Doenças infecciosas graves, assim como outras experiências traumáticas, como o isolamento social durante a pandemia da doença pelo novo coronavírus (Covid-19), podem influenciar a saúde mental das crianças, de acordo com o estudo Mental Health Status Among Children in Home Confinement During the Coronavirus Disease 2019 Outbreak in Hubei Province, China, publicado na JAMA Pediatrics.
Saúde mental durante Covid-19
Os estudantes em Wuhan, província de Hubei, China, ficaram confinados em casa no período de 23 de janeiro a 08 de abril de 2020. Na cidade de Huangshi (a 85 km de Wuhan), os estudantes permaneceram em confinamento de 24 de janeiro a 23 de março de 2020.
Para a realização desse estudo, os pesquisadores Xie e colaboradores convidaram um total de 2330 alunos das séries 2 a 6 em duas escolas primárias na província de Hubei, dos quais 845 eram de Wuhan e 1485 eram de Huangshi, a participar de um survey no período entre 28 de fevereiro e 5 de março de 2020. Os alunos participaram por meio de uma plataforma online, após consentimento de um responsável.
Todos os questionários foram incluídos na análise após auditoria de qualidade, com taxa efetiva de 100%. As informações incluíam sexo, nota escolar, otimismo sobre o epidemia, preocupações com relação a serem infectados pela Covid-19, e sintomas de depressão e de ansiedade medidos pelo Children’s Depression Inventory–Short Form (CDI-S) e pelo Screen for Child Anxiety Related Emotional Disorders, respectivamente.
Ambas as medidas foram validadas para uso em chinês. Regressões lineares generalizadas foram aplicadas para variáveis contínuas e regressões logísticas para variáveis binárias. Os resultados foram analisados estatisticamente com o SPSS for Windows 22.0 (IBM). A significância estatística foi definida por valores de P<0,05.
Resultados
Foram encontrados os seguintes resultados:
- Entre 2330 estudantes, 1784 participantes responderam à pesquisa – taxa de resposta de 76,6%;
- 1012 (56,7%) dos participantes eram do sexo masculino;
- 1109 crianças (62,2%) residiam em Huangshi;
- Os estudantes ficaram confinados em casa por uma média (desvio padrão – DP) de 33,7 (2,1) dias em que eles concluíram esta pesquisa;
- Um total de 403 (22,6%) e 337 estudantes (18,9%) relataram sintomas de depressão e de ansiedade, respectivamente;
- Os estudantes de Wuhan tiveram escores CDI-S significativamente mais altos do que os de Huangshi [β, 0,092, intervalo de confiança de 95% (IC 95%), 0,014-0,170], com maior risco de sintomas depressivos [odds ratio, 1,426 (IC 95%), 1,138-1,786];
- Os estudantes que estavam um pouco preocupados ou não estavam preocupados em serem afetados pela Covid-19 tiveram escores CDI-S significativamente mais baixos do que aqueles que estavam bastante preocupados [β, -0,184 (IC 95%), -0,273 a -0,095], com risco reduzido de sintomas depressivos [odds ratio, 0,521 (IC 95%), 0,400-0,679];
- Aqueles que não estavam otimistas sobre a epidemia, em comparação com aqueles que eram bastante otimistas, tiveram escores CDI-S significativamente mais altos [β, 0,367 (IC 95%), 0,250-0,485], com um risco aumentado de sintomas depressivos [odds ratio 2,226 (IC95%), 1,642 -3,117];
- Não houve associação significativa entre características demográficas e sintomas de ansiedade.
Veja mais: Sociedade Brasileira de Pediatria alerta sobre vitamina D e Covid-19
Xie e sua equipe descreveram que 22,6% dos estudantes relataram ter sintomas depressivos, o que é superior a outras investigações em escolas primárias da China (17,2%). Durante o surto de Covid-19, a redução das atividades ao ar livre e da interação social pode ter sido associada a um aumento nos sintomas depressivos em crianças.
Esse estudo constatou que 18,9% dos estudantes relataram sintomas de ansiedade, superior à prevalência em outras pesquisas. Os pesquisadores mencionam que a síndrome respiratória aguda grave em 2003 também foi associada a vários sintomas psicológicos entre os estudantes da China. Apesar de não poder avaliar se esses resultados irão persistir após o surto de Covid-19, o estudo de Xie e colaboradores sugere que doenças infecciosas graves podem influenciar a saúde mental das crianças, assim como outras experiências traumáticas.
Referência bibliográfica:
- XIE, Xinyan et al. Mental Health Status Among Children in Home Confinement During the Coronavirus Disease 2019 Outbreak in Hubei Province, China. JAMA Pediatrics, 2020 doi:10.1001/jamapediatrics.2020.1619
Autoria

Roberta Esteves Vieira de Castro
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.