A esofagite eosinofílica (EoE) é uma doença inflamatória crônica do esôfago, caracterizada pela infiltração eosinofílica persistente, associada a sintomas de disfunção esofágica. Trata-se de uma condição multifatorial, com forte relação com sensibilidades alimentares não mediadas por IgE. A abordagem dietética tornou-se uma estratégia terapêutica de primeira linha, particularmente em crianças, com o objetivo de controlar a inflamação, promover a remissão clínica e evitar o uso prolongado de medicamentos. Durante o Congresso Europeu de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN 2025), as principais estratégias dietéticas utilizadas no manejo da EoE foram discutidas, destacando sua eficácia, limitações e implicações práticas.
Principais estratégias dietéticas na EoE
Fases da Intervenção Dietética
A abordagem nutricional é estruturada em três fases:
- Fase de eliminação: exclusão de alimentos potencialmente gatilhos, com o objetivo de alcançar remissão histológica e clínica.
- Fase de reintrodução: reintrodução sequencial dos alimentos para identificar os responsáveis pela inflamação.
- Fase de manutenção: manutenção a longo prazo com dieta personalizada, contendo apenas alimentos seguros.
Estratégias de eliminação alimentar
As três estratégias principais incluem:
- Dieta elementar: à base de fórmulas de aminoácidos, com alta taxa de remissão (até 91%), porém limitada pelo alto custo, baixa palatabilidade e impacto negativo na qualidade de vida. Indicada para casos graves ou refratários.
- Dieta de eliminação empírica:
- Dieta dos seis alimentos (DESA): exclusão de leite de vaca, trigo, ovo, soja/leguminosas, oleaginosas e frutos do mar. Resulta em remissão em ~60% dos casos.
- Dieta de dois ou um Alimento: estudos recentes mostram eficácia semelhante com eliminação exclusiva de leite de vaca (principal alimento gatilho), com maior adesão e menor impacto psicossocial.
- Estratégia step-up: inicia-se com eliminação do leite e avança conforme a resposta clínica e histológica.
- Dieta baseada em testes alergênicos: atualmente desaconselhada, pois a EoE é uma condição não mediada por IgE, e os testes cutâneos ou sorológicos têm baixa acurácia.
Impactos Nutricionais e Psicossociais
As dietas de eliminação podem comprometer o estado nutricional, especialmente quando múltiplos alimentos são retirados. Os riscos aumentam com dietas mais restritivas, como DESA ou dieta elementar, podendo resultar em deficiência de proteínas, cálcio, ferro e vitaminas.
Disfunções alimentares são frequentes, com até 50% das crianças apresentando dificuldades como recusa alimentar, ingestão seletiva, medo de engasgar e ansiedade nas refeições. Há também sobreposição de sintomas com transtornos como ARFID (Avoidant/Restrictive Food Intake Disorder), exigindo avaliação criteriosa para evitar diagnósticos incorretos.
Considerações Especiais
- Crianças atópicas e com alergias alimentares mediadas por IgE têm maior risco de reações adversas ao reintroduzir alimentos eliminados;
- Adolescência pode ser um período desafiador para aderência a dietas restritivas;
- Casos graves (estenose, disfagia intensa) podem se beneficiar de uma abordagem inicial farmacológica, com transição posterior para dieta;
- É fundamental considerar o custo, o impacto na rotina familiar e a motivação dos cuidadores ao propor o tratamento dietético.
Conclusão e aplicação prática
As dietas de eliminação representam uma opção eficaz e segura no tratamento da EoE, desde que individualizadas, monitoradas de perto e conduzidas com apoio multiprofissional. A estratégia step-up, começando com a exclusão do leite de vaca, é atualmente a mais recomendada, equilibrando eficácia, adesão e menor impacto nutricional.
Leia mais: Diagnóstico simultâneo de esofagite eosinofílica e doença inflamatória intestinal em pediatria
Aplicações práticas incluem:
- Avaliação nutricional e de habilidades alimentares na linha de base e em seguimento;
- Parceria ativa com nutricionista experiente em alergias e distúrbios gastrointestinais;
- Educação familiar e motivação do paciente como componentes centrais do sucesso terapêutico;
- Avaliação de risco psicossocial e alimentar antes e durante o tratamento;
- Identificação precoce de sinais de ARFID ou outras disfunções alimentares para manejo integrado;
- Planejamento de reintrodução gradual e segura com vigilância para possíveis reações alérgicas.
Assim, mais do que uma simples pirâmide de exclusão alimentar, a dieta de eliminação na EOE é uma estratégia complexa, mas valiosa, que pode proporcionar controle clínico eficaz e sustentável quando bem implementada.
Autoria

Jôbert Neves
Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).
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