CBMI 2024: Sepse em pediatria e o que a nova definição muda na abordagem
O Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI) 2024 está sendo realizado em São Paulo e está trazendo muitas discussões sobre sepse em pediatria. A Dra Daniela Carla de Souza, pesquisadora brasileira especialista no tema, palestrou sobre o que a nova definição de sepse muda no diagnóstico e tratamento desta condição nos pacientes pediátricos.
Sepse na pediatria
A palestrante deu início à sua apresentação com uma citação de Nicolau Maquiavel, em sua obra O Príncipe, onde observa: “Como dizem os médicos, acontece na febre agitada, que no início da doença é fácil de curar, mas difícil de detectar, mas com o passar do tempo, não tendo sido detectada ou tratada no início, torna-se fácil de detectar, mas difícil de curar…” De fato, é o que observamos na prática com relação à sepse.
A definição de sepse em pediatria é um imenso desafio. Os primeiros critérios surgiram em 2005, por meio de opinião de especialistas durante a Conferência Internacional de Sepse em Pediatria (International Pediatric Sepsis Conference – IPSCC). De acordo com esta definição, muitos pacientes admitidos na unidade de internação com infecção, sem risco de vida, têm “sepse”.
Nesta definição, temos o conceito de síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), descrita como uma característica de infecção, não de sepse, e desta forma, permanecendo uma ferramenta importante de triagem para infecção. A SIRS, portanto, pode representar uma resposta adaptativa, não tendo correlação com gravidade. No entanto, as definições da IPSCC não são adequadamente sensíveis e nem específicas e não apresentam a precisão necessária para serem utilizadas por clínicos à beira leito. Ademais, não foram validadas e possuem pouco fundamento fisiopatológico.
1. O Phoenix Sepsis Score (PSS) – Escore de Sepse de Phoenix
Em fevereiro de 2024, o periódico JAMA publicou o artigo de Schlapbach e colaboradores (do qual a Dra. Daniela Carla participou juntamente com o brasileiro Dr. Cláudio Flauzino) intitulado International Consensus Criteria for Pediatric Sepsis and Septic Shock. Nesta publicação, os pesquisadores atualizaram e avaliaram os critérios para sepse e choque séptico em crianças, denominando-os Phoenix Sepsis Score (PSS). O PSS se aplica a crianças até 17 anos (exceto recém-nascidos [RN] prematuros <37 semanas e RN hospitalizados após o nascimento), atuando como um escore preditivo. Ademais, considera as seguintes variáveis:
- Quadro respiratório: utiliza as relações PaO2:FiO2 ou SpO2:FiO2;
- Quadro cardiovascular: considera o uso de medicamentos vasoativos e a dosagem de lactato, além da pressão arterial média (PAM) de acordo com a idade;
- Coagulação: inclui valores de plaquetas, D-dímero, INR e fibrinogênio;
- Quadro neurológico: avalia a Escala de Coma de Glasgow e a reação pupilar.
Os critérios para SIRS não foram incluídos e o termo sepse grave foi excluído. Dessa forma, temos as seguintes definições:
- Sepse: Suspeita de Infecção + PSS ≥ 2 pontos;
- Choque séptico: Sepse ≥ 1 ponto de disfunção cardiovascular.
É importante destacar que no PSS:
- A ressuscitação volêmica não foi valorizada;
- Considera-se a reação pupilar, mas temos um desafio com relação a pacientes com quadro irreversível e pacientes sedados;
- Foram considerados valores muito elevados de lactato e muito baixos de PAM;
- A utilização de D-dímero e de INR podem ser limitantes em muitos locais;
- As disfunções renais e hepáticas foram ignoradas.
Com relação ao valor preditivo positivo e à sensibilidade, o PSS apresentou valores semelhantes ou maiores para predizer mortalidade hospitalar quando comparado ao IPSSC.
2. E o que a nova definição muda na prática clínica?
Nada! O PSS NÃO foi desenvolvido para ser utilizado como uma ferramenta de triagem precoce. O reconhecimento oportuno e preciso da sepse requer ferramentas de triagem com precisão razoável e alta sensibilidade, que sejam adaptáveis a diferentes ambientes de cuidados de saúde, podendo, portanto, depender do contexto! Na prática, o diagnóstico é clínico, exigindo elevado nível de suspeição do médico. Portanto, devem avaliados:
- SRIS ⇒ infecção
– Alteração de temperatura;
– Frequências cardíaca (FC) e respiratória (FR) inapropriadas. - “Janela” cutânea (CV)
– Anormalidades da perfusão;
– Tempo de enchimento capilar (TEC) alterado;
– Anormalidades de pulso;
– Cor e temperatura da pele;
– Livedo;
– Hipotensão. - “Janela” renal
– Redução da diurese. - Coagulação
– Sufusões hemorrágicas. - “Janela” neurológica
– Irritabilidade;
– Choro inconsolável;
– Sonolência;
– Confusão;
– Coma;
– Escala de coma de Glasgow;
– Reação pupilar. - Respiratório
– Hipoxemia;
– Relação Sat/FiO2. - Impressão da família
Na prática, portanto, o tratamento deve ser iniciado quando ainda há incerteza diagnóstica, sempre avaliando os riscos e benefícios, a probabilidade de infecção, os diagnósticos diferenciais, os fatores de risco (idade, doenças crônicas, genética, fatores ambientais), a presença de choque e a hiperlactatemia.
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3. Aplicabilidade clínica dos critérios de sepse de Phoenix
O PSS classificou com precisão o risco de mortalidade definitivamente atribuível em crianças recebendo tratamento para câncer, que foram admitidas na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) com suspeita de infecção (boa discriminação).
A Dra Daniela também mostrou um estudo realizado na Bolívia por Olmos e colaboradores, em que o PSS foi avaliado quanto à validade e à aplicabilidade em países com poucos recursos. Foi um estudo observacional, retrospectivo, realizado em 14 UTIP da Bolívia (N = 274). A mortalidade por choque séptico foi de 36,8% e o PSS mostrou sensibilidade de 91,1%, especificidade de 83,7% e AUROC (área sob a característica operacional do receptor) de 0,537.
Portanto, esse estudo mostrou que o PSS é aplicável em cenários de poucos recursos. A disponibilidade limitada de testes de fibrinogênio e D-dímero não alterou a confiabilidade geral da pontuação, mas a altitude de alguns hospitais reduziu a confiabilidade do escore.
Mensagens finais da palestrante
O PSS foi desenvolvido para melhorar a prática clínica, a pesquisa e o benchmarking. No entanto, não são para triagem! O diagnóstico de sepse depende do julgamento clínico (deve ser presuntivo). Aliás, o PSA não deve ser utilizado para determinar o início do tratamento. Qualquer paciente com suspeita de infecção e critérios clínicos de disfunção orgânica devem ser considerados como tendo sepse, independente da pontuação. Por fim, a Dra Daniela enfatizou “trate o paciente, não o escore”.
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