Pacientes com câncer de cabeça e pescoço (CCP) tem maiores fatores de risco para desnutrição devido a abuso de álcool e cigarro ou pela ingesta alimentar inadequada, muitas vezes precipitada por tais vícios. Adicionalmente, desnutrição pode estar presente em 30-50% dos paciente com CCP no momento do diagnóstico devido a sintomas comuns a esse tipo de tumores como: anorexia, disfagia ou odinofagia. O tratamento oncológico pode também contribuir para redução da ingesta nesses paciente por causarem efeitos adversos como xerostomia e mucosite.
Um marcador dessa associação entre câncer e desnutrição é a baixa massa muscular esquelética (característica encontrada na sarcopenia), inclusive podendo ser usado como biomarcador nutricional de prognóstico. O diagnóstico de sarcopenia deve ser considerado quando há baixa força muscular e então deve ser confirmado quanto à massa/ qualidade muscular (observado em exames de imagem como DEXA, BIA, RNM, TC ou USG). Nos casos onde há também baixa performance classifica-se a sarcopenia como grave.
Apesar de vários dos exames de imagens descritos acima não serem utilizados rotineiramente na oncologia, RNM e TC são e há dados de literatura que sugerem correlação entre a medida da área muscular transversal a nível de L3 (em TC abdominal) e o volume muscular total. Desta forma, podendo-se calcular o índice muscular esquelético. Como TC abdominal não é realizada em pacientes com CCP, alguns pesquisadores mostraram uma possível correlação entre o índice muscular de C3 (na TC de cervical) com esse índice em L3 sugerindo ser uma possível ferramenta para diagnóstico de sarcopenia nessa população, mas ainda com uso limitado devido a variabilidade anatômica. Entretanto não deveria ser usada em paciente com CCP localmente avançado, com invasão linfonodal extensa ou com histórico de extrema rececção muscular. A revisão sugere ainda que RNM poderia ser utilizada para o mesmo fim e de forma confiável quando TC não disponível. A perspectiva de uma análise de composição corporal 3D ou com uso de inteligência artificial pode ser promissora para o futuro.
A baixa massa muscular esquelética e a sarcopenia estão associadas a pior prognóstico com dados da literatura associando a menores taxas de sobrevida, menor taxa livre de doença, além de pior prognóstico após radioterapia (RT) ou após cirurgia. A sarcopenia também é preditor de toxicidade a quimioterapia (QT) – cisplatina – na medida que pode levar a limitação da dose da QT por toxicidade (seja tendo que reduzir a dose em 50%, seja por atrasar o tratamento em 4 dias ou necessidade de trocar o quimioterápico), ou ainda necessidade de interrupção prematura do tratamento quimioterápico por toxicidade. Também pode haver maior interrupção entre as sessões de radioterapia em indivíduos sarcopênicos por piores efeitos colaterais como: mucosite, dermatite, esofagite, xerostomia, infecções e até disfagia, este último levando a um círculo vicioso entre disfagia e sarcopenia.
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Paciente sarcopênicos submetidos a cirurgias para CCP também apresentam piores prognósticos devido a complicações como: fístulas cutâneas, maior tempo de internação hospitalar, maiores taxas de readmissões, maior necessidade de hemotransfusão e infecção no sítio cirúrgico. Além disso, a sarcopenia influencia negativamente a recuperação pós operatória dos pacientes, uma vez que altera o metabolismo proteico e, consequentemente, o estresse cirúrgico. Uma forma de mitigar esse efeito e melhorar a resposta metabólica pós operatório seria identificar precocemente os indivíduos sarcopênicos e aplicar neles intervenção nutricional adequada pré operatória.
Idealmente a intervenção pré operatória deve incluir manejo nutricional, incluindo suplementos hiperproteicos e hipercalóricos, além de atividade física regular (com exercícios aeróbicos e de resistência) e acompanhamento com fonoaudiologia (para treinos de deglutição e fonação) tanto no pré quanto no pós operatório.
Abreviações:
DEXA: dual-energy-X-ray absorptiometry
BIA: bioimpedância elétrica
RNM: ressonância magnética
TC: tomografia computadorizada
USG: ultrossonografia
L3: terceira vértebra lombar
C3: terceira vértebra cervical
Autoria
Letícia Japiassú
Médica endocrinologista com Residência Médica em Clínica Médica pelo Hospital Municipal Souza Aguiar (2008) e especialização pela Associação Brasileira de Nutrologia (2020). Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2006).
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