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Pediatria31 março 2020

Delirium em pacientes com Covid-19 suspeita ou confirmada

O delirium é relevante no contexto da Covid-19. Além de poder ser um sintoma, as alterações comportamentais podem tornar o seu manejo bastante desafiador.

O delirium é relevante no contexto da doença causada pelo novo coronavírus (coronavirus disease of 2019 – Covid-19). Além de poder ser um sintoma na apresentação e/ou durante o curso da enfermidade, as alterações comportamentais comumente vistas no delirium, particularmente na agitação, podem tornar o seu manejo bastante desafiador, incluindo a prestação de cuidados e a redução do risco de infecção cruzada.

Ademais, o delirium, especialmente sua forma motora hiperativa, apresentará obstáculos adicionais significativos no contexto da crise da Covid-19. Medidas não farmacológicas padrão para tratar o delirium ou preveni-lo podem muito bem não ser possíveis em ambientes isolados que têm o potencial de piorá-lo.

Pacientes idosos apresentam maior risco de Covid-19 e, quando infectados, têm maior risco de delirium. Todavia, o delirium não é exclusivo dos idosos e pode ser observado em qualquer paciente com infecção grave, síndrome do desconforto respiratório agudo e naqueles que necessitam de ventilação mecânica invasiva em Unidades de Terapia Intensiva.

Diante da dificuldade em conduzir pacientes positivos para Covid-19 apresentando delirium, a British Geriatrics Society, a European Delirium Association e o Old Age Psychiatry Faculty (Royal College of Psychiatrists) divulgaram o consenso Coronavirus: Managing delirium in confirmed and suspected cases, elaborado por especialistas dessas três organizações. Essas recomendações devem ser utilizadas em conjunto com as políticas e práticas locais de cada instituição.

médico atendendo paciente com delirium na covid-19

Delirium na Covid-19

As recomendações seguem dois pontos principais:

  • Bons cuidados gerais – incluindo prevenção, identificação precoce e manejo não farmacológico, conforme possibilidade;
  • Devido à facilidade de transmissão da Covid-19, o risco de danos a outras pessoas pode exceder o risco de danos ao indivíduo, e isso pode exigir o uso de tratamentos farmacológicos para comportamentos potencialmente de risco. No entanto, mesmo em situações complexas em que um paciente apresenta delirium no contexto da Covid-19, com riscos adicionais de transmissão a terceiros e possivelmente recursos humanos limitados, os mesmos princípios básicos de avaliação de risco e de capacidade mental se aplicam.

Leia também: Coronavírus: guideline do Surviving Sepsis Campaign para manejo de pacientes graves

A seguir, sintetizamos as recomendações desse consenso:

  1. Aprimorar a triagem para delirium em grupos de risco e avaliação regular usando uma ferramenta recomendada (por exemplo, o 4AT). Entretanto, essa abordagem pode ser cada vez mais limitada pelas restrições de pessoal e de tempo. A ferramenta 4AT está disponibilizada no site, neste link;
  2.  Reduzir o risco de delirium evitando ou reduzindo fatores precipitantes conhecidos: orientação regular, prevenção da constipação, tratamento da dor, identificação e tratamento precoce de infecções concomitantes, manutenção da oxigenação, prevenção da retenção urinária e revisão de medicamentos;
  3. Com relação a distúrbios comportamentais, procurar e tratar causas diretas, como dor, retenção urinária, constipação etc. Em locais onde essas intervenções sejam ineficazes ou se for necessário um controle mais rápido para reduzir o risco de danos ao paciente e a outros, pode ser necessário utilizar um tratamento farmacológico mais precocemente do que seria normalmente considerado.
  4. Se o uso de medicamentos for necessário, deve-se monitorar os efeitos colaterais, sinais vitais, nível de hidratação e consciência no mínimo a cada hora, até que não haja mais preocupações com a integridade física do paciente. Deve-se ter cuidados com o uso de benzodiazepínicos, pois podem levar à depressão respiratória. Em idosos, a dose máxima de haloperidol no British National Formulary é de 5,0 mg em 24 horas. No entanto, os especialistas sugerem uma abordagem mais conservadora com o máximo de 2,0 mg em 24 horas, em primeira instância. Se doses mais altas forem necessárias, deve-se consultar um especialista.
MedicamentoDose inicialDose máxima em 24 horasCuidados / Contraindicações
Haloperidol0,5 mg VO

0,5 mg IM

2,0 mg VO

2,0 mg IM

Prolongamento do intervalo QT no eletrocardiograma

Sinais de parkinsonismo ou demência por corpos de Lewy

Usar apenas quando usado sem outros medicamentos que prolongam o intervalo QT

Risperidona0,25 mg VO1,0 mg em doses divididasSinais de parkinsonismo ou demência por corpos de Lewy

Não licenciado para delirium

Lorazepam se antipsicóticos são contraindicados5,0 mg VO

0,5 – 1,0 mg IM

2,0 mg VO

2,0 mg IM

Cuidado na insuficiência renal

Não licenciado para delirium

Legenda: IM – intramuscular; VO – via oral.

  1. Observar as orientações usuais de cautela com o uso de medicamentos em pessoas idosas, e especialmente certos medicamentos em pacientes com doença de Parkinson ou demência por corpos de Lewy (por exemplo, medicamentos antipsicóticos).
  2. O delirium pode causar sofrimento considerável entre a equipe e as famílias, além do paciente. O fornecimento de informações sobre o delirium é importante usando os recursos disponíveis localmente.

Os especialistas sugerem que mais informações sejam acessadas através de últimos consensos, como do Scottish Inercollegiate Guidelines Network e do National Institute for Health and Care Excellence, através dos links.

Por fim, os especialistas citam as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para idosos em quarentena:

  • Idosos, especialmente isolados e com declínio cognitivo/demência, podem ficar mais ansiosos, irritados, estressados, agitados e retraídos durante o surto/em quarentena. Deve-se fornecer apoio prático e emocional por meio de redes informais (famílias) e profissionais de saúde.
  • Deve-se compartilhar fatos simples sobre o que está acontecendo e fornecer informações claras sobre como reduzir o risco de infecção em palavras que os idosos com/sem comprometimento cognitivo possam entender.
  • As informações devem ser repetidas sempre que necessário. As instruções precisam ser comunicadas de maneira clara, concisa, respeitosa e serena. Pode ser útil que as informações sejam exibidas por escrito ou em imagens. A família e outras redes de apoio no fornecimento de informações devem estar envolvidas em ajudar a praticar medidas de prevenção (por exemplo, lavagem das mãos etc.).

Referências bibliográficas:

Autoria

Foto de Roberta Esteves Vieira de Castro

Roberta Esteves Vieira de Castro

Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra

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