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Pediatria25 outubro 2024

Asma no adolescente: o que muda?

Reconheça a transição do cuidado do serviço de saúde pediátrico para o de adulto e saiba como manejar doenças crônicas em adolescentes.

Este conteúdo foi produzido pela Afya em parceria com GSK de acordo com a Política Editorial e de Publicidade do Portal Afya.

A asma é uma doença inflamatória heterogênea e crônica, caracterizada por uma limitação obstrutiva variável do fluxo aéreo, que resulta em um quadro de tosse, sibilância, sensação de aperto torácico e/ou dispneia. Os sintomas variam em intensidade e ao longo do tempo1 e podem ser revertidos espontaneamente ou com o auxílio de medicamentos.1,2

As exacerbações da doença podem ser desencadeadas por diferentes gatilhos, como exposição a alérgenos inalantes ou a agentes irritantes, infecções respiratórias, tabagismo, poluição ambiental, exercícios físicos, estresse e mudanças climáticas. Esses estímulos atuam de maneira direta ou indireta sobre a mucosa respiratória, causando a hiperreatividade e inflamação brônquica que justificam os sintomas da doença.1

Na infância, a asma é a doença crônica mais prevalente. É a principal causa de morbidade decorrente de doenças crônicas, levando a grandes índices de absenteísmo escolar, internações e idas a serviços de emergência.1 Embora haja uma alternância entre períodos de exacerbações e remissões, a inflamação subjacente permanece, podendo gerar uma obstrução ao fluxo aéreo expiratório persistente conforme o avanço da doença. Isso se deve ao remodelamento brônquico, resultante de sequelas cicatriciais do processo inflamatório crônico.1 Portanto, com a idade e o prolongamento da doença, a função pulmonar vai sendo prejudicada.1

A baixa adesão terapêutica tem sido uma questão de crescente importância no tratamento de doenças crônicas. Estudos indicam que cerca de 50% dos pacientes, adultos e pediátricos, em tratamento prolongado para asma demonstram falhas no uso de medicações conforme orientações médicas.

Na adolescência, a adesão passa a ser um problema maior não só devido ao tratamento crônico, mas também devido às particularidades inerentes a essa fase da vida, como o comportamento exploratório e de risco, incluindo o tabagismo, cada vez mais frequente nesta faixa etária. É fundamental considerar durante o atendimento as bruscas mudanças físicas, emocionais, cognitivas e sociais experimentadas neste período e que podem dificultar o manejo clínico da doença.1

Uma etapa essencial do manejo de doenças crônicas em adolescentes é a transição do cuidado do serviço de saúde pediátrico para o de adulto. Essa transferência deve ser abordada como um processo desde o início do atendimento do adolescente de modo a encorajar os pais e pacientes a introduzirem medidas de automanejo da asma pelo adolescente. Essa etapa não deve se basear na idade cronológica e sim no estágio de desenvolvimento psicossocial do indivíduo. Idealmente essa avaliação deve ser iniciada por volta de 11 a 13 anos de idade. Além disso, como em qualquer consulta com adolescentes, o paciente deve ser atendido em determinado momento separadamente dos pais ou cuidadores, para que sejam abordadas questões delicadas, como tabagismo, saúde mental e adesão ao tratamento, com a garantia da confidencialidade.1

Avaliação do controle da asma

Todos os pacientes devem ser avaliados quanto ao controle de sintomas e riscos futuros, como exacerbações, perda acelerada da função pulmonar e efeitos adversos do tratamento.1 A avaliação dos sintomas leva em consideração o padrão nas últimas quatro semanas: a frequência de sintomas diários e de necessidade de uso de medicações de resgate, a presença de despertares noturnos e a existência de qualquer limitação das atividades diárias. A asma controlada é aquela que não tem alteração em nenhum desses parâmetros no último mês. A parcialmente controlada é a que teve alteração em um ou dois desses parâmetros, e a não controlada, em três ou quatro deles.¹ Essa classificação auxilia o médico na decisão quanto à próxima etapa do tratamento, ou seja, avançar (step up) ou regredir (step down) um nível terapêutico.1

São considerados fatores de risco o uso frequente de broncodilatador de curta ação (SABA) para resgate, o uso incorreto dos dispositivos inalatórios, a presença de comorbidades, exposição frequente a alérgenos e irritantes, problemas socioeconômicos e psicossociais, baixa adesão terapêutica, história de mais de uma exacerbação grave no último ano, eosinofilia, entre outros, que devem ser avaliados periodicamente.1

No caso de pacientes pediátricos, a avaliação de controle da doença deve incluir informações relatadas tanto pelos responsáveis quanto pela criança ou adolescente. É importante avaliar se existe impacto na prática de atividades físicas, vida social e absenteísmo escolar.1

A proposta de tratamento deve levar em consideração as características fenotípicas da criança ou adolescente, os objetivos e desejos dos responsáveis e do paciente (quando possível), os custos financeiros, a habilidade de uso dos dispositivos inalatórios e a exposição ambiental que possa influenciar no risco de exacerbação ou outras reações adversas.1

Antes de iniciar o tratamento, é recomendado documentar um parâmetro de medida da função pulmonar, como o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), que é obtido no exame de espirometria. Após três a seis meses, deve-se reavaliar esse parâmetro, e depois periodicamente ou conforme necessidade.1

Opções de tratamento adolescentes e adultos

A edição mais recente da Global Initiative for Asthma 2024 (GINA 2024) mantém a estruturação do tratamento da asma em cinco etapas ou passos (“steps”), que consideram como parâmetros a gravidade e a resposta às intervenções. A estratégia medicamentosa para tratamento de adolescentes maiores de 12 anos é a mesma adotada para adultos.1

Inicia-se o tratamento no step 1 se os sintomas ocorrem até duas vezes por semana. É recomendado como tratamento preferencial o corticoide inalatório (CI) associado ao formoterol em doses baixas para resgate. Já como alternativa, o uso de doses baixas de CI sempre que houver necessidade de broncodilatador de curta duração (“beta 2- agonista de curta duração” ou “SABA”).1

Já o step 2 é iniciado quando os sintomas estão presentes de 3 a 5 vezes por semana, com função pulmonar preservada ou levemente reduzida. Nessa etapa recomenda-se, como tratamento preferencial, o mesmo do step 1. Já a segunda opção, seria o uso de doses baixas diárias de CI e SABA como medicação de resgate. Porém, deve-se levar em consideração que essa última alternativa pode não ser eficaz, uma vez que é mais difícil a adesão do paciente com asma leve ao uso regular de medicações.1

O step 3 é a escolha quando os sintomas existirem na maior parte dos dias (quatro a cinco vezes por semana) e/ou causarem despertares noturnos uma vez ou mais por semana, ou redução da função pulmonar.  Nesse momento, recomenda-se dose baixa de CI combinado com formoterol seguindo a terapia MART (manutenção e resgate). Como alternativa é preconizado o tratamento de manutenção em dose baixa de CI associado a um broncodilatador de longa duração (“beta 2- agonista de longa duração” ou “LABA”) e SABA conforme necessidade.1

O step 4 é adotado quando o paciente apresenta sintomas diários, despertares noturnos pelo menos uma vez por semana, redução da função pulmonar ou exacerbação recente. Nessa etapa, é indicada dose média do CI combinado com formoterol, também seguindo a estratégia MART. Como estratégia alternativa, é recomendada dose média ou alta de CI combinada com outro LABA diariamente e SABA como resgate.1

O step 5 é de manejo do especialista e inclui uso de altas doses de CI associado à LABA ou terapias imunobiológicas.1 É recomendado que o tratamento seja reavaliado a cada três meses ou antes, caso necessário. O step down só é indicado após a manutenção do controle dos sintomas por três meses consecutivos gradualmente.1

Dentre as opções de CI disponíveis para o tratamento da asma, o propionato de fluticasona apresenta boa afinidade de ligação aos receptores de glicocorticoides, ficando atrás apenas do furoato de fluticasona e furoato de mometasona. Dessa forma, o propionato de fluticasona tende a otimizar a atividade anti-inflamatória local.3* A fluticasona também é a opção que possui menor biodisponibilidade sistêmica e maior retenção pulmonar, gerando menos efeitos colaterais.3

Quando necessário, conforme descrito nos esquemas possíveis de tratamento, o propionato de fluticasona pode ser combinado com o LABA. O GOAL, estudo de um ano, randomizado, estratificado e duplo-cego, com grupos paralelos, teve como objetivo comparar os tratamentos com propionato de fluticasona isolado e salmeterol/fluticasona em pacientes asmáticos e observou que os pacientes alcançaram a asma bem controlada mais rapidamente com salmeterol/fluticasona em comparação com ICS isolado.4^

Além disso, sempre que possível, recomenda-se utilizar dispositivos que permitam o uso combinado de medicações para melhorar a adesão terapêutica quando for necessário o uso regular de mais de uma medicação.1

Os dispositivos inalatórios mais conhecidos para o tratamento medicamentoso são os inaladores pressurizados dosimetrados (pMDIs) e os inaladores de pó seco (DPIs).5 Os DPIs podem ser utilizados para a maior parte dos esquemas terapêuticos da asma, porém devem ser indicados em crianças maiores, adolescentes ou adultos, pois dependem de controle inspiratório para sua utilização adequada.5 Esses aparelhos são compactos, discretos e ativados pelo próprio ato inspiratório, não necessitando de coordenação pelo paciente entre a ativação do dispositivo e a inspiração.5 Entretanto, a técnica adequada depende de uma inspiração rápida, profunda e constante.5

Um exemplo de fator associado ao regime terapêutico e que tem grande impacto no controle dos sintomas é a dificuldade do manejo do dispositivo inalatório. Isso pode acontecer tanto por desconhecimento do paciente quanto por falta de instrução adequada dada pelos profissionais de saúde. Estudos mostram que até mesmo os profissionais demonstram dificuldade ou desconhecimento das técnicas inalatórias adequadas. O uso de múltiplos dispositivos diferentes também pode dificultar o entendimento da técnica adequada. Por isso, a checagem da técnica inalatória do próprio paciente com dispositivos placebos e demonstração prática em todas as consultas é fundamental para minimizar os erros.1

Particularidades do manejo do adolescente

A prevalência de sintomas de asma em adolescentes em nosso país é uma das maiores do mundo6 e a adesão ao tratamento nessa faixa etária é a chave para o sucesso terapêutico.1,6

A asma induzida pelo exercício deve ser sempre abordada na consulta do adolescente, que deve ser orientado quanto ao tratamento adequado e profilático. A atividade física é um importante gatilho para broncoconstrição, que, em geral, piora após o término do exercício. O tratamento regular com corticoide inalatório, aquecimento adequado e treinamento reduzem significativamente a ocorrência dos sintomas após exercício. O uso de SABA antes do exercício previne as crises, porém pode haver um efeito de tolerância quando ocorre o uso além do recomendado.1

No entanto, o ponto-chave no tratamento de pacientes com doenças crônicas, em geral, é a adesão ao tratamento. Alguns fatores voluntários e involuntários estão relacionados à baixa aderência terapêutica, como conhecimento em saúde, escolaridade e preocupações com efeitos colaterais.1

Outros fatores involuntários incluem o esquecimento e a falta de rotina. Nesses casos, é importante destacar a necessidade de autonomia e responsabilidade do próprio paciente para seu autocuidado, porém orientando formas práticas, como a utilização de alarmes e organização da rotina. Já fatores voluntários envolvem questões como a percepção de que o tratamento é desnecessário (comum em pacientes com quadros leves), negação ou raiva com relação à doença e seu tratamento, expectativas irreais, preocupações com efeitos colaterais, insatisfação com o sistema de saúde ou seus profissionais, estigmatização, principalmente no ambiente escolar.1

A forma de intervenção mais adequada é a decisão terapêutica compartilhada com o paciente, respeitando sua autonomia, mas em conjunto também com os pais, em relação à medicação e dispositivo inalatório mais adequado, a posologia mais simples possível, visitas domiciliares com um programa de acompanhamento terapêutico se possível.1

Asma em adolescentes, portanto, apesar de ter como esquema terapêutico a mesma estratégia medicamentosa de pacientes adultos, não deve ser manejada da mesma forma. A abordagem deve ser sempre feita considerando-se a complexidade do contexto psicossocial inerente à faixa etária e seu grande impacto na adesão e sucesso terapêutico. E, como no atendimento pediátrico, em geral, deve-se contar com o apoio familiar, porém é necessário permitir e encorajar a autonomia do paciente na decisão terapêutica.1

 

*Dados in vitro – não há evidências de relevância clínica.

^Pacientes no Estrato 2, em uso de corticosteroide inalatório em baixa dose no início do estudo (n=583 para PF/SAL e n=577 para PF). O tempo médio até a primeira semana de asma bem controlada para PF/SAL foi de duas semanas e para PF isolado foi de sete semanas, p<0,001. O tempo médio até a primeira semana de asma bem controlada foi definido como o tempo necessário para que 50% dos pacientes atingissem sua primeira semana de asma bem controlada.

 

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Referências bibliográficas

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