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Oncologia18 abril 2025

Qualidade da comunicação entre pacientes com câncer e seus médicos

Estudo analisou intervenções que buscam melhorar a comunicação entre pacientes com câncer e seus médicos

Este artigo, publicado na revista Psycho-Oncology, mergulha em um tema que, à primeira vista, pode parecer técnico, mas que toca em algo profundamente humano: a qualidade da comunicação entre pacientes com câncer e seus médicos. A maneira como essas conversas acontecem pode definir não apenas o entendimento da doença, mas também a confiança no tratamento, a adesão às terapias e até mesmo a paz no final da vida. O estudo se propõe a analisar intervenções que buscam melhorar essa comunicação, focando em estratégias que envolvem tanto pacientes quanto profissionais de saúde. 

Por que esse tema importa? 

O câncer é uma doença que mexe com todas as esferas da vida de uma pessoa. Quando um paciente recebe um diagnóstico ou precisa discutir opções de tratamento, cada palavra dita (ou não dita) pelo médico pode ecoar por meses ou anos. Sabemos, por exemplo, que pacientes que se sentem ouvidos e compreendidos tendem a relatar maior satisfação com o cuidado e até mesmo melhores resultados clínicos. Por outro lado, falhas na comunicação podem levar a decisões mal-informadas, ansiedade desnecessária e tratamentos que não refletem os verdadeiros desejos do paciente. 

Até agora, muitas intervenções focavam apenas em um lado da equação: ou treinavam médicos para se comunicarem melhor, ou davam ferramentas para os pacientes fazerem perguntas. Mas a comunicação é uma dança a dois. Um paciente pode ter uma lista de perguntas na mão, mas se o médico não criar espaço para que elas sejam feitas, pouco adianta. Da mesma forma, um médico pode ser treinado para ser empático, mas se o paciente não se sente encorajado a falar, a conversa fica incompleta. 

É aí que entra a importância deste estudo. Ele não olha apenas para um lado, mas para como pacientes e médicos podem ser apoiados juntos para criar diálogos mais significativos. 

Veja mais: Série Comunicação Médica: como aprimorar técnicas de comunicação médico-paciente [vídeo]

Como o estudo foi feito? 

Os pesquisadores fizeram uma revisão sistemática, um método rigoroso que busca reunir e analisar todos os estudos relevantes sobre um tema. Eles vasculharam quatro grandes bases de dados científicas e, depois de eliminar duplicatas e artigos fora do escopo, chegaram a 13 estudos que se encaixavam nos critérios. 

Os trabalhos selecionados eram todos ensaios clínicos randomizados (o padrão-ouro para avaliar intervenções), e todos testavam alguma estratégia que envolvia tanto pacientes quanto médicos. Alguns exemplos: 

Treinamento para médicos (como workshops de comunicação, feedback com pacientes simulados) + materiais para pacientes (listas de perguntas, guias de conversa). 

Resumo das preocupações do paciente entregue ao médico antes da consulta + coaching para o paciente sobre como expressar suas necessidades. 

Os autores não só avaliaram se essas intervenções funcionavam, mas também como elas eram aplicadas. Quanto tempo durava o treinamento? Os materiais eram fáceis de usar? Pacientes e médicos achavam a abordagem útil? 

Quem participou desses estudos? 

A maioria das pesquisas foi feita nos Estados Unidos, com algumas na Holanda, Singapura e Alemanha. Os pacientes eram, em geral, adultos entre 50 e 60 anos, majoritariamente brancos – um limite importante, já que sabemos que minorias raciais e pessoas mais jovens podem ter necessidades diferentes. A maioria tinha câncer avançado ou metastático, mas alguns estudos incluíram pacientes em estágios mais iniciais. 

Do lado dos profissionais, a maioria eram oncologistas, mas alguns estudos incluíram enfermeiros, médicos de família e até mesmo cuidadores. Curiosamente, poucos estudos mencionavam o papel dos familiares, que muitas vezes são peças-chave nas conversas sobre câncer. 

O que os resultados mostraram? 

Aqui, as coisas ficam interessantes. Os estudos revelaram que: 

Intervenções combinadas melhoram a comunicação, mas não necessariamente outros outcomes. 

Pacientes que receberam listas de perguntas e cujos médicos foram treinados para incentivá-las falaram mais durante as consultas. 

Médicos que passaram por treinamentos se mostraram mais hábeis em discutir temas delicados, como prognóstico e cuidados paliativos. 

No entanto, essas melhorias nem sempre se traduziram em redução de ansiedade, depressão ou maior concordância nas decisões. 

O apoio do médico é crucial. Um achado curioso foram os pacientes só usavam listas de perguntas quando os médicos explicitamente diziam algo como “Essa lista é importante, vamos usá-la hoje.” Se o médico ignorava o material, os pacientes também tendiam a deixá-lo de lado. Isso mostra que não basta dar ferramentas ao paciente – o médico precisa validar sua importância. 

Intervenções mais simples podem ser tão eficazes quanto as complexas. Alguns estudos testaram abordagens intensivas, como múltiplas sessões de coaching para pacientes. Outros usaram apenas uma folha com perguntas sugeridas. Surpreendentemente, as versões mais simples muitas vezes funcionavam tão bem quanto as mais elaboradas. 

Falta diversidade e foco em cuidadores. Quase todos os estudos foram feitos com populações majoritariamente brancas e de alto nível socioeconômico. Além disso, poucos incluíram familiares no processo, mesmo sabendo que eles frequentemente mediam a comunicação entre paciente e médico. 

O que isso significa na prática? 

Para quem trabalha com câncer – seja como médico, enfermeiro ou gestor de saúde – este estudo traz lições valiosas: 

Materiais para pacientes só funcionam se os médicos os adotarem. Distribuir listas de perguntas no consultório é um bom primeiro passo, mas o médico precisa dizer: “Isso aqui é importante, vamos usar.” 

Treinamentos para médicos não precisam ser longos para fazer diferença. Um workshop de algumas horas, com feedback prático (como gravar consultas e analisá-las depois), já pode melhorar significativamente a comunicação. 

Tecnologia pode ajudar, mas não substitui o diálogo. Alguns estudos usaram prontuários eletrônicos para destacar as preocupações do paciente antes da consulta. Isso agiliza o processo, mas não dispensa a conversa olho no olho. 

Precisamos incluir mais vozes. Futuras intervenções devem envolver cuidadores e considerar diferenças culturais. Uma lista de perguntas que funciona para um paciente branco nos EUA pode não fazer sentido para um imigrante ou alguém com baixa escolaridade. 

O que ainda falta responder? 

Apesar dos avanços, o artigo deixa claro que ainda há perguntas sem resposta: 

  • Por que algumas intervenções melhoram a comunicação, mas não o bem-estar emocional do paciente? 
  • Como adaptar essas estratégias para culturas não ocidentais ou populações vulneráveis? 
  • Qual é o “ingrediente secreto” que faz uma intervenção funcionar? (Será o treinamento do médico? O empoderamento do paciente? A combinação dos dois?) 

Conclusão 

Este estudo reforça uma ideia poderosa: comunicação em oncologia não é um monólogo, mas uma conversa. E para que essa conversa seja boa, ambos os lados precisam de apoio. 

Não basta treinar médicos ou dar folhetos para pacientes. É preciso criar condições para que o diálogo aconteça de verdade – com espaço para perguntas, empatia e, acima de tudo, escuta. 

Os resultados sugerem que mudanças relativamente simples (como listas de perguntas + um incentivo do médico) já podem fazer diferença. Mas também mostram que ainda há muito a ser explorado, especialmente em como tornar essas intervenções acessíveis a todos, independentemente de raça, idade ou contexto cultural. 

No fim das contas, o artigo não fala apenas de técnicas de comunicação. Fala de humanização. E isso, em meio a uma doença tão desafiadora como o câncer, pode ser a diferença entre um tratamento sofrido e uma jornada – ainda que difícil – feita com dignidade e respeito. 

 

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Referências bibliográficas

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