O delirium é relevante no contexto da doença causada pelo novo coronavírus (coronavirus disease of 2019 – Covid-19). Além de poder ser um sintoma na apresentação e/ou durante o curso da enfermidade, as alterações comportamentais comumente vistas no delirium, particularmente na agitação, podem tornar o seu manejo bastante desafiador, incluindo a prestação de cuidados e a redução do risco de infecção cruzada.
Ademais, o delirium, especialmente sua forma motora hiperativa, apresentará obstáculos adicionais significativos no contexto da crise da Covid-19. Medidas não farmacológicas padrão para tratar o delirium ou preveni-lo podem muito bem não ser possíveis em ambientes isolados que têm o potencial de piorá-lo.
Pacientes idosos apresentam maior risco de Covid-19 e, quando infectados, têm maior risco de delirium. Todavia, o delirium não é exclusivo dos idosos e pode ser observado em qualquer paciente com infecção grave, síndrome do desconforto respiratório agudo e naqueles que necessitam de ventilação mecânica invasiva em Unidades de Terapia Intensiva.
Diante da dificuldade em conduzir pacientes positivos para Covid-19 apresentando delirium, a British Geriatrics Society, a European Delirium Association e o Old Age Psychiatry Faculty (Royal College of Psychiatrists) divulgaram o consenso Coronavirus: Managing delirium in confirmed and suspected cases, elaborado por especialistas dessas três organizações. Essas recomendações devem ser utilizadas em conjunto com as políticas e práticas locais de cada instituição.
Delirium na Covid-19
As recomendações seguem dois pontos principais:
- Bons cuidados gerais – incluindo prevenção, identificação precoce e manejo não farmacológico, conforme possibilidade;
- Devido à facilidade de transmissão da Covid-19, o risco de danos a outras pessoas pode exceder o risco de danos ao indivíduo, e isso pode exigir o uso de tratamentos farmacológicos para comportamentos potencialmente de risco. No entanto, mesmo em situações complexas em que um paciente apresenta delirium no contexto da Covid-19, com riscos adicionais de transmissão a terceiros e possivelmente recursos humanos limitados, os mesmos princípios básicos de avaliação de risco e de capacidade mental se aplicam.
Leia também: Coronavírus: guideline do Surviving Sepsis Campaign para manejo de pacientes graves
A seguir, sintetizamos as recomendações desse consenso:
- Aprimorar a triagem para delirium em grupos de risco e avaliação regular usando uma ferramenta recomendada (por exemplo, o 4AT). Entretanto, essa abordagem pode ser cada vez mais limitada pelas restrições de pessoal e de tempo. A ferramenta 4AT está disponibilizada no site, neste link;
- Reduzir o risco de delirium evitando ou reduzindo fatores precipitantes conhecidos: orientação regular, prevenção da constipação, tratamento da dor, identificação e tratamento precoce de infecções concomitantes, manutenção da oxigenação, prevenção da retenção urinária e revisão de medicamentos;
- Com relação a distúrbios comportamentais, procurar e tratar causas diretas, como dor, retenção urinária, constipação etc. Em locais onde essas intervenções sejam ineficazes ou se for necessário um controle mais rápido para reduzir o risco de danos ao paciente e a outros, pode ser necessário utilizar um tratamento farmacológico mais precocemente do que seria normalmente considerado.
- Se o uso de medicamentos for necessário, deve-se monitorar os efeitos colaterais, sinais vitais, nível de hidratação e consciência no mínimo a cada hora, até que não haja mais preocupações com a integridade física do paciente. Deve-se ter cuidados com o uso de benzodiazepínicos, pois podem levar à depressão respiratória. Em idosos, a dose máxima de haloperidol no British National Formulary é de 5,0 mg em 24 horas. No entanto, os especialistas sugerem uma abordagem mais conservadora com o máximo de 2,0 mg em 24 horas, em primeira instância. Se doses mais altas forem necessárias, deve-se consultar um especialista.
Medicamento | Dose inicial | Dose máxima em 24 horas | Cuidados / Contraindicações |
Haloperidol | 0,5 mg VO
0,5 mg IM | 2,0 mg VO
2,0 mg IM | Prolongamento do intervalo QT no eletrocardiograma
Sinais de parkinsonismo ou demência por corpos de Lewy Usar apenas quando usado sem outros medicamentos que prolongam o intervalo QT |
Risperidona | 0,25 mg VO | 1,0 mg em doses divididas | Sinais de parkinsonismo ou demência por corpos de Lewy
Não licenciado para delirium |
Lorazepam se antipsicóticos são contraindicados | 5,0 mg VO
0,5 – 1,0 mg IM | 2,0 mg VO
2,0 mg IM | Cuidado na insuficiência renal
Não licenciado para delirium |
Legenda: IM – intramuscular; VO – via oral.
- Observar as orientações usuais de cautela com o uso de medicamentos em pessoas idosas, e especialmente certos medicamentos em pacientes com doença de Parkinson ou demência por corpos de Lewy (por exemplo, medicamentos antipsicóticos).
- O delirium pode causar sofrimento considerável entre a equipe e as famílias, além do paciente. O fornecimento de informações sobre o delirium é importante usando os recursos disponíveis localmente.
Os especialistas sugerem que mais informações sejam acessadas através de últimos consensos, como do Scottish Inercollegiate Guidelines Network e do National Institute for Health and Care Excellence, através dos links.
Por fim, os especialistas citam as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para idosos em quarentena:
- Idosos, especialmente isolados e com declínio cognitivo/demência, podem ficar mais ansiosos, irritados, estressados, agitados e retraídos durante o surto/em quarentena. Deve-se fornecer apoio prático e emocional por meio de redes informais (famílias) e profissionais de saúde.
- Deve-se compartilhar fatos simples sobre o que está acontecendo e fornecer informações claras sobre como reduzir o risco de infecção em palavras que os idosos com/sem comprometimento cognitivo possam entender.
- As informações devem ser repetidas sempre que necessário. As instruções precisam ser comunicadas de maneira clara, concisa, respeitosa e serena. Pode ser útil que as informações sejam exibidas por escrito ou em imagens. A família e outras redes de apoio no fornecimento de informações devem estar envolvidas em ajudar a praticar medidas de prevenção (por exemplo, lavagem das mãos etc.).
Referências bibliográficas:
- BRITISH GERIATRIC SOCIETY; EUROPEAN DELIRIUM ASSOCIATION; ROYAL COLLEGE OF PSYCHIATRISTS. Coronavirus: Managing delirium in confirmed and suspected cases. 2020. Disponível em: https://www.bgs.org.uk/resources/coronavirus-managing-delirium-in-confirmed-and-suspected-cases Acesso em: 29 de março 2020
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