A exposição intrauterina ao diabetes materno foi associada a maior morbidade e risco relacionado a doenças cardiovasculares (DCV) nos filhos nas idades entre 10 e 35 anos, segundo um estudo publicado no jornal canadense CMAJ.
Em todo o mundo, as DCV representam a causa não transmissível de óbito mais frequente. Embora afetem amplamente pessoas mais velhas, a carga em nível populacional é evidente já aos 35 anos de idade. A maioria dos adolescentes em países desenvolvidos vive com um ou mais fatores de risco para doenças cardiovasculares e as taxas continuam a aumentar em indivíduos com menos de 40 anos. Sabe-se que fatores relacionados ao estilo de vida na infância contribuem para que elas surjam precocemente.
No entanto, evidências crescentes sugerem que a história natural desses problemas começa já na vida intrauterina, mas não está claro se a exposição intrauterina ao diabetes materno está associada a fatores de risco para DCV e desfechos relacionados na idade adulta. Partindo desse conceito, o objetivo do estudo Intrauterine exposure to diabetes and risk of cardiovascular disease in adolescence and early adulthood: a population-based birth cohort study foi avaliar essa associação potencial em uma coorte de nascimentos de base populacional acompanhada até a idade de 35 anos.
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Método
Os pesquisadores realizaram um estudo de coorte de filhos nascidos entre 1979 e 2005 (n = 293.546) e acompanhados até março de 2015 em Manitoba, Canadá. Foram utilizados dados administrativos do Manitoba Population Research Data Repository. As exposições primárias foram a exposição intrauterina ao diabetes gestacional e a diabetes mellitus tipo 2. O desfecho primário foi uma medida composta de eventos de DCV incidentes, e o desfecho secundário foi um composto de fatores de risco para DCV em filhos acompanhados até os 35 anos de idade.
Durante o período do estudo, 359.919 nascimentos de 2.704 mães foram identificados. Após a exclusão daqueles que não atenderam aos critérios de inclusão, 293.546 filhos de 189.939 mães foram incluídos na coorte de nascimentos e acompanhados por pessoa/ano. A grande maioria (282.119 – 96,1%) desses filhos não foi exposta no útero ao diabetes materno, 8.210 (2,8%) foram expostos ao diabetes gestacional e 3.217 (1,1%) ao diabetes mellitus tipo 2 pré-existente. A idade média da prole no último acompanhamento foi de 20,5 anos (desvio padrão [DP] 6,4, intervalo de 10–35 anos).
Achados
Durante o período do estudo, a exposição intrauterina ao diabetes gestacional e ao diabetes tipo 2 tornou-se mais comum (p < 0,001). Filhos expostos no útero ao diabetes eram mais propensos a nascerem de mães mais velhas, grandes para a idade gestacional (GIG), prematuros e a residir em uma área rural ou em um domicílio com maior privação socioeconômica. Durante o período de acompanhamento, 15.438 indivíduos (5,3%) experimentaram um evento ou fator de risco relacionado à DCV.
O desfecho primário, a primeira DCV incidente, foi observado em 2.765 (0,9%) da coorte. Já o desfecho secundário, o primeiro fator de risco para DCV incidente, foi observado em 12.673 (4,3%) da coorte. Os três diagnósticos mais frequentes entre os filhos foram hipertensão (n = 8.713), diabetes tipo 2 (n = 3.568) e doença cardíaca isquêmica (n = 715).
Após serem feitos ajustes para a idade materna, fatores socioeconômicos, prematuridade e outros fatores, a exposição ao diabetes gestacional materno ou diabetes tipo 2, respectivamente, foi associada a um aumento de 1,27 e 1,48 vezes no risco de morbidade por DCV e um risco 1,85 e 3,38 vezes de fatores de risco para doenças cardiovasculares antes 35 anos de idade, em comparação com indivíduos não expostos intraútero ao diabetes. Além disso, a primeira DCV relacionada ocorreu 2 a 4 anos antes entre os filhos expostos no útero a diabetes gestacional ou diabetes tipo 2. A maior morbidade entre a prole exposta ao diabetes parece ser causada por diabetes tipo 2 de início precoce e hipertensão.
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Conclusão
Portanto, neste estudo, os pesquisadores observaram que os filhos expostos intraútero a diabetes gestacional ou diabetes tipo 2 tiveram um risco duas a três vezes maior e de início precoce de morbidade relacionada a doenças cardiovasculares nos primeiros 35 anos de vida. Este risco foi impulsionado, principalmente, por taxas mais altas de hipertensão, diabetes tipo 2 e doença cardíaca isquêmica entre aqueles expostos ao diabetes.
Os pesquisadores destacam que estudos futuros devem se esforçar para replicar esses achados em outras configurações e estender o acompanhamento de coortes semelhantes em idades mais avançadas para avaliar se a contribuição relativa da exposição intraútero ao diabetes para a morbidade relacionada à DCV permanece estável ao longo do tempo. A relevância dessa pesquisa é reforçar o rastreamento de bebês com exposição ao diabetes para fatores de risco de DCV, o que pode auxiliar na avaliação de uma carga futura relacionada às DCV na população.
Referências bibliográficas:
- Guillemette L, et al. Intrauterine exposure to diabetes and risk of cardiovascular disease in adolescence and early adulthood: a population-based birth cohort study. CMAJ. 2020; doi:10.1503/cmaj.190797
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