A enteropatia perdedora de proteínas (EPP) é uma condição clínica complexa que pode estar associada a mais de 16 doenças diferentes. Em crianças submetidas ao procedimento de Fontan, uma cirurgia paliativa em estágio único para cardiopatias congênitas complexas com ventrículo único funcional, a EPP é uma complicação grave e potencialmente limitante à vida.
Embora a fisiopatologia da EPP ainda não esteja completamente elucidada, há consenso crescente de que o comprometimento do sistema linfático, especialmente devido ao aumento crônico da pressão venosa central, desempenha papel fundamental na gênese da síndrome, favorecendo a dilatação dos vasos linfáticos hepáticos, a linfangiectasia e a formação de colaterais anômalas, particularmente na região duodeno-hepática. Durante o Congresso Europeu de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica, foram discutidas e apresentadas novas técnicas endoscópicas inovadoras que têm permitido a visualização direta e o tratamento de fístulas linfático-duodenais como tentativa paliativa de controle da perda proteica.
Veja quais são, seus resultados e potenciais complicações:
Métodos e técnica utilizada
A técnica endoscópica aplicada foi baseada em um protocolo originalmente desenvolvido por pesquisadores da Pensilvânia, Estados Unidos (EUA), e adaptada Os principais passos são:
- Canonização de vasos linfáticos hepáticos (lobo direito e/ou esquerdo) guiada por ultrassom ou fluoroscopia;
- Injeção de contraste (lipiodol e azul de metileno) para rastreio do trajeto linfático;
- Detecção endoscópica de extravasamento corado no duodeno, utilizando endoscopia subaquática;
- Obliteração da fístula com cola (n-butil-2-cianoacrilato + lipiodol) sob controle visual direto;
- Fase de controle, com repetição da canulação e busca ativa por novas fístulas.
Veja também: Enteropatias Perdedoras de Proteínas (EPPs): o que devo saber?
Resultados e observações clínicas
- A endoscopia subaquática foi essencial para visualizar fenômenos como a “cauda de fumaça”, indicando o trajeto ativo de fístulas linfáticas.
- A mucosa duodenal frequentemente apresentava alterações macroscópicas importantes, incluindo vegetação e formação de pseudopólios.
- Coágulos linfáticos intraluminais, com aspecto de corpo estranho, foram encontrados e removidos antes da aplicação da cola.
- Em casos mais graves, foram identificadas até 10 fístulas linfático-duodenais,um achado relacionado a pior prognóstico.
- A visualização das fístulas foi muito superior em meio líquido, comparado ao uso de CO₂ ou ar, reforçando a importância do método subaquático.
Complicações: O que podemos esperar?
A taxa de complicações foi de 43%, incluindo:
- Obstrução duodenal por migração extraluminal da cola.
- Sangramento discreto no ponto de injeção.
Todas as complicações foram resolvidas por via endoscópica, sem necessidade de cirurgia aberta.
Conclusão
A endoscopia subaquática permite não apenas a detecção funcional das fístulas linfático-duodenais, mas também seu tratamento paliativo eficaz. Embora não interfira na fisiopatologia central da EPP em pacientes pós-Fontan, essa abordagem pode oferecer alívio clínico significativo, redução da perda proteica e melhora temporária da qualidade de vida.
A presença de uma única fístula é indicativa de melhor resposta terapêutica e seguimento mais prolongado. Já múltiplas fístulas indicam maior complexidade e pior prognóstico, como já esperado. Vale ressaltar que a técnica demanda experiência, planejamento cuidadoso e controle rigoroso de possíveis complicações.
Mensagens práticas
- A EPP é uma condição de manejo complexo, com resposta variável aos tratamentos dietéticos e medicamentos atualmente disponíveis;
- A EPP pós-Fontan está fortemente associada à drenagem linfática anormal e aumento da pressão venosa central.
- A endoscopia subaquática melhora substancialmente a detecção de fístulas linfático-duodenais.
- Casos com múltiplas fístulas apresentam pior prognóstico e maior taxa de recorrência.
- O procedimento é paliativo, mas pode prolongar a sobrevida e melhorar sintomas em casos selecionados.
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Autoria

Jôbert Neves
Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).
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