Fatores hereditários são parte importante do desenvolvimento de vários cânceres. A identificação de predisposição germinativa, através de teste genético, pode ter implicações relevantes na tomada de decisão de tratamentos, intervenções redutoras de risco, no rastreamento dos diferentes tipos de câncer e na testagem de familiares.
Um novo estudo publicado no JAMA Oncology descobriu que 1 em cada 8 pacientes com câncer tem uma mutação genética associada ao câncer hereditário. O objetivo era examinar a prevalência de variantes germinativas patogênicas (VGPs) em pacientes com diagnóstico de câncer, usando uma testagem generalizada e comparar com diretrizes clínicas habituais para testagem e também a aderência do teste genético por parte de familiares.
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Método do estudo
O estudo INTERCEPT (Interrogating Cancer Etiology Using Proactive Genetic Testing) foi prospectivo, multicêntrico (vários centros da Mayo Clinic) e incluiu pacientes entre 01/2018 e 03/2020. Pacientes não foram selecionados por tipo de câncer, estadiamento, história familiar, idade ou etnia. Os pacientes receberam o teste da InvitaeÔ, um painel de > 80 genes para cerca de 3.000 pacientes com um amplo espectro de tipos de tumores sólidos. Este teste (comercialmente disponível) custa cerca de 250 dólares americanos e já é indicado por muitos oncologistas brasileiros, que enviam kits após coleta de saliva com uma logística acessível a um custo adicional.
A mediana de idade era de 61 anos, sendo 53% homens. VGPs foram encontradas em 397 (13%) pacientes, incluindo 282 casos com genes de moderada ou alta penetrância. Variantes de Significado Incerto (VSIs) foram encontradas em 1.415 pacientes, cerca de 47% do total. Para aqueles com genes de alta penetrância, 42 (28%) tiveram modificações no seu tratamento baseado nestes achados. Apenas 70 pacientes (17,6%) daqueles portadores de VGPs tiveram familiares que aderiram à testagem “em cascata” apesar de não haver custo para os mesmos.
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Diretrizes para testagem são importantes, mas o fato é que nesta coorte, metade dos pacientes com mutações hereditárias não seriam considerados para testagem pelo NCCN (48% para ser mais preciso).
O estudo INTERCEPT também descobriu que há que se aumentar a recomendação para testagem dos familiares, pois mais de 80% das famílias com uma mutação patogênica não tiveram acesso ao teste genético.
Limitações e conclusão
O alto índice de VSIs pode ser uma limitação do estudo, pois frequentemente essas variantes não verdadeiramente patogênicas podem induzir a incorreta interpretação dos resultados, gerando procedimentos invasivos desnecessários e cirurgias profiláticas inapropriadas e com alta morbidade. A falta de um seguimento de longo prazo para avaliarmos o impacto na morbimortalidade após as terapias indicadas é outra limitação do INTERCEPT. Uma vez portador de uma VGP, é fundamental não “terceirizar” ao paciente a tarefa de fazer o convencimento e o aconselhamento de seus familiares, isso é tarefa do onco-geneticista! Apesar da Mayo Clinic ter centros em diferentes estados americanos, essa população pode não refletir a de outras partes dos EUA e do mundo.
Apesar das limitações, o estudo apoia a testagem germinativa para todos os pacientes (ou pelo menos uma ampliação da testagem), com o objetivo de melhor orientar o tratamento e porque não dizer, o cuidado da saúde de seus familiares.
Pode ser uma oportunidade única para “mudar a história” de muitas pessoas. Os testes genéticos são subutilizados no cuidado desses pacientes e de seus familiares. Pensemos nisso.
Referências bibliográficas:
- Jewel Samadder NJ, Riegert-Johnson D, Boardman L, et al. Comparison of Universal Genetic Testing vs Guideline-Directed Targeted Testing for Patients With Hereditary Cancer Syndrome; JAMA Oncol. doi:10.1001/jamaoncol.2020.6252 Published online October 30, 2020.
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