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Nutrologia1 junho 2022

Recomendações dietéticas para a síndrome pós-covid-19

Evidências científicas recentes apontam para a importância dos cuidados no estado nutricional dos pacientes na síndrome pós-covid-19.

O início súbito da propagação do SARS-CoV-2 causou desafios nos cuidados médicos em todo o mundo, e evidências científicas recentes incluem os cuidados do estado nutricional na evolução dessa doença.

Um estudo longitudinal, realizado na França com 403 pacientes, verificou que, entre os pacientes hospitalizados que sobreviveram à COVID-19, 67% apresentaram subnutrição, que persistiu em 41% após a alta hospitalar. Além disso, estudos mostram que a obesidade e suas complicações, ou seja, síndrome metabólica, resistência à insulina e diabetes tipo 2, são significativamente associadas à maior suscetibilidade e gravidade da infecção por esse vírus.

Após a infecção pelo coronavírus, pesquisas indicam que tanto a função física, quanto a forma física, podem se deteriorar por até dois anos após a doença. Nesse sentido, muitos estudos relatam que os pacientes podem apresentar sintomas que persistem por semanas após o quadro agudo. Surge assim uma condição conhecida por síndrome pós-covid.

A síndrome pós-covid

A síndrome pós-covid-19 é definida pela persistência de sinais e sintomas, que se desenvolvem durante ou após uma infecção consistente com covid-19, e que continuam por mais de 12 semanas, não sendo explicados por um diagnóstico alternativo. Especificamente, caracteriza-se por uma combinação de sintomas, principalmente fadiga e distúrbios do sono, além de quadros de dispneia, artralgia, ansiedade, humor deprimido, disfunção cognitiva, e perda de cabelo, entre outros.

O COVID e a perda muscular

Sobre os efeitos específicos nas questões nutricionais, a síndrome pós-covid-19 é reconhecida pela subnutrição, perda de massa muscular e inflamação. Pode-se dizer que a infecção por SARS-CoV-2 é responsável por aumentar o catabolismo muscular, ocasionando perdas musculares graves e consequentemente subnutrição. Essa situação pode ser mais intensa durante quadros graves com necessidade de hospitalização.

De fato, a significativa inflamação sistêmica provoca efeitos negativos na síntese de proteína muscular, além de aumento da demanda nutricional, que é ainda mais difícil de ser atendida, devido à perda de apetite, paladar e olfato. Além disso, a recuperação pode ser complicada por sintomas persistentes como a disfagia, particularmente em pacientes que foram submetidos a intubação orotraqueal.

Nutrição na reabilitação dos sobreviventes

No início da pandemia do covid-19, as atenções estavam voltadas para conter a propagação do vírus e evitar o contágio. Agora, fica evidente que o foco também deve estar na recuperação do estado de saúde dos sobreviventes da covid-19. O manejo nutricional é um componente chave que precisa ser abordado.

Uma recente revisão reuniu as evidências disponíveis sobre o papel dos nutrientes e sua suplementação nas principais características relacionadas à síndrome pós-covid-19, com o intuito de fornecer uma diretriz a ser usada na prática clínica.

Primeiramente, é fundamental destacar que a literatura enfatiza a importância da avaliação nutricional para todos os pacientes com covid-19. Isso inclui principalmente investigação de subnutrição, sarcopenia e possíveis fatores que afetam o consumo alimentar, dentre eles a anorexia, ageusia e disgeusia. Considerando que a síndrome pós-covid-19 é mais frequente em pacientes com nutrição inadequada, a contribuição do nutricionista é essencial para realizar uma avaliação completa, auxiliando no diagnóstico nutricional preciso.

Alguns pacientes com síndrome pós-covid-19 podem necessitar de nutrição enteral ou parenteral, enquanto outros precisarão de aconselhamento nutricional qualificado para reverter a subnutrição e/ou tratar comorbidades preexistentes. Portanto, o objetivo da terapia nutricional na síndrome pós-covid-19 deve se concentrar na correção das carências nutricionais para apoiar uma recuperação adequada.

Ingestão Energética na COVID

A maioria dos indivíduos experimentou uma redução de peso não intencional durante a infecção por covid-19, devido ao aumento da inflamação e perda de apetite ligada a alterações de paladar, olfato e distúrbios de deglutição. Além disso, há relatos de pacientes que apresentam saciedade e plenitude precoces após comer e beber.

As necessidades energéticas para pacientes com síndrome pós-covid-19 irão depender do seu estado nutricional atual. Contudo, como a prevalência de subnutrição é alta na síndrome pós-covid-19, muitas vezes será importante corrigir o desequilíbrio entre o gasto energético e a ingestão energética.

Para isso, algumas estratégias práticas podem ser orientadas aos pacientes, como: consumir refeições menores e mais frequentes (seis a oito refeições/dia, lanches a cada 2 a 3 horas); consumir líquidos fora das refeições para evitar a saciedade precoce; e limitar alimentos ou bebidas rotulados como “light”, “baixo teor de gordura” ou “baixo teor calórico”. Suplementos nutricionais orais de baixo volume e prontos para beber também podem ser considerados para aumentar a ingestão calórica.

Por outro lado, evidências mostram que pacientes com sobrepeso ou obesidade apresentam maior risco de piores desfechos após infecções agudas e são mais propensos a desenvolver infecções virais. Nesse caso, a perda de peso é defendida em pacientes com síndrome pós-covid-19 para prevenir futuras infecções virais e reduzir a inflamação subclínica ligada à obesidade.

Qual a necessidade de Macronutrientes na síndrome pós-covid?

A ingestão proteica deve ser maior em pacientes com síndrome pós-covid-19 para melhorar a sarcopenia e evitar maior perda de massa muscular. Recomenda-se que os pacientes incluam proteínas de bom valor biológico, tanto de origem vegetal quanto animal, e que consumam uma fonte de proteína em cada refeição.

Indica-se a ingestão de 15-30 g de proteína por refeição, dependendo do peso corporal, para garantir a ingestão de todos os aminoácidos essenciais que podem exercer um efeito anti-inflamatório. Em termos de alimentos, essa recomendação poderia ser atingida, por exemplo, com o consumo de: 80 g de filé de frango grelhado (25 gramas de proteína); combinação de arroz e feijão na proporção de 2:1, por exemplo, 4 colheres de sopa de arroz (2,1 g de proteína) com 1 concha de feijão (3,7 g de proteína); 1 unidade de ovo cozido (6,5 g de proteína); 1 unidade de iogurte natural de 170 mL (6,8 g de proteína); 1 colher de sopa de aveia (1,8 g de proteína), dentre outros alimentos.

Quanto à ingestão de gorduras, deve-se aconselhar a ingestão diária de 1,5 a 3 g/dia de ácidos graxos ômega-3 para melhorar a inflamação. Curiosamente, foi demonstrado que esses ácidos graxos poderiam inibir a replicação de vírus envelopados, como o covid-19, possivelmente reduzindo o risco de novas infecções. Além disso, o consumo de azeite extra-virgem deve ser aumentado para proporcionar a ingestão adequada de ácidos graxos monoinsaturados, tocoferois e polifenóis, que demonstraram propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes.

Finalmente, a ingestão total de carboidratos não é uma grande preocupação em pacientes com síndrome pós-covid-19. No entanto, deve-se recomendar o aumento na ingestão de fibras solúveis e fermentáveis, ou seja, β glucana e arabinoxilanos presentes em grãos integrais, pectinas de frutas, vegetais e leguminosas, em virtude de seu efeito probiótico sobre as bactérias produtoras de butirato, o qual tem sido associado à redução da inflamação.

Papel dos Micronutrientes no COVID

Um estudo piloto avaliou o status de micronutrientes em pacientes hospitalizados por covid-19 e demonstrou a presença de deficiência, particularmente para a vitamina D (76%).

O papel da vitamina D na redução de infecções é realizado através de vários mecanismos. Estes incluem, especificamente relacionados à infecção por covid-19, a redução das concentrações de citocinas pró-inflamatórias e o aumento dos níveis de enzima conversora de angiotensina 2. Estudos mostram que uma baixa concentração sérica dessa vitamina é associada com desfechos como doença cardíaca coronária, acidente vascular cerebral e maior risco de mortalidade por todas as causas.

Em um estudo de coorte, publicado em 2022, observou-se que as concentrações séricas de 25-hidroxivitamina D foram associadas inversamente com hospitalização e mortalidade, em uma amostra de 4.599 pacientes com SARS CoV-2. Logo, considerando o impacto dos níveis de vitamina D em diversas condições de saúde, o prognóstico dos pacientes com covid-19 que apresentam deficiência dessa vitamina seria pior do que aqueles que não têm tal deficiência.

Portanto, em casos de deficiência desse micronutriente, aconselha-se a suplementação pelo menos uma vez ao dia. Recomendações nutricionais internacionais sugerem atenção à ingestão de vitamina D (400 UI), particularmente em pacientes com menor exposição à luz solar, ou seja, em casos de confinamento prolongado ou hospitalização.

Avaliação da Hidratação dos pacientes com covid

Uma hidratação adequada também é importante para a recuperação completa de pacientes com síndrome pós-covid-19.  Recomenda-se o consumo diário de 30 mL de líquido/kg de peso corporal atual. Portanto, esses pacientes podem aumentar a ingestão diária de líquidos consumindo água, leite, suco de frutas, caldo, bebidas esportivas, café e chá.

Dieta mediterrânea no COVID

Diante do exposto e da complexidade em conciliar o consumo adequado de todos os nutrientes, muito se discute o papel da dieta mediterrânea como uma estratégia no manejo nutricional desses pacientes.

Estudos observacionais destacaram uma associação entre adesão à dieta mediterrânea e melhores resultados em pacientes com covid-19 em relação à taxa de mortalidade e recuperação, bem como risco de infecção por covid-19 em diferentes populações. Por essa dieta, recomenda-se consumir mais alimentos à base de plantas (frutas, vegetais, grãos integrais e leguminosas), proteínas animais de alta qualidade (peixes, carnes magras, aves, ovos e queijos com baixo teor de gordura), e azeite extra-virgem como principal fonte de gordura. Assim, a dieta mediterrânea é caracterizada por muitos compostos bioativos com atividades antiinflamatórias e antioxidantes, incluindo ácidos graxos monoinsaturados, ômega-3, vitaminas, minerais e fitoquímicos, ou seja, componentes essenciais no tratamento de pacientes com síndrome pós-covid-19.

Conclusão

A avaliação individualizada do estado nutricional pode ajudar a detectar e tratar deficiências nutricionais, melhorando as complicações físicas, mentais e o estado geral de saúde na síndrome pós-covid-19.

Evidências crescentes demonstram que a ingestão dietética, incluindo nutrientes e compostos bioativos, pode modular a inflamação e o sistema imunológico. Portanto, a combinação de diferentes alimentos com essas propriedades em todo um padrão alimentar pode ser utilizada como uma abordagem nutricional útil para pacientes com síndrome pós-covid-19.

Nesse sentido, a dieta mediterrânea pode ser uma estratégia eficaz para atingir esse objetivo e o uso de suplementos deve ser aconselhado em pacientes subnutridos e com carências nutricionais.

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Referências bibliográficas

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