No mundo todo, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) tornaram-se a principal causa de mortalidade nas últimas décadas, sendo responsáveis por 17 milhões de óbitos prematuros todos os anos. A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é o principal fator de risco. O aleitamento materno (AM) proporciona inúmeros benefícios para a prole, tanto em curto prazo contra doenças infecciosas, quanto no longo prazo, incluindo redução nos riscos de obesidade e diabetes mellitus tipo 2 (DM2), além de culminar em desfechos cardiovasculares (CV) favoráveis. Infelizmente, a maioria dos estudos é observacional e conduzida em países de alta renda, onde a duração do AM está ligada ao status socioeconômico, o que traz inúmeras preocupações sobre fatores de confusão residuais. No Brasil, pesquisadores de Pelotas, Rio Grande do Sul, utilizaram dados de um estudo prévio de coorte de nascimentos de 1982, onde a duração do AM foi independente das condições socioeconômicas. O objetivo foi avaliar as associações entre a duração do AM e os fatores de risco CV aos 30 anos, levantando a hipótese de efeitos positivos sobre o colesterol HDL e associações inversas com outros marcadores de risco. Os resultados foram publicados na edição de fevereiro de 2025 nos Cadernos de Saúde Pública.
Metodologia
Foram utilizados dados da coorte de nascimentos de Pelotas de 1982. Naquele ano, as maternidades de Pelotas foram visitadas diariamente e todos os nascimentos foram registrados. Os recém-nascidos (RN) vivos (n = 5.914) cujas famílias residiam na área urbana da cidade foram avaliados e suas mães, entrevistadas.
Em um primeiro momento, visava investigar a morbidade e mortalidade perinatal, infantil e na primeira infância. Entretanto, ao longo dos anos, o estudo foi expandido para incluir acompanhamentos em fases posteriores da vida e os participantes foram submetidos a múltiplas avaliações. Em 2012-2013, os pesquisadores fizeram uma busca de todos os membros da coorte, que foram convidados a comparecerem à clínica de pesquisa para serem entrevistados e examinados.
Dados sobre a duração do AM e a idade na introdução da alimentação complementar foram coletados aos 12, 24 e 48 meses, considerando a idade mais precoce referida de cessação completa da amamentação. Naquela época, o aleitamento materno exclusivo (AME) era uma prática incomum, sendo, portanto, incluído no grupo de amamentação predominante.
Aos 30 anos, os fatores de risco CV e metabólico foram avaliados: a pressão arterial (PA) foi aferida duas vezes por meio de um esfigmomanômetro digital, com ajustes para uso de medicamentos anti-hipertensivos; a PA média foi calculada adequadamente. A espessura íntima-média da carótida foi medida por ultrassom, com média de 90 quadros em uma seção carotídea de 10 mm. A velocidade da onda do pulso carotídeo-femoral foi verificada com ultrassom portátil, calculando a velocidade a partir da distância e do tempo de trânsito entre ambos os pulsos. Por fim, os perfis aleatórios de glicemia e lipídios (colesterol total, HDL e não HDL) foram determinados por análise colorimétrica enzimática.
Resultados
No período de 2012 a 2013, foram entrevistados 3.701 participantes, cuja média de idade foi de 30,2 anos. Somados aos 325 óbitos identificados entre os membros da coorte, foi obtida uma taxa de acompanhamento de 68,1%. Em comparação com a coorte original, havia uma ligeira predominância do sexo feminino e de grupos socioeconômicos intermediários em comparação com a coorte original. Não houve diferença significativa com relação à duração do AM no acompanhamento.
Com relação às características demográficas, cerca de 70% dos participantes eram provenientes de famílias com renda ≤ 3 salários mínimos. A escolaridade materna foi heterogênea, com um terço tendo 4 anos ou menos de educação formal. Um total de 21,1% recebeu AM por menos de um mês e 30% por seis ou mais meses, enquanto somente 40% foram predominantemente amamentadas por pelo menos três meses.
Aos 30 anos, 57,7% dos participantes estavam acima do peso, a PA média era de 90,8 mmHg e o colesterol total médio era de 191,3 mg/dL.
Os pesquisadores descreveram que a prevalência do AM nos primeiros seis meses não estava relacionada à renda familiar, mas era maior entre as mães mais velhas, com bebês com maior peso ao nascer (PN) e maior índice de massa corporal (IMC) pré-gestacional. O tabagismo durante a gestação e o parto cesáreo estavam negativamente associados ao AM. A PA média correlacionou-se positivamente com o IMC materno e com a hipertensão ou diabetes gestacional, enquanto a espessura íntima-média da carótida foi menor nas mulheres, inversamente relacionada ao status socioeconômico e positivamente associada ao IMC materno e ao PN. Além disso, a velocidade da onda de pulso também foi associada ao IMC materno.
O tabagismo materno durante a gestação foi associado a maiores níveis de glicemia. Após ajuste, não houve associações claras entre alimentação infantil e desfechos CV, embora o colesterol HDL tenha inicialmente mostrado uma associação positiva com o AM predominante, que desapareceu após o controle de fatores de confusão.
Conclusão
O estudo propõe não haver associação entre a duração do AM e os fatores de risco CV e metabólicos na vida adulta. Apesar dessa conclusão, os pesquisadores destacam que os resultados encontrados não minimizam a relevância do AM em sua totalidade, havendo ainda necessidade de maior entendimento de seus inúmeros benefícios.
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