A Doença Meningocócica Invasiva (DMI) é causada pela bactéria Neisseria meningitidis, sendo a maioria dos casos pelos sorogrupos A, B, C, W, Y e X. Embora sua incidência seja maior em lactentes e crianças pequenas, um pico secundário é observado na adolescência, atribuído às mudanças comportamentais típicas da idade, que intensificam a exposição a novas cepas.¹
A vacina contra a doença meningocócica pelo sorogrupo B (4CMenB) está aprovada em mais de 50 países e vem sendo bem tolerada em ensaios clínicos e estudos pós-licenciamento, com um bom perfil de segurança.¹ Em alguns países, já faz parte, inclusive, dos programas nacionais de imunizações (PNIs), como no Reino Unido, França, Itália, Espanha e Portugal.¹
Apesar da grande disponibilidade de vacinas atualmente nos PNIs, a manutenção de uma cobertura vacinal mínima adequada segue sendo um grande problema de saúde pública na maior parte dos países. A complexidade dos calendários vacinais nos primeiros anos de vida é um dos fatores que agravam essa questão e torna urgente a necessidade de medidas que possam otimizar a adesão vacinal.¹ Uma delas é a coadministração de múltiplas vacinas numa mesma visita. A redução do número de visitas para completar o calendário poderá gerar uma melhoria na pontualidade e adesão da vacinação.¹
Além disso, em grupos etários com uma já conhecida dificuldade de adesão vacinal em geral, como os adolescentes, a coadministração seria particularmente interessante. No caso da doença meningocócica, a administração de múltiplas vacinas que visam a diferentes sorogrupos é de grande importância, considerando o pico de incidência secundário da DMI que ocorre nessa idade.¹
Entretanto, é importante considerarmos alguns fatores antes de fazer uma recomendação de administração conjunta de vacinas. As vacinas coadministradas continuarão mantendo efeito imunogênico similar ao obtido com as vacinas isoladas? As vacinas coadministradas podem provocar efeitos adversos graves ou problemas de segurança que não ocorrem na vacinação isolada?
Muitos estudos responderam a essas perguntas com relação à coadministração específica da 4CMenB com outras vacinas. Inclusive, com base neles, alguns PNIs já recomendam a administração da 4CMenB com outras vacinas de rotina, considerando evidências clínicas de boa tolerabilidade e imunogenicidade relacionadas tanto à 4CMenB quanto às demais vacinas.¹
Vejamos alguns dados.
Imunogenicidade
Diversos estudos investigaram a administração da 4CMenB em conjunto com vacinas do calendário infantil e adulto, considerando a imunogenicidade de cada vacina administrada.¹ Nesses trabalhos, as vacinas avaliadas foram: DTPa (Tríplice Bacteriana acelular, que protege contra difteria, tétano e coqueluche), Hib (Haemophilus influenzae b), hepatite B, VIP (poliomielite inativada), as pneumocócicas 7, 10 e 13-valentes (PCV7, PHiD-CV e PCV13, respectivamente), meningocócica do tipo C (MenC-CRM), rotavírus (mono e pentavalentes), tríplice viral (sarampo-caxumba-rubéola ou MMR) ou tetra-viral (sarampo-caxumba-rubéola + varicela ou MMRV) e meningocócica ACWY (MenACWY-CRM).¹
Com relação às vacinas DTPa/VIP/Hib/HepB e PCV7, em particular, foi realizado um estudo de fase 3 com lactentes, na Europa, que demonstrou a manutenção de uma boa imunogenicidade pela vacina 4CMenB. Nesse trabalho, foram induzidas respostas imunológicas um mês após a terceira dose. Com base nos critérios pré-definidos de não inferioridade, não houve evidências de interferência significativa da vacina 4CMenB quando coadministrada com as vacinas citadas, exceto por uma proporção ligeiramente menor de bebês com títulos de poliovírus tipo 2 ≥8 (−5%; IC 95% −11, −1).¹
Além disso, um estudo de fase 2b com lactentes, na Europa, corroborou a manutenção de imunogenicidade da 4cMenB quando coadministrada com as mesmas vacinas citadas no estudo anterior.¹
Já as vacinas de rotavírus foram avaliadas por pesquisas com lactentes, que demonstraram que as respostas imunológicas induzidas pela 4CMenB não foram significativamente impactadas pela coadministração.¹
As vacinas DTPa/VIP/Hib, PCV 13 e Hep B também foram avaliadas em um estudo de fase 3 com bebês e crianças pequenas, em Taiwan, que evidenciou que a imunogenicidade da 4CMenB não foi impactada pela coadministração.¹
Para avaliar as vacinas pneumocócicas e meningocócicas, foram realizadas pesquisas no Reino Unido e Brasil. O estudo inglês com lactentes avaliou que a administração conjunta com a PCV13 não afetou a imunogenicidade da 4CMenB.¹ Enquanto o estudo brasileiro com lactentes e crianças avaliou a coadministração da 4CMenB com a MenC-CRM e Pneumo 10 (PHiD-CV). A pesquisa demonstrou resposta imune suficiente nas primeiras duas das três doses primárias e na dose de reforço. Além disso, a imunogenicidade com coadministração com MenC-CRM não foi inferior à MenC- CRM isolada.¹
As vacinas tríplice e tetra-viral (MMR e MMRV) foram avaliadas em estudos de fase 3 previamente mencionados, realizados na Europa e em Taiwan, que demonstraram resultados semelhantes quanto à manutenção da imunogenicidade da 4CMenB quando coadministrada como dose de reforço com as vacinas MMR e MMRV, aos 12 meses de idade. No estudo europeu, a 4CMenB manteve imunogenicidade após um mês da dose de reforço coadministrada com a MMRV. Já no estudo taiwanês, 92 a 99% das crianças apresentaram imunogenicidade adequada.¹
Com a vacina ACWY, a capacidade imunogênica da 4CMenB foi avaliada em um estudo multicêntrico, no México e na Argentina, e em um estudo com adultos, na Inglaterra. No estudo multicêntrico, com crianças de até 13 meses, a imunogenicidade associada com a coadministração não foi inferior quando comparada a cada vacina isolada. No estudo inglês, com adultos trabalhadores de laboratório de 18 a 65 anos, a coadministração da primeira dose com a MenACWY-CRM não afetou a imunogenicidade de nenhuma das vacinas.¹
Dados sobre reatogenicidade
Muitos estudos clínicos e de vida real foram realizados com o intuito de investigar a reatogenicidade de vacinas coadministradas com a 4CMenB. Esses estudos, em geral, evidenciaram que não existem questões significativas com relação à segurança e que os efeitos adversos, como febre, podem ocorrer em maiores taxas, porém podem ser manejados clinicamente com paracetamol profilático. Reações comuns incluíram dor e eritema locais, febre e irritabilidade.¹
Uma análise agrupada de crianças, que participaram de estudos clínicos randomizados, na Europa, avaliou a reatogenicidade da coadministração da 4CMenB com as vacinas de rotina da infância (DTPa/VIP/Hib/ HepB e PCV7). Foi encontrado um aumento na incidência de febre >39ºC, febre prolongada e dor local. Por outro lado, houve uma redução geral na incidência de febre ≥38°C e outros efeitos adversos sistêmicos, em comparação com a administração isolada. A coadministração da vacina também diminuiu o risco de efeitos adversos após a imunização (febre ≥38°C, choro, diarreia e alteração nos hábitos alimentares) de 4 a 49%, com maior redução em quem já tinha histórico desses efeitos adversos.¹
Com relação à vacina de rotavírus, uma análise de dados de participantes desses mesmos estudos citados realizados na Europa, observou um perfil similar de reatogenicidade em crianças que receberam e que não receberam a 4CMenB conjuntamente com a vacina de rotavírus.¹
Já a coadministração com as vacinas MenC-CRM e Pneumo10 (PHiD-CV) foi avaliada em um estudo, no Brasil, que demonstrou que crianças que receberam MenC-CRM e Pneumo10 (PHiD-CV) com ou sem 4CMenB apresentaram similares taxas de efeitos adversos.1
Estudos de vida real, realizados no Reino Unido e Canadá, avaliaram a ocorrência de efeitos adversos da coadministração da 4CMenB e outras vacinas do calendário vacinal infantil. O estudo inglês avaliou crianças dentro do programa nacional de imunizações. Foi observado um maior risco de convulsões e convulsões febris após a vacinação, porém não especificamente atribuíveis à 4CMenB, pois 93% das vacinações de 4CMenB são coadministradas com outras vacinas de rotina. Já no estudo canadense, foi encontrado um risco maior de febre nas primeiras 48 horas após a vacinação coadministrada com outras vacinas de rotina em relação à vacina 4CMenB isolada.¹
Por outro lado, um estudo de farmacovigilância de larga escala feito no Reino Unido demonstrou que a reatogenicidade antecipada felizmente não afetou a adesão vacinal nas doses subsequentes.1
Os eventos adversos mais comuns decorrentes da coadministração da 4CMenB com outras vacinas, como febre e dor local, podem ser adequadamente tratados com antitérmicos profiláticos. Essa conduta, inclusive, é recomendada por alguns países, como Reino Unido e Portugal.¹ Estudos no Reino Unido e Canadá demonstraram que o uso de paracetamol profilático no momento da vacinação e regularmente após reduziu significativamente as taxas de febre nas primeiras 48 horas pós-vacinação sem afetar a imunogenicidade da 4CMenB e das demais vacinas coadministradas.¹
É importante citar que alguns dados indicam que o paracetamol profilático possa diminuir a imunogenicidade de algumas vacinas, como as pneumocócicas, porém não se sabe se isso tem relevância clínica na prática clínica do mundo real.¹
Coadministração da 4CMenB na prática clínica global
Atualmente, doze países incluem a 4CMenB em seus PNIs, sendo que, em nove deles (República Tcheca, França, Lituânia, Malta, Nova Zelândia, Portugal, República da Irlanda, Espanha e Reino Unido), a administração conjunta da 4CMenB com outras vacinas de rotina é recomendada.¹
Como medida de saúde pública, a coadministração de vacinas é uma importante estratégia para o aumento das coberturas vacinais, como demonstraram pesquisas realizadas no Quênia e no Canadá. No Quênia, foram avaliadas crianças de 1 a 4 anos submetidas à coadministração de vacinas recomendadas (por exemplo, DTP/Hib/HepB, PCV e vacinas contra rotavírus) e foi encontrada uma associação com o aumento das chances de vacinação dentro do prazo e de conclusão do esquema vacinal.¹
Além disso, dados de mundo real demonstraram que a 4CMenB, em particular, foi efetiva não somente nos PNIs que a recomendam isoladamente, como Itália, mas também naqueles que recomendam a coadministração, como Inglaterra, Portugal e Espanha. Em Portugal, durante os primeiros anos da aquisição da vacina, as crianças que desenvolveram DMI tinham menor probabilidade de ter recebido a 4CMenB em comparação com controles pareados que não desenvolveram a doença, com uma eficácia estimada da vacina de 79% entre as crianças que receberam 2 doses ou mais.¹
Uma questão importante a se considerar é a perspectiva da população acerca da administração conjunta de múltiplas vacinas, em particular dos pais e responsáveis. Em uma pesquisa que avaliou as atitudes em relação à coadministração de vacinas em bebês, 42% dos responsáveis entrevistados indicaram que duas injeções eram o número máximo com o qual se sentiam confortáveis durante uma única consulta médica, com 28% afirmando que se sentiam confortáveis com qualquer recomendação do seu médico.¹
Apesar disso, um grande estudo de farmacovigilância conduzido no Reino Unido, que registrou efeitos adversos suspeitos da 4CMenB durante um período de vigilância de 20 meses, demonstrou que a adesão às doses subsequentes não foi afetada negativamente por qualquer reatividade antecipada. Isso indica que uma adequada relação entre profissional de saúde e paciente/responsável, com uma comunicação eficaz sobre os efeitos adversos, o manejo profilático, se indicado, assim como a discussão da ponderação entre o risco de maior reatividade e os importantes benefícios da coadministração podem ter um grande impacto na aceitação do esquema vacinal.¹
Diante desses dados de estudos clínicos e de vida real, percebemos que a coadministração de vacinas, em particular da 4CMenB, não somente é uma estratégia segura e eficaz, como é também recomendada por vários programas nacionais de imunização de sistemas públicos de saúde conceituados. Já a reatogenicidade, de fato, elevada com a aplicação conjunta de vacinas, pode ser manejada clinicamente sem afetar a imunogenicidade na maior parte dos casos, com paracetamol profilático.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.