Quem trata melanoma avançado precisa decidir rápido a primeira linha de tratamento. Em muitos serviços, o passo básico é testar BRAF para saber se cabe terapia-alvo (BRAF/MEK) ou seguir direto com imunoterapia (anti–PD-1, com ou sem combinação). Só que, hoje, é possível pedir um painel multigênico que, além de BRAF, pesquisa várias outras alterações (NRAS, KIT, NF1, NTRK etc.). A promessa é simples de entender: encontrar mais caminhos terapêuticos, indicar ensaios clínicos e, com isso, prolongar a vida. O ponto cego sempre foi o mesmo: isso funciona no mundo real? E a conta fecha para o sistema de saúde?
Um estudo canadense, feito com dados populacionais de British Columbia, aborda exatamente essa dúvida. Ele compara, na vida como ela é, testar só BRAF versus fazer o painel e mede duas coisas que importam para qualquer gestor e para quem atende na ponta: sobrevida e custo-efetividade. A conclusão antecipa o tom da nossa conversa: o painel ajuda quando chega a tempo e muda a primeira linha de tratamento; se vira “exame de prateleira” sem impacto na conduta, o benefício se dilui e o custo pesa.
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Desenho metodológico
Os autores fizeram uma emulação de ensaio clínico usando dados de mundo real. Eles reuniram 364 adultos com melanoma avançado que, entre 2016 e 2018, fizeram painel ou teste de BRAF. Para evitar comparar “maçã com banana”, usaram uma técnica de pareamento que monta duplas semelhantes (idade, estágio, comorbidades, perfil tumoral), como se fosse uma “quase randomização”. O resultado foram 147 pacientes em cada grupo com características equilibradas.
Duas análises foram planejadas:
– Intenção de tratar (ITT): mede o efeito de designar uma estratégia de teste (painel vs BRAF), independentemente de como foi usada depois. Essa visão responde à pergunta do gestor: “se eu institucionalizar o painel, o que acontece em média com meus pacientes?”
– Per-protocolo (PP): foca no cenário mais “clínico”: considera principalmente quem iniciou o tratamento até 90 dias após sair o resultado, ou seja, quando o teste de fato entrou na decisão da primeira linha. Quem não iniciou até essa janela foi censurado, para não misturar casos em que o painel não teve chance de mudar a conduta.
Além da efetividade, o estudo calculou custos do ponto de vista do pagador público (consultas, internações, medicamentos oncológicos e não oncológicos), todos atualizados para 2021. Para você ter a ordem de grandeza: o painel custava cerca de CAD 1.200 e o BRAF isolado, CAD 250. Com esses dados, os autores estimaram se o painel é custo-efetivo em limiares típicos de decisão (CAD 50 mil e CAD 100 mil por ano de vida ganho).
Em português claro: a metodologia tentou imitar o que um ensaio faria (grupos comparáveis), olhou a vida (sobrevida em ttrês anos) e a conta (custos totais), e ainda separou o cenário em que o painel influencia a primeira linha daquele em que ele não chega a tempo.
Depois do pareamento, analisaram-se 294 pessoas (147 em cada estratégia). Para a análise per-protocolo, que exige início de tratamento até 90 dias após o laudo, ficaram 78 no grupo painel e 73 no grupo BRAF. Um achado que dá segurança à comparação: a proporção de tumores BRAF-mutados foi praticamente a mesma (cerca de 37% em ambos) e o uso de terapias também ficou parecido (BRAF/MEK quando havia mutação; anti-PD-1 quando não havia). Ou seja, não estamos comparando populações diferentes ou “privilegiando” um grupo com acesso melhor às drogas. É a rotina real do consultório, com decisões tomadas com base no teste disponível.
Resultados
Sobrevida global (OS)
No cenário ITT, a curva de sobrevida favoreceu o painel, mas a diferença não atingiu significância estatística. Em termos práticos: oferecer painel a todos tende a ajudar, porém a média sofre quando o resultado não muda a primeira conduta (porque chegou tarde ou não foi usado).
No per-protocolo, quando o painel entrou na decisão dentro de 90 dias, o quadro mudou de figura: houve redução de cerca de 44% no risco de morte em três anos para quem fez painel em comparação com quem ficou só no BRAF. Convertendo para algo mais fácil de entender, isso se traduziu em ganho médio de aproximadamente 0,6 ano de vida no período observado. A leitura clínica é direta: o painel vale quando guiar a escolha da primeira linha (usar terapia-alvo não-BRAF, indicar um estudo de fármaco de mutação rara, refinar a estratégia de imunoterapia). Se ele não for usado na primeira decisão, o benefício se perde.
Custos e custo-efetividade
No ITT, a chance do paine ser custo-efetivo ficou no limite quando se aceita pagar CAD 100 mil por ano de vida ganho (probabilidade em torno de 50%). Já no per-protocolo, onde a sobrevida melhora de fato, a chance de custo-efetividade sobe (cerca de 65% no mesmo limiar). Em parte das simulações, essa probabilidade passa de 80% quando se considera cenários em que o serviço não inicia tratamento antes de sair o laudo, porque, nessas condições, o teste sempre tem chance de orientar a linha inicial de tratamento.
Um detalhe: o maior pedaço do gasto em ambos os grupos foi com terapia sistêmica (como era de se esperar). As diferenças de custos não oncológicos (hospitalizações ligeiramente maiores no grupo painel) podem refletir complexidade clínica e não necessariamente serem “culpa” do teste. O recado para o gestor é que a viabilidade econômica depende do preço local do painel, do acesso a terapias e da velocidade do laboratório. Onde o teste é mais barato e o resultado chega rápido, a balança tende a pender a favor do painel.
Considerações e mensagem prática
1) O painel vale a pena quando muda a linha inicial de tratamento. Se o resultado chega a tempo e orienta o início do tratamento, há mais vida. Se vira só um PDF esquecido na pasta do paciente, o ganho evapora. Organização de fluxo é parte do tratamento.
2) Logística conta tanto quanto a droga. Combine com patologia e laboratório: coleta adequada, envio imediato e prazo curto de laudo. Pense em 90 dias como janela entre resultado e início da terapia. Crie rotinas para discutir casos em tumor board molecular com data de decisão marcada.
3) Painel não substitui o básico. Anti-PD-1 e BRAF/MEK continuam sendo os pilares. O painel expande opções (alvos raros, elegibilidade para estudos, prognóstico mais fino), mas não anula o que já funciona.
4) Ajuste à sua realidade. Em sistemas onde o painel é caro e o laudo demora, a custo-efetividade cai. Onde o teste é mais acessível e a equipe usa o resultado para decidir rápido, a conta fecha melhor. Discuta isso com a gestão: talvez o primeiro investimento precise ser acelerar o fluxogama de atendimento e resultado de exames antes de “universalizar” o painel.
Em suma: o painel multigênico faz diferença quando vira decisão oportuna e, aí, pode prolongar a vida com custo-efetividade plausível. O ganho mora menos no número de mutações achadas e mais na organização do serviço para transformar o laudo em tratamento certo, na hora certa.
Autoria

Gabriel Madeira Werberich
Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.
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