeutas” reduzem a ansiedade relatada pelas crianças e pelos pais no pronto-socorro infantil. O estudo foi publicado no JAMA Network Open.
Metodologia
Um ensaio clínico randomizado (ECR) foi conduzido no Departamento de Emergência Pediátrica do Riley Children’s Hospital no período de 1º de fevereiro de 2023 a 30 de junho de 2024.
Foram incluídas crianças de 5 a 17 anos com ansiedade moderada a alta (pontuação de 6 na Escala de Faces de 0 a 10 pontos, com 0 indicando ausência de dor e 10 indicando dor muito intensa). Foram excluídos: qualquer emergência médica que exigisse intervenção imediata; comportamento violento; intoxicação (criança ou mãe/pai), limitações cognitivas ou físicas graves que impedissem qualquer interação sensorial com os cães; medo ou reação adversa prévia a cães; alergia a cães ou preocupação principal com exacerbação de asma com cães como gatilho conhecido. Todos os participantes receberam terapia padrão para a vida infantil (grupo controle – GC). O grupo de intervenção (GI) foi aleatoriamente designado para ser exposto a um “cão-terapeuta” e seu adestrador por cerca de dez minutos.
Além do uso da Escala de Faces de 0 a 10 pontos, a ansiedade também foi mensurada por meio de concentrações de cortisol salivar. Essas medições foram obtidas no início do estudo (T0), 45 minutos (T1) e 120 minutos (T2) tanto para a criança quanto para seus pais.
Resultados
Foram incluídos no estudo 80 pacientes com média de idade de 10,9 anos (desvio-padrão [DP] 3,8) e predomínio do sexo feminino (n=45 [56%]). Quarenta pacientes foram alocados no grupo controle e 40 no grupo de intervenção.
No T0, a ansiedade das crianças foi avaliada por enfermeiros em 20 crianças (25%) e por médicos nas demais.
As pontuações de ansiedade na Escala de Faces de 0 a 10 pontos para pediatras, pais e crianças mostram que tanto os profissionais quanto os pais superestimaram a ansiedade em comparação com a autoavaliação da criança. As pontuações médias [DP] de ansiedade foram:
- Profissionais: 7,2 [1,3].
- Pais: 6,4 [2,2], P = 0,08 para clínicos versus pais e P = 0,01 para pais versus criança.
- Crianças: 5,5 [2,8], P < 0,001 para criança versus clínico.
- A força geral de concordância foi fraca para clínicos (Spearman ρ = 0,17; intervalo de confiança de 95% [IC95%], 0-0,73) versus pais (Spearman ρ = 0,36; IC95%, 0,16-0,54) ou crianças (Spearman ρ = 0,10; IC95%, 0-0,30). Os pais apresentaram maior força de concordância com as crianças (Spearman ρ = 0,37; IC 95%, 0,16-0,53).
Em ambos os grupos, o cortisol salivar das crianças e dos pais diminuiu do T0 ao T1, mas sem diferença entre eles. O teste t não pareado, para as comparações entre crianças e pais nos momentos T0 e T1 em ambos os grupos, mostrou que o cortisol salivar dos pais foi significativamente mais alto do que o das crianças (P < 0,001).
Não houve eventos adversos ou danos durante o estudo. Além disso, não foram observadas alterações significativas nos sinais vitais e, embora a avaliação dos pais sobre a ansiedade e a dor da criança tenha diminuído, esse número foi semelhante em ambos os grupos.
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Conclusão
O ECR concluiu que o uso adjuvante de TAA com “cães-terapeutas” juntamente aos cuidados padrão para crianças na emergência proporcionou uma redução modesta, mas significativamente maior, na ansiedade infantil relatada pela criança e pelos pais para o GI em comparação com o grupo controle. Esses resultados mostram evidências iniciais para o uso de “cães-terapeutas” para minimizar a dor e a ansiedade sem o uso de contenção física ou química em crianças no pronto-socorro.
Comentário
Trabalho como médica de rotina da Enfermaria de Pediatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Toda semana, recebemos visitas de “cães-terapeutas”. Eles fazem a alegria não somente das crianças, mas também dos acompanhantes e dos staffs, residentes e estudantes! O grupo “Teacolhe UERJ” faz parte de um projeto da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ que realiza a TAA. Para mais informações, acesse a página do grupo Teacolhe no Instagram.
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