O Transtorno do Espectro Autista (TEA) afeta cerca de uma em cada 36 crianças nos EUA e é caracterizado por dificuldades sociais e de comunicação, além de comportamentos repetitivos. Muitas crianças com TEA também apresentam problemas do trato gastrointestinal (TGI), com estudos mostrando que estes pacientes têm 4,42 vezes mais chances de ter sintomas gastrointestinais em comparação com crianças em desenvolvimento típico. De forma geral, gastroenterologistas utilizam vários métodos de diagnóstico, incluindo endoscopia, para manejo e avaliação de queixas gastrointestinais. Embora a endoscopia seja claramente indicada para problemas como disfagia e sangramento gastrointestinal, dentre outras indicações, sinais comportamentais de dor, até mesmo autoagressão, muitas vezes são negligenciados e talvez possam estar relacionados com sintomas gastrointestinais não verbalizados por estes pacientes. Estudos sobre o uso de endoscopia em pacientes pediátricos com TEA é limitada, com a maioria dos estudos sendo pequenos e sem grupos de controle, destacando a necessidade de mais investigações para essa população.
Neste contexto, um estudo publicado no The Journal Of Pediatrics teve como objetivo avaliar características clínicas e achados em EDA (esofagogastroduodenoscopia) em pacientes pediátricos com TEA. Os resultados foram comparados com controles pareados por idade e gênero, incluindo crianças com atrasos no desenvolvimento (AD) sem diagnóstico de TEA e crianças com desenvolvimento típico (DT), sem TEA ou AD. Os pesquisadores levantaram a hipótese de que as crianças com TEA apresentariam taxas mais altas de achados anormais durante as avaliações endoscópicas em comparação com ambos os grupos de controle. Dentre os resultados obtidos, os seguintes ganham destaque:
- Este estudo incluiu 2.104 pacientes divididos em três grupos: TEA (n = 526), AD (n = 526) e DT (n = 1.052). No grupo TEA, 27% eram do sexo feminino (n = 142), com idade média de 10,1 ± 6,2 anos. Os grupos AD e DT foram pareados por idade e sexo. Embora a maioria dos participantes de todos os grupos fosse branca, o grupo AD apresentou uma proporção ligeiramente maior de indivíduos negros e multirraciais.
- O uso de medicamentos variou entre os grupos:
- O uso de bloqueadores de histamina-2 foi maior no grupo TEA (11,4%) em comparação com os grupos AD (10,3%) e DT (6,4%) (P = 0,001). O uso de inibidores da bomba de prótons (IBPs) foi semelhante entre os grupos;
- As taxas de alergias alimentares, doença celíaca, esofagite eosinofílica e doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) foram semelhantes entre os grupos;
- O principal motivo para avaliação endoscópica em todos os grupos foi o refluxo gastroesofágico, com taxas semelhantes em TEA (29,3%), AD (29,3%) e DT (28,0%) (P = 0,80);
- Dor abdominal foi menos frequente no grupo TEA (17,5%) em comparação com AD (20,2%) e DT (26,6%) (P < 0,001);
- Diarreia também foi menos comum em TEA (1,9%) e AD (2,1%) do que em DT (4,3%) (P = 0,01);
- Níveis elevados de transglutaminase tecidual IgA, indicando suspeita de doença celíaca, não foram observados no grupo TEA, mas ocorreram em 7,2% do grupo AD e 7,5% do grupo DT (P < 0,001).
- No geral, a suspeita de doença celíaca foi menor em TEA (9,1%) e AD (10,1%) em comparação com DT (14,7%) (P = 0,001).
- Dificuldades alimentares foram mais prevalentes no grupo TEA (13,5%) em comparação com AD (9,7%) e DT (5,0%) (P < 0,001), assim como o esvaziamento gástrico retardado (TEA 2,7%, AD 1,5%, DT 0,9%; P = 0,02).
Achados no Estômago:
- Não foram observadas diferenças significativas entre os grupos (TEA, DD, TD) em relação a achados endoscópicos e histológicos, como inflamação, mucosa anormal, pólipos, gastrite ou infecção por Helicobacter pylori.
Achados no Duodeno:
- Taxas mais baixas de anormalidades endoscópicas e histológicas (como atrofia vilosa, hiperplasia de criptas e linfocitose intraepitelial) foram encontradas em indivíduos com TEA em comparação aos grupos AD e DT.
- O diagnóstico de TEA não esteve significativamente associado à histologia duodenal anormal após ajuste para fatores de confusão.
Achados no Esôfago:
- O diagnóstico de TEA previu significativamente anormalidades histológicas no esôfago, mesmo após ajuste para fatores como idade, gênero, raça, uso de bloqueadores ácidos, alergias alimentares e dificuldades alimentares.
Discussão e conclusão: endoscopia digestiva em crianças com autismo
Crianças com TEA frequentemente têm dificuldades de comunicação, o que pode mascarar problemas gastrointestinais, e diferenças sensoriais podem alterar a percepção da dor. Devemos ficar atentos a sinais sutis, como disfagia ou deglutição constante, que podem indicar refluxo gastroesofágico. Assim, a decisão de realizar procedimentos do TGI em crianças com TEA deve envolver uma colaboração estreita entre especialistas e os pais ou cuidadores, que podem fornecer informações sobre sintomas atípicos.
A prevalência de esofagite em nosso estudo foi de 38%, o que está consistente com relatos anteriores. Esta amostra grande e diversificada permitiu demonstrar que o diagnóstico de TEA tem um efeito independente significativo sobre a esofagite. A gastrite foi menos comum do que a esofagite, com taxas semelhantes nos três grupos: 18,9% no grupo TEA, 19,8% no grupo AD e 20,3% no grupo DT, o que está dentro da faixa de estimativas previamente relatadas, que varia de 10% a 80%.
Este é o maior estudo que avaliou os achados da EDA em crianças com TEA, encontrando uma alta prevalência de achados endoscópicos anormais em crianças com TEA, especialmente esofagite. Esses achados enfatizam a importância de considerar a endoscopia para crianças com TEA, com cautela e diante de potenciais sintomas do TGI, fornecendo informações valiosas para clínicos e famílias.
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