A trombectomia mecânica (EVT) revolucionou o manejo do acidente vascular cerebral isquêmico causado por oclusões de grandes vasos arteriais, demonstrando superioridade em relação ao tratamento médico convencional, sendo uma das intervenções com um dos melhores NNT (número necessário para tratar) da medicina. Ainda assim, há estimativas de que apenas cerca de 5 a 10% dos pacientes com AVC isquêmico sejam elegíveis para trombectomia mecânica, a depender da infraestrutura hospitalar e dos critérios de seleção adotados.
Estudos na área neurovascular se propõem a avaliar eficácia em estratégias que possam ampliar os critérios de elegibilidade atualmente vigentes. Nessa conjuntura, a New England Journal of Medicine publica dois ensaios clínicos randomizados, ESCAPE-MeVO e DISTAL, que investigam a eficácia de trombectomia mecânica para pacientes com AVC causado por oclusões de médios e pequenos vasos.
Como foram os ensaios clínicos publicados na NEJM?
O estudo ESCAPE-MeVO, elaborado por grupo canadense, foi ensaio clínico multicêntrico, prospectivo, randomizado, que avaliou 530 pacientes com AVC isquêmico devido à oclusão de médios vasos, tratados dentro de 12 horas do início dos sintomas. Os participantes foram divididos entre grupo intervenção (EVT + tratamento padrão) e grupo controle (tratamento padrão apenas). O desfecho primário foi a taxa de independência funcional aos 90 dias, avaliada pela escala de Rankin modificada.
Já o estudo DISTAL, elaborado por grupo europeu, foi ensaio clínico multicêntrico, prospectivo, randomizado, que investigou 543 pacientes com AVC devido à oclusão de vasos médios ou distais, tratados em até 24 horas após o último momento assintomático. O desenho foi similar ao ESCAPE-MeVO, em que os participantes foram divididos entre grupo intervenção (EVT + tratamento padrão) e grupo controle (tratamento padrão apenas). O desfecho primário traçado foi avaliar a distribuição da escala de Rankin aos 90 dias.
Infelizmente, em ambos os estudos os resultados não demonstraram a trombectomia mecânica como um procedimento vantajoso e benéfico comparado ao grupo controle em termos de desfechos funcionais.
No ESCAPE-MeVO trial, 41,6% dos pacientes submetidos ao EVT alcançaram independência funcional aos 90 dias, contra 43,1% no grupo de tratamento convencional (RR ajustado 0,95; IC 95%, 0,79-1,15; p = 0,61). Além disso, a taxa de mortalidade foi maior no grupo intervenção (13,3% vs. 8,4%).
Já no estudo DISTAL foi observado um odds ratio comum de 0,90 (IC 95%, 0,67-1,22; p = 0,50), indicando que o EVT não reduziu significativamente a incapacidade aos 90 dias. A taxa de hemorragia intracraniana sintomática foi maior no grupo EVT (5,9% vs. 2,6%), sugerindo um risco aumentado sem um impacto funcional claro.
Comentários acerca dos resultados desses estudos
Algumas pontuações foram feitas em ambos os ensaios clínicos para justificar seus resultados.
No estudo ESCAPE-MeVO, de antemão, é importante pontuar não ter ocorrido diferença de heterogeneidade entre os grupos intervenção e controle ─ exceto no que cerne ao tempo de início da randomização. Alguns argumentos foram realizados pelos autores para justificar os resultados encontrados.
A trombectomia mecânica apresentou sucesso técnico em aproximadamente um quarto dos pacientes do grupo intervenção com padrão de reperfusão incompleto (pontuação final no MeVO-eTICI de 0 a 2a) na última imagem angiográfica. Ademais, os tempos de fluxo de trabalho no estudo ESCAPE-MeVO foram mais longos (359 minutos) comparados a outros ensaios clínicos que incluíram pacientes com oclusão de grandes vasos (ex. estudo ESCAPE com tempo de 241 minutos), de modo que a trombectomia mecânica pode ter sido realizada tardiamente, em um momento em que o volume de tecido viável já não era grande o suficiente para resultar em melhores desfechos significativos. Uma possível justificativa para esse tempo mais prolongado poderia ser resultante de desafios técnicos no acesso ao vaso ocluído, especialmente em oclusões menores e mais distais.
Outro ponto foi que uma minoria de participantes, isto é, 39/255 (em torno de 15%) do grupo intervenção apresentou recanalização espontânea entre a imagem não invasiva inicial e o primeiro exame de angiografia intracraniana, podendo ser resultante de recanalização associada ao tratamento com trombólise intravenosa.
Apesar da taxa de mortalidade ter sido numericamente maior no grupo EVT (13,3% vs. 8,4%), os autores destacam que esse achado pode estar relacionado a complicações cumulativas, como hemorragia intracraniana sintomática e infecções associadas à sedação.
Já o estudo DISTAL envolveu uma ampla população europeia de pacientes com AVC devido à oclusão de vasos médios ou distais para avaliar a eficácia de trombectomia mecânica dentro de 24 horas após o início dos sintomas que, infelizmente, não apresentou redução em incapacidade em 90 dias após a randomização. Inclusive, para ambos os grupos, a incidência de um desfecho funcional excelente foi semelhante. Ademais, as variáveis de segurança pré-especificadas (ex. mortalidade, eventos adversos graves e hemorragia intracraniana sintomática) não apresentaram diferenças significativas entre os grupos.
Ainda que a incidência de hemorragia intracraniana sintomática tenha sido maior entre os participantes submetidos à EVT, isso não aumentou a porcentagem de pacientes que tiveram deficiência grave ou faleceram.
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As análises de subgrupos no DISTAL sugerem que a ausência de superioridade da EVT não dependeu da gravidade do déficit neurológico basal, do tempo para tratamento, da localização da oclusão ou da administração de trombólise intravenosa. Houve uma taxa de reperfusão bem-sucedida considerada baixa (71,7%, um percentual abaixo das projeções iniciais estimadas pelos autores e abaixo de desfechos encontrados em trials com oclusão de grandes vasos), de forma que possa ter sido um fator determinante para o resultado neutro do estudo. Por fim, o intervalo mediano de 70 minutos entre a realização da imagem e a punção arterial (resultado acima da meta de 60 minutos), apesar dos esforços para garantir a rápida realização da EVT, pode ter sido uma outra explicação para os resultados encontrados.
Mensagem final
Os estudos ESCAPE-MeVO e DISTAL não demonstraram benefício da EVT em pacientes com AVC por oclusão de vasos médios e distais, reforçando que a EVT não deve ser considerada padrão para essa população. Estudos futuros devem focar na identificação de subgrupos específicos que possam se beneficiar, potencialmente por meio de critérios mais rigorosos de imagem ou avanços tecnológicos na abordagem endovascular.
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