CBMI 2024: Tempo de enchimento capilar e microcirculação em crianças com sepse
No primeiro dia do Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI) 2024, a sessão temática “Sepse em pacientes pediátricos” contou com a participação do convidado internacional Dr. Jaime Fernández-Sarmiento, Colômbia. O palestrante é, atualmente, o presidente da Sociedade Latinoamericana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP).
A sessão do Dr. Jaime, intitulada Capillary refill time and microcirculation damage in children with sepsis, destacou que, durante a sepse, a inflamação associada à ativação endotelial modifica a perfusão tissular, com consequente prejuízo à entrega de oxigênio aos tecidos. Portanto, um endotélio inflamado não permite uma boa entrega de oxigênio. O palestrante citou a revisão de Guven e colaboradores (2020), que mostra que os danos à microcirculação podem ser ocasionados por isquemia, reperfusão, inflamação e hipóxia, culminando em malefícios ao endotélio, glicocálice e hemácias. Rolamento e adesão resultam de ativação de leucócitos, resultando em extravasamento para o tecido, acelerando o processo inflamatório. Por fim, a redução da permeabilidade provoca vazamento vascular e formação de edema.
Diante do exposto, o Dr. Jaime mencionou cinco perguntas chave acerca do tempo de enchimento capilar (TEC) à beira-leito.
1) TEC prolongado indica hipoperfusão, isto é, comprometimento de microcirculação?
Para responder esta pergunta, o palestrante mencionou o artigo de Lamprea e colaboradores (2022), do qual ele participou. Diante de um insulto hemodinâmico, a perfusão tecidual é alterada para preservar um fluxo sanguíneo apropriado na micro e macrocirculação. Ocorre vasoconstrição como resposta simpática, ocasionada pela liberação de noradrenalina nos vasos sanguíneos, atingindo as células musculares lisas vasculares. Dessa forma, há estímulo de receptores adrenérgicos α1 (ativando a proteína Gαq). Em seguida, as vias de sinalização dependentes da fosfolipase-C e que permitem a entrada de cálcio na célula também são ativadas, resultando em contração das células musculares lisas vasculares.
Outro artigo citado foi o estudo observacional de Huang e colaboradores (2023), em que 282 adultos críticos foram avaliados para saber até que ponto o TEC está correlacionado com anormalidades microcirculatórias. O TEC se mostrou não ser somente um indicador de perfusão, mas também de menor recrutamento pulmonar e de menor densidade capilar.
Por fim, ainda com relação à primeira pergunta, o palestrante falou de seu estudo publicado em janeiro deste ano “The association between prolonged capillary refill time and microcirculation changes in children with sepsis”. Um total de 132 crianças com sepse foram incluídas. O TEC < 2 segundos se associou a:
- Alteração do fluxo microvascular (menor densidade de capilares de 4 a 6 micras);
- Alteração da densidade capilar (mais capacidade de recrutamento capilar);
- Dano estrutural (maior degradação do glicocálix endotelial).
Já o TEC > 2 segundos se mostrou um bom preditor de dano na microcirculação: a incoerência hemodinâmica depois de 6 horas foi associada à maior mortalidade (p<0,01).
2) Existe um método padronizado para medir o TEC?
De acordo com o artigo de Lamprea e colaboradores (2022):
- Mão na altura do coração;
- Ambiente térmico adequado;
- Pressione a lâmina até as pontas dos dedos ficarem pálidas (10 segundos);
- Tenha um cronômetro;
- Solte a lâmina e ative o relógio;
- Pare o relógio quando houver recuperação da perfusão.
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3) Que fatores podem alterar a medição do TEC?
Temperatura do ambiente, temperatura da pele, qualidade da técnica, local de pressão e iluminação do quarto.
TEC normal de acordo com a faixa etária:
- Neonato: < 5 segundos;
- Criança: < 2 segundos;
- Adolescente: < 3,5 segundos;
- Idoso: < 4,5 segundos.
A superfície dorsal do segundo dedo da mão apresenta melhor reprodutibilidade interobservador de acordo com Monteerarat e colaboradores.
4) TEC ou lactato para orientar a ressuscitação hídrica na sepse?
Um dos estudos mostrados pelo palestrante para responder a essa pergunta foi o ensaio clínico randomizado de Castro e colaboradores (2020) que avaliou os efeitos do TEC versus lactato na ressuscitação com fluidos em parâmetros de perfusão regionais, microcirculatórios e relacionados à hipóxia no choque séptico em adultos. A reanimação hídrica guiada pelo TEC não foi superior à guiada pelo lactato nas primeiras seis horas, não houve diferença em disfunções orgânicas em 24 horas e o TEC alcançou mais rapidamente o objetivo em 2 horas. Além de outros estudos mostrados, o Dr. Jaime deixou a mensagem de que o TEC representou uma ferramenta universal, barata e disponível em todos os contextos.
5) O TEC prolongado se relaciona com a mortalidade?
O Dr. Jaime mencionou a revisão sistemática com metanálise de Fleming e colaboradores (2015) que analisou o valor diagnóstico do TEC para detecção de doenças graves em crianças. A conclusão é de que o TEC prolongado é uma red-flag em crianças: as crianças com TEC prolongado têm um risco quatro vezes maior de morte em comparação com crianças com TEC normal. Além disso, a baixa sensibilidade significa que um TEC normal não deve tranquilizar o pediatra: outros sinais clínicos devem ser avaliados na criança crítica.
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