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Pediatria12 novembro 2025

DRESS Pediátrico: diagnóstico e manejo - position paper EAACI 

A síndrome de DRESS é rara, mas com apresentações muitas vezes devastadora, capaz de imitar múltiplas condições clínicas e ocasionar uma morbimortalidade significativa.

A síndrome de DRESS ou Síndrome de Hipersensibilidade Induzida por Drogas, é uma entidade rara, mas com apresentações muitas vezes devastadora, capaz de imitar múltiplas condições clínicas e ocasionar uma morbimortalidade significativa. No cenário pediátrico, essa complexidade é acentuada pelas peculiaridades farmacocinéticas, metabólicas e imunológicas da criança, sem mencionar a sobreposição sintomática com as infecções virais frequentes nessa faixa etária. A ausência de diretrizes específicas para DRESS em crianças tem historicamente provocado uma extrapolação de dados de populações adultas, uma prática que, como bem sabemos, é repleta de riscos e imprecisões. 

Nesse contexto, o Position Paper da EAACI, liderado por Kuyucu et al., é vital para melhoria da assistência das crianças. Ele representa um esforço de um comitê multidisciplinar para consolidar as evidências existentes, por mais escassas que sejam, e propor um algoritmo de manejo adaptado às necessidades pediátricas, preenchendo os vazios existentes nas condutas e tentando direcionar a nossa prática para as melhores evidências disponíveis.  

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Metodologia 

A metodologia empregada pelos autores foi a busca abrangente em MEDLINE (PubMed) e Web of Science, de 2000 a 2024, visando estudos em crianças com DRESS, e a inclusão de trabalhos em adultos ou populações mistas na ausência de dados pediátricos, principalmente pela raridade da doença. A incorporação de diversos tipos de estudo, de RCTs a relatos de caso, é compreensível e necessária quando se aborda uma patologia de baixa incidência. 

A formulação das recomendações seguiu as diretrizes do GRADE e um processo de consenso rigoroso (80% de acordo entre os membros do painel), conferindo robustez às propostas, mesmo que baseadas em evidências limitadas. 

Resultados  

O artigo consolida informações sobre DRESS em crianças, destacando semelhanças e, mais importante, diferenças significativas em relação aos adultos. 

  1. Epidemiologia e Fatores de Risco:

A raridade do DRESS (1:1000 a 1:10000) é um desafio para qualquer pesquisa. Contudo, o estudo sugere que a incidência pediátrica (0.11% em pacientes internados) pode ser subestimada e talvez não seja tão baixa comparada à dos adultos. As classes de drogas mais frequentemente implicadas em crianças são anticonvulsivantes (especialmente aromáticos como carbamazepina) e antibióticos (sulfonamidas, vancomicina, betalactâmicos). Este dado é semelhante ao observado em adultos, com a ressalva de outras drogas comuns em adultos (alopurinol, anti inflamatórios) que são menos utilizadas em crianças e deste modo menor ocorrência de associação com o seu uso. As associações com alelos HLA (ex: HLA-A*31:01 para carbamazepina) são mencionadas como fatores de risco genéticos, embora com baixo valor preditivo para realização de pesquisa ou screening preventivo. 

  1. Diferenças Clínicas e Evolutivas entre Crianças e Adultos:

Este é um dos pontos mais importantes na doença. Embora o DRESS pediátrico apresente a tríade clássica (febre, rash cutâneo e envolvimento de múltiplos orgãos), as comparações sistemáticas revelam que: 

  • idade média de início é mais jovem (8-10 anos) do que em adultos. 
  • Envolvimento cutâneo >50% da área de superfície corporal: parece ser mais frequente em crianças. 
  • Reativações virais (herpes 6) são semelhantes, mas CMV e EBV são menos frequentes relatadas em crianças do que em adultos, o que pode impactar a patogênese e prognóstico. 
  • Menores taxas de recidivas e uma taxa de mortalidade inferior (3-5.4% em crianças contra 5.2-9% em adultos), embora mortes em crianças frequentemente ocorra por falência de múltiplos órgãos ou sepse. 
  • Sequelas autoimunes (diabetes tipo 1, tireoidopatias) têm taxas similares (3-10%) entre as faixas etárias, mas podem se manifestar mais precocemente em jovens. 
  1. Desafios Diagnósticos e Avaliação de Causalidade:

O artigo reafirma que os critérios diagnósticos do RegiSCAR e Japanese-SCAR foram desenvolvidos para adultos e não foram validados para crianças. Ambos os métodos utilizam critérios como presença de febre, rash, eosinofilia, linfonodos e mesmo a biópsia para definir o caso como DRESS. Mesmo sem validações em pediatria, o comitê recomenda seu uso, na ausência de alternativas até o presente momento, mas com reconhecimento de suas limitações. A distinção de “DRESS Ambíguo” para escores de 2-3 no RegiSCAR é uma proposta para lidar com casos de menor gravidade, mas que necessitam de atenção. O artigo ainda coloca a necessita da exclusão de outras condições (infecções e doenças reumatológicas) como importante para definição e conduta dos casos. Para avaliação de causalidade, escalas como Naranjo e WHO-UMC são sugeridas, mas com ressalvas quanto à baixa sensibilidade. Testes in vivo (Patch Test e Intradermo Test) e in vitro (Teste de Transformação Linfocitária) são abordados, com recomendações de temporalidade e precauções, porém sabemos das dificuldades de realização no nosso meio. Importante a abordagem sobre a contraindicação de testes de provocação e o papel apenas de “suporte” do HLA-testing são também reiterados. 

  1. Proposta de Manejo e Classificação de Gravidade 

Esta é a contribuição mais substancial do trabalho. Dada a falta de uma padronização ou protocolo no manejo atual, o Comitê propõe uma classificação de gravidade adaptada à pediatria (DRESS Ambíguo, Grau 1, 2 e 3) e um algoritmo de tratamento em cascata. Paciente com DRESS ambíguo (RegiSCAR com resultados de até 3 pontos), que são quadros mais leves ou com baixo risco de complicação poderiam ser tratados ambulatorialmente ou com internação de suporte, com uso de medicações tópicas além da suspensão da droga suspeita. Os graus 1 a 3 requerem sempre a hospitalização. Os pacientes devem ser acompanhando internados pelo risco de mudança na classificação e maior gravidade do quadro.  

  • Suporte: Medidas básicas (hidratação, pele, nutrição) são universais. 
  • Corticosteroides: Tópicos para DRESS Ambíguo e Grau 1 (com ressalvas sobre dose/potência em crianças). Corticoides sistêmicos são a primeira linha para grau 2 e 3 apenas. A cautela com corticoide sistêmico é ressaltada, devido aos riscos de infecções, Síndrome Inflamatória de Reconstituição Imune, recidivas e sequelas autoimunes. O uso de metilprednisolona em pulso é desaconselhado como primeira linha, devido à associação com complicações autoimunes e recidivas. 
  • Imunoglobulina Intravenosa (IVIG): Mais utilizada em crianças que em adultos (9.8-13% contra 0-9%), especialmente em casos refratários ou recidivas, como adjuvante corticoides sistêmicos nos graus 2 e 3. 
  • Antivirais: Considerados em caso de reativação viral com alta carga viral e sinais de ameaça à vida. A toxicidade é um fator limitante. Em nosso meio ainda temos a demora em realização da carga viral e mesmo da sua execução em vários hospitais. 
  • Imunossupressores:  Ciclosporina emerge como uma opção promissora para casos resistentes a corticoides ou como agente poupador de esteroides, com boas respostas em crianças. Outros agentes são mencionados, mas com pouca evidência em pediatria até o momento 
  • Mortalidade: O artigo ressalta que o subtratamento pode ser um fator contribuinte para a mortalidade em casos pediátricos graves, o que justifica a necessidade de um algoritmo claro. 

Conclusões  

O documento da EAACI sobre DRESS em crianças é de extrema importância, além de direcionar sobre a conduta alerta sobre a existência da síndrome e dos seus riscos sem o reconhecimento adequado. Ele não apenas sintetiza a literatura existente, mas propõe um caminho para diagnóstico, classificação de gravidade e manejo, adaptado à complexidade pediátrica. 

  1. Necessidade de Dados Pediátricos: A principal mensagem para a comunidade científica é a urgência de estudos pediátricos dedicados sobre DRESS. RCTs, mesmo que desafiadores em doenças raras, são de extrema importância para validar as recomendações propostas. 
  1. Validade das Diretrizes Propostas: As propostas de algoritmo diagnóstico, classificação de gravidade e tratamento, embora baseadas em evidências limitadas e consenso de especialistas, representam um avanço significativo para a abordagem da DRESS pediátrica. Elas fornecem aos uma estrutura lógica para diagnóstico e abordagem da condição com o potencial de reduzir morbidade e mortalidade. 
  1. Cautela na Prescrição e Monitoramento Ativo: O artigo reforça a necessidade de um exame cuidadoso antes da prescrição e um monitoramento contínuo para detectar precocemente o DRESS. A escolha de drogas alternativas e a evitar a reexposição a agentes suspeitos são cruciais. 
  1. Atenção ao Bem-Estar a Longo Prazo: A ênfase no acompanhamento de longo prazo (6 meses a 3 anos) para monitorar complicações infecciosas, recidivas e sequelas autoimunes (tireoidopatia e diabetes tipo 1) é fundamental.  

Autoria

Foto de Jandrei Rogério Markus

Jandrei Rogério Markus

Médico Graduado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Residência Médica em Pediatria e Infectologia Pediátrica pela UFPR. Especialização em Dermatologia Pediatria - pela UFPR. Mestrado em Saúde da Criança e do Adolescente com área na Infectologia Pediátrica. Doutorado em Saúde da Criança e do Adolescente com área na Dermatologia Pediátrica. Pós-graduado em Controle de Infecções Hospitalar pelo Centro Universitário do Vale da Ribeira. Atuando como médico_ infectologista pediátrico no Hospital e Maternidade Dona Regina (HMDR) e do Hospital Geral Público de Palmas (HGPP). Médico do Serviço de Controle de Infecções da UTI Neonatal do HMDR, UTI Pediátrica do HGPP e da UTI adulto do HGPP. Professor de Pediatria da Afya Faculdade de Ciências Médicas - Porto Nacional-TO. Membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia Pediátrica. Presidente do Departamento Cientifico de Dermatologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

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