A coexistência entre diabetes tipo 1 (DM1) e doença celíaca (DC) é bem documentada, dado o fundo autoimune comum e a predisposição genética compartilhada (HLA-DQ2/DQ8). A prevalência de DC em pacientes pediátricos com DM1 é significativamente maior do que na população geral, o que justifica estratégias específicas de triagem. Durante o Congresso Europeu de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN 2025), foram discutidos os principais dados sobre a triagem sorológica e o impacto clínico da dieta isenta de glúten (DIG) nesta população.
Sabemos que o DM1 é uma doença imunomediada, geralmente de início na infância ou adolescência, com aumento de incidência global nas últimas décadas. Estudos prospectivos demonstraram que a presença precoce de múltiplos autoanticorpos predispõe à evolução clínica do diabetes, possibilitando estratégias de detecção precoce e intervenção em fases subclínicas.

Doença celíaca em crianças com diabetes tipo 1
Na plenária, foi relembrado que a DC é uma das condições autoimunes mais frequentemente associadas ao DM1, com uma prevalência que varia entre 2,5% a 16% nos estudos, contra 1–3% na população geral. A ISPAD (International Society for Pediatric and Adolescent Diabetes) recomenda triagem com anticorpos anti-TTG no momento do diagnóstico do DM1 e novamente aos 2 e 5 anos. A positividade sorológica pode surgir mesmo muitos anos após o diagnóstico de diabetes, especialmente em crianças mais jovens.
Entretanto, em pacientes assintomáticos com títulos baixos ou moderados de anti-TTG, os anticorpos podem flutuar ou até normalizar espontaneamente. Assim, repetir os exames após 3 a 6 meses pode evitar biópsias desnecessárias. Já nos casos com títulos > 10x o limite superior, o diagnóstico sem biópsia ainda é controverso em crianças com DM1, por falta de dados robustos e risco de falso-positivos.
É sempre ampla a discussão quanto à DIG e os benefícios clínicos específicos no contexto do DM1, visto que eles são incertos nessa população. Não há evidência consistente de melhora no controle glicêmico, e os dados sobre densidade óssea ou risco cardiovascular são conflitantes. A adesão à dieta pode ser especialmente desafiadora, sobretudo em adolescentes com ambas as doenças, exigindo suporte contínuo da equipe multidisciplinar.
Conclusão
A triagem para DC em crianças com DM1 é recomendada, mas exige uma abordagem criteriosa. A interpretação dos anticorpos deve considerar a história clínica e o risco de flutuação espontânea. A adoção da DIG deve ser individualizada, considerando o impacto sobre qualidade de vida, especialmente na adolescência. Mais estudos são necessários para definir a real aplicabilidade da estratégia sem biópsia nessa população.
Mensagens práticas
- Sempre realizar triagem sorológica (anti-TTG IgA) para DC no diagnóstico de DM1 e aos 2 e 5 anos;
- Diante de títulos baixos a moderados e ausência de sintomas, repetir os exames em 3–6 meses antes de indicar biópsia;
- Evitar uso rotineiro da abordagem sem biópsia em crianças com DM1, mesmo com títulos > 10x, devido à menor evidência;
- Monitorar a adesão à dieta isenta de glúten, sobretudo em adolescentes, oferecendo apoio nutricional e psicológico contínuo;
- Avaliar individualmente a indicação da DIG em casos assintomáticos, ponderando riscos, benefícios e impacto na qualidade de vida.
Confira os principais destaques do ESPGHAN 2025!
Autoria

Jôbert Neves
Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).
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