Segundo uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, a maioria das crianças de 4 anos possui seu próprio dispositivo móvel, como o tablet. Entretanto, a faixa etária pré-escolar representa um período crítico para o desenvolvimento da habilidade de regulação emocional da criança e o uso destes aparelhos tem sido associado à desregulação emocional infantil. Seria o uso excessivo de tablets na primeira infância prejudicial à regulação emocional? Ou seria o oposto? Este foi um questionamento que motivou a realização de um novo estudo publicado no JAMA Pediatrics. O objetivo foi estimar como o uso de tablets por crianças de 3,5 a 5,5 anos pode contribuir para expressões de frustração e de raiva no nível intrapessoal. Além disso, os pesquisadores também analisaram até que ponto as associações são bidirecionais para esclarecer a direção das correlações.
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Metodologia
Durante a pandemia de covid-19, os pesquisadores utilizaram uma amostra de conveniência de pais de crianças em idade pré-escolar moradores de Nova Escócia, Canadá.
Os pais relataram, prospectiva e repetidamente, o uso de tablet pelos seus filhos nas idades de 3,5, 4,5 e 5,5 anos e expressões de raiva/frustração nestas crianças em 2020, 2021 e 2022, respectivamente. Eles relataram a quantidade média de tempo que a criança passou usando um iPad, tablet, LeapPad, iTouch ou dispositivo móvel similar (exceto smartphones), em dias úteis e fins de semana separadamente, quando as crianças tinham as idades acima propostas. As opções de resposta incluíam: (1) nunca; (2) <30 minutos; (3) 30 minutos a 1 hora; (4) 1 a 2 horas; (5) 2 a 3 horas; (6) 4 a 5 horas, ou (7) > 5 horas. O temperamento foi medido usando o Questionário de Comportamento Infantil (Children’s Behavior Questionnaire). A dimensão de raiva/frustração foi baseada em uma média de 7 itens (de 0 a 7) (exemplo: a criança fica brava quando os pais dizem que é hora de ir para a cama).
Resultados
A maioria dos pais era canadense (287 [91,0%]) e casada (258 [82,0%]). Quanto ao sexo das crianças, 171 foram identificados pelos pais como tendo nascido meninos (54%) e 144 como meninas (46%).
Os seguintes resultados foram observados:
- Aumento de 1 desvio-padrão (DP) no uso de tablets aos 3,5 anos (1,22 horas/dia) associado a um aumento de 22% de DP escala de raiva/frustração aos 4,5 anos (coeficiente padronizado = 0,22; intervalo de confiança de 95% [IC 95%], 0,01-0,44);
- Aumento de 1 DP na escala de raiva e frustração aos 4,5 anos associado a um aumento de 22% DP (0,28 horas por dia) no uso de tablets aos 5,5 anos (coeficiente padronizado = 0,22; IC de 95%, 0,01-0,43).
Podemos observar que houve, portanto, uma associação bidirecional, isto é, 1) houve associação entre o uso de tablet aos 3,5 anos e aumento de raiva e frustração aos 4,5 anos e 2) houve nível maior de raiva e frustração aos 4,5 anos e maior uso de tablet aos 5,5 anos.
Conclusão
Fitzpatrick e colaboradores concluíram que o uso de telas em geral (em particular de dispositivos móveis) estão cada vez mais presentes na vida de crianças pequenas e alertam para que os pais estejam cientes de que o uso de tablets na primeira infância pode prejudicar a capacidade de controlar a raiva e a frustração e levar ao aumento de explosões em nessa faixa etária.
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Comentário
A habilidade da criança em equilibrar a raiva e a frustração tem um papel crucial no desenvolvimento da capacidade de adiar a gratificação, o que é fundamental para lidar com as demandas não somente no início da vida escolar, mas também no futuro. No entanto, o crescente uso de dispositivos eletrônicos tem invadido a rotina das crianças, e vários estudos apontam os efeitos negativos desse uso excessivo. Cabe aos pediatras e demais profissionais da área incentivar a redução dessa prática, ressaltando a importância do brincar na infância.
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