Logotipo Afya
Anúncio
Pediatria19 maio 2024

ESPGHAN 2024: Fatores de risco para distúrbios da interação intestino-cérebro

A Dra. Licia Penebene apresentou como a nova denominação DIIC reflete a complexa fisiopatologia dessas condições.
Por Jôbert Neves

As doenças gastrointestinais funcionais, agora denominadas de distúrbios da interação intestino-cérebro (DIIC), são caracterizadas por uma variável combinação de sintomas gastrointestinais, definidas por meio dos critérios de Roma IV. Durante o 56ª Encontro Anual da Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN 2024), a Dra. Licia Penebene nos mostra que essa nova denominação reflete a complexa fisiopatologia dessas condições, reforçando o quão dinâmico tem sido as classificações pelos critérios de Roma e que, por volta de
2026 teremos disponível os critérios de Roma V.

médico explicando distúrbios intestino-cérebro

Distúrbios de interação intestino-cérebro (DIIC)

A prevalência dos DIIC é alta, e esses dados foram evidenciados em um estudo realizado em cerca de 33 países, com adultos, com uma população de cerca de 73.000 pacientes. Neste grupo, por meio de um questionário on-line, cerca de 40% dos pacientes apresentavam pelo menos uma dos 22 DIIC. Nas mulheres essa prevalência foi maior, chegando a quase 47%.

Na contramão destes dados mundiais, um outro estudo realizado em crianças e adolescentes da região do mediterrâneo, a prevalência de DIIC foi de 20,7% em pacientes com idade entre 4 e 10 anos e de 26,6% em pacientes com idade entre 11 e 18 anos e valores parecidos foram encontrados em uma população equiparável na Itália. De forma adicional, um estudo apresentado avaliou quantos pacientes que tiveram diagnóstico de DIIC quando crianças, persistem com esse diagnóstico na vida adulta e os resultados foram surpreendentes, visto que, cerca de 10-20% dos pacientes, quando adultos, mantem o seu diagnóstico de DIIC e trazendo a discussão para o melhor conhecimento dessa fisiopatologia e descoberta de um possível alvo terapêutico.

Diversos são os caminhos que tentam elucidar a fisiopatologia dos DIIC, dentre ele o modelo biopsicossocial, no qual fatores presentes em fases iniciais da vida como predisposição genética e infecções associados a fatores psicossociais como estresse, suporte social estão ligados diretamente a fatores fisiológicos como a motilidade, inflamação e disfunção imunológica, resultando em sinais e sintomas dos DIIC, com grande impacto na qualidade de vida e custos de cuidados com a saúde.

Dra. Licia reforça que DNA não é um definidor de manifestação clínica e que, apesar da predisposição genética, precisamos relembrar dos conceitos de epigenética e o potencial de modificação que ainda temos sobre esses fatores. Ela exemplifica a relação entre microbioma e sistema nervoso central e a grande capacidade de regulação bidirecional, por meio do eixo cérebro-intestino. Em fases iniciais da vida a plasticidade da microbiota intestinal é extremamente alta e com grande capacidade de modulação. Por isso, a fase da vida na qual essas perturbações ocorrem é mais importante e mais crítico do que a multiplicidade de eventos (pré-natal, neonatal e pós-natal), por gerar uma destruição dos componentes do eixo cérebro-intestino.

Fatores que influenciam composição da microbiota materna, como a dieta, tem impacto no neurodesenvolvimento. Um estudo apresentado, realizado por Anissa e colaborados, evidenciou que mães com dieta rica em ultraprocessados evoluíam com uma menor presença de Bacteroides spp., Bifidobacterium spp., na composição da
microbiota e o desfecho encontrado foi o aumento do número de alterações cognitivas em seus filhos. O tipo de parto também tem grande influência nesse processo, como evidenciado por um estudo que comparou crianças nascidas de parto cesárea e vaginal, sendo esse primeiro com menor número de Bacteroides spp., Bifidobacterium spp. e Lactobacillus spp. na microbiota. Além desses fatores, o uso de fórmula infantil parece contribuir para o aumento de Clostridium spp. na microbiota, diferente do que acontece com crianças em aleitamento materno.

Já em relação a dor abdominal funcional (DAF), uma condição muito prevalente dentre os DIIC, a palestrante apresenta dados relacionados a presença e persistência da dor. Em geral, sexo feminino, gastroenterite, trauma ou abuso, estresse, desordens psicológicas, pouco sono, história familiar de síndrome do intestino irritável (SII), tabagismo, obesidade e cirurgia abdominal, estão relacionadas a presença da dor, já o estressa, gastroenterites e desordens psicológicas se relacionam com a persistência da dor.

A presença de intolerâncias alimentares e ou alergias alimentares e sua relação com DIIC não está completamente elucidada, visto que cerca de 10 estudos analisados e apresentados foram inconclusivos. Apesar isso ela faz um contraponto com algumas publicações sobre alergia a proteína do leite de vaca (APLV) ser um possível fator de risco para DIIC, como já publicado em artigos do Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition (JPGN), porém os dados que suportam essa fisiopatologia são limitados e mais estudos não recomendados.

As infecções também precisam ser lembradas como fatores de risco relacionadas aos DIIC, denominado de DIIC pós infecciosa. Dentre os DIIC, a SII é a que mais comumente de associada essa condição e nos últimos anos, após da
pandemia, dados foram publicados no Journal of Gastroenterology sobre a SII pós-covid-19.

Mensagem prática

Os DIIC fazem parte da rotina do pediatra e do gastroenterologista pediátrico. Essa plenária trouxe uma percepção mais clara sobre como fatores que atuam na fase inicial na vida dos pacientes, influenciam diretamente na fisiopatologia para o desenvolvimento de DIIC, por meio de evidências fortes e claras.

E onde podemos atuar? Ela conclui reiterando que a fase da vida em que essas perturbações ocorrem é de fundamental relevância. Chamando a atenção para o poder dos primeiros mil dias, no qual devemos considerar uma potencial intervenção.

Confira os principais destaques do ESPGHAN 2024!

Anúncio

Assine nossa newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Ao assinar a newsletter, você está de acordo com a Política de Privacidade.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo