Tudo que você precisa saber sobre Terapia Nutricional
A subespecialidade que lida com as situações mais complexas nas quais os nutrientes devem ser ofertados a pacientes em risco é a Terapia Nutricional.
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Você já deve ter ouvido falar em Terapia Nutricional e provavelmente gostaria de saber mais, mas talvez não tenha sido apresentado devidamente. Eu gostaria, então, de te apresentar o que é esta especialidade fascinante e que está presente em todas as áreas da assistência, seja no consultório, em casa ou no hospital.
O conhecimento médico pode ser organizado de diferentes maneiras dependendo da lente através da qual enxergamos a medicina, o paciente e sua doença. Se, por exemplo, estudamos pacientes com doenças que acometem um órgão especifico, estamos no terreno de especialidades como a Cardiologia, Pneumologia ou Dermatologia.
Quando estudamos uma doença que acomete um sistema – ou seja, um todo funcional, sem estrutura anatômica – temos especialidades como a Hematologia. Se, por outro lado, nossa lente enxerga as doenças de determinada fase da vida, temos a Pediatria (estudo criança), a Ginecologia/Obstetrícia (estudo da mulher e da gestante) e a Geriatria (estudo do idoso).
Ao considerarmos a doença em uma perspectiva do número de pacientes, temos a Medicina Interna de um lado, que trata do indivíduo, e do outro a Medicina da Saúde Pública, aquela que trata de muitos. Ainda, quando analisamos a doença causada por um agente externo: quando este é um trauma ou uma força física temos a Traumatologia e a Medicina de Emergência; agente externo é um micro-organismo, temos a infectologia. Quando esse agente externo é um nutriente, adentramos no campo da Nutrologia e da Nutrição Clínica.
Neste campo, a subespecialidade que lida com as situações mais complexas nas quais os nutrientes devem ser ofertados a pacientes em risco é a Terapia Nutricional.
E por que é uma especialidade tão fascinante?
Porque ela lida com um aspecto dos seres vivos e, mais especificamente de nossos pacientes, que é indissociável do próprio fenômeno da vida:
O equilíbrio energético em um ser vivo é um processo dinâmico, situado entre a disponibilidade de substratos e as necessidades endógenas.
Seja qual for a situação em que o organismo se encontre, seja saudável, seja doente, a tensão entre esses dois vetores estará presente.
Ela estará presente…
…no indivíduo em repouso, sem qualquer tipo de stress ou desafio;
…no animal sob um tipo especial de regime, como por exemplo uma ave migratória, ou outro animal privado de determinado alimento em uma época do ano;
…nos animais sob stress agudo, como no caso de um ferimento com perda de sangue, ou em um paciente na fase mais aguda de sua doença;
…nas situações em que as reservar do organismo foram completamente desafiadas e, agora, se encontram no limite de esgotamento, ponto no qual o organismo passa a consumir seus próprios componentes estruturais e funcionais.
Princípio 1
O equilíbrio energético e um processo dinâmico, situado entre a disponibilidade de substratos e necessidades endógenas.
Estes diferentes exemplos ilustram processos existentes nos seres vivos complexos. Isto não é teoria pura! Estes exemplo estão presentes diariamente a nossa volta, nas enfermarias, nos consultórios ou nas alas dos hospitais. Se não, vejamos:
Em cada uma das situações acima temos um indivíduo com seu equilíbrio energético desequilibrado, no qual o uso do nutriente, seja ele endógeno ou exógeno, participa.
Quer dizer, então, que o uso de um nutriente está relacionado à doença ou estado clínico?
Sem dúvida! Indivíduos saudáveis ou pacientes com doenças de baixa gravidade têm preservadas sua eficiência para armazenamento de calorias. Se pensarmos bem, o homem primitivo não tinha abundância de alimentos. Foi a seleção natural que nos “deu” organismos com alta eficiência para armazenamento de calorias na forma de gordura, afinal de contas, ele não poderia saber quando seria sua próxima caçada bem sucedida.
Em nossa época, porém, a abundância de alimentos passa a ser um fator importante para a verdadeira epidemia de obesidade. O que quero dizer com isso é que pacientes mais estáveis não precisam recorrer as reservas endógenas, e aquele equilíbrio energético tratado no inicio pode ser em grande parte regulado pela oferta de macronutrientes.
Princípio 2
Os substratos disponíveis nas situações de adaptação ao stress são de origem:
No outro extremo, quando consideramos pacientes mais graves, a bússola metabólica volta-se para o recrutamento de substratos endógenos, a ponto do organismo estar focado na disponibilização das próprias reservas. Em Fisiologia, você já deve ter ouvido falar que situações de trauma orgânico desencadeiam uma série de respostas de ordem endocrinológica, metabólica e imunológica. Entre outras finalidades, a lógica do organismo que luta pela sobrevivência é valer-se de recursos energéticos que estejam imediatamente disponíveis. E nada mais óbvio do que recorrer aos nutrientes mais biocompatíveis neste momento: o próprio substrato endógeno.
Um exemplo disso é, por exemplo a geração de glicose endógena, que pode ser muitas vezes até mesmo excessiva, e atingir 30og de glicose/dia de fonte endógena, sendo esta proveniente de glicerol vindo do tecido adiposo, aminoácidos proveniente dos músculos e lactato.
Para fins didáticos, podemos aceitar provisoriamente que:
Em termo de uso de substratos, quanto mais grave um paciente, maior a importância da utilização das reservas endógenas e, quanto mais estável ou equilibrado o organismo estiver, maior a importância da oferta exógena.
É como se o organismo selecionasse, então, o tipo de combustível a ser utilizado?
Se tudo fosse uma questão de combustível, as coisas seriam mais fáceis – e menos interessantes. Nunca é demais lembrar que, além da função energética, os macro (proteínas, açúcares e gorduras) e micronutrientes (vitaminas e oligoelementos) estão envolvidos em outras funções vitais, tais como:
Como os profissionais atuam em um universo com tantas variáveis?
Está vendo como a Terapia Nutricional é complexa? Vai piorar.
Vai piorar porque, além de toda discussão entre adequação da oferta de macronutrientes para determinado momento clinico, devemos considerar ainda os modos de administração desta terapia para cada tipo de paciente. A terapia nutricional pode ser administrada de 4 modos diversos: por via oral (Terapia Nutricional Oral), por via de cateteres enterais (Terapia Nutricional Enteral), por via venosa ou parenteral (Terapia Nutricional Parenteral) e pela combinação destas estratégias, uma vez que não são necessariamente excludentes.
Princípio 3
A administração por ser feita por três vias diferentes:
Cada uma dessas modalidades requer uma condição mínima para uso. A oferta de fórmulas orais especializadas requer do paciente, além de um tubo digestivo funcionante, certo grau de independência motora-cognitiva, para que a deglutição se dê sem riscos. A oferta por via enteral já não depende do componente motor nem do cognitivo: a alimentação é administrada diretamente no tubo digestivo através de cateter. A alimentação parenteral, por sua vez, é a modalidade a ser considerada para as situações de insuficiência parcial ou completa do tubo digestivo.
Quer ver outra coisa interessante? O modo como administramos os macronutrientes é outra variável importante a ser considerada. As modalidades de uso total ou parcial do tubo digestivo são sempre prioritárias, haja visto que o estímulo do alimento, mesmo que em quantidade menor que a necessária, é capaz de manter a estrutura da mucosa intestinal e preservar-lhe sua função, de conferir algum equilíbrio a composição da microbiota intestinal e de modular a inflamação sistêmica.
Já nas modalidades de nutrição parenteral – muitas vezes a única possibilidade de nutrir um paciente complexo – estamos diante de uma intervenção que facilita a inflamação sistêmica e altera estrutura e função do binômio tubo digestivo & microbioma.
E como essas modalidades – enteral e/ou parenteral – são utilizadas no dia a dia?
As fórmulas alimentares são misturas de moléculas de macro e micronutrientes, água e eletrólitos. Em termos de complexidade e a solução mais complexa administrada dentro de um hospital. Acompanhe o exemplo a seguir:
Ao infundir um antibiótico, temos uma solução simples, composto por um tipo de moléculas e seu solvente, bem diferente da composição mista da solução alimentar. Como o medicamento, a oferta de nutrientes deve ser feita segundo uma dosagem certa, em um momento certo: há uma necessidade hídrica, calórica e proteica individualizada, além da necessidade específica de micronutrientes, fibras e de nutrientes especiais.
Diferentemente do antibiótico, que trata um agente específico, a Terapia Nutricional Enteral e Parenteral tem como alvo o metabolismo do paciente e a utilização de substratos. Como qualquer outra modalidade de suporte, diariamente temos que responder, na beira do leito, a perguntas como:
Já deu para ver que a Terapia Nutricional é mais do que instalar dietas nos pacientes, não?
Mas existem tantos pacientes que precisam desta sofisticação toda?
Muito mais do que se pode imaginar. Em média 40% dos pacientes internados neste momento em hospitais terciários apresentam risco nutricional moderado a grave. Esta situação torna qualquer desfecho clínico pior: internações mais demoradas, maior número de complicações, maior gravidade a cada complicação e maiores custos totais. Pacientes em risco nutricional tem sua reabilitação comprometida e demoram mais para recuperarem função e retornares a suas atividades, correndo inclusive o risco de retornar ao hospital no curto prazo, após a alta hospitalar.
Estudos da década de 90 mostram que para cada dólar americano investiu em terapia nutricional, economiza-se algo em torno de 3 a 4 dólares em custos envolvidos a complicações de nossos pacientes.
E quem e o profissional ou quais são as disciplinas envolvidas nesse cuidado tao especializado?
A equipe à frente desses processos de alta complexidade é composta de profissionais especializados. São médicos, nutricionistas, enfermeiros e farmacêuticos, com formação especial e que constituem as chamadas Equipes Multidisciplinares de Terapia Nutricional, as EMTN’s, que você já pode ter ouvido falar. Agimos em várias frentes, desde a identificação dos pacientes em risco, prescrição, acompanhamento e monitorização, treinamento e capacitação e gestão da qualidade.
As EMTNs são tão importantes dentro de um hospital que são previstas por lei. Todo hospital deve ter sua EMTN para melhor cuidado de seus pacientes e gerenciamento de seus processos. É um campo de grandes oportunidades de crescimento profissional e pessoal.
Princípio 4
O agente de Terapia Nutricional é a EMTN.
É uma área de conhecimento bem demarcada. Aproveite o especialista. Capacite-se.
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