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Neurologia31 julho 2025

Tratamento Atualizado para Dor Neuropática: Neuromodulação e mais!

Atualização das melhores terapias farmacológicas e neuromodulação não invasiva para dor neuropática: eficácia, segurança e recomendações.
Por Danielle Calil

A dor neuropática, causada por lesão ou doença do sistema nervoso somatossensorial, impacta profundamente a qualidade de vida e gera uma carga econômica substancial ao indivíduo e à sociedade. Apesar dos avanços, o manejo ainda é um grande desafio, exigindo diagnóstico preciso e uma abordagem individualizada, baseada em evidências robustas de eficácia e segurança.

O Special Interest Group on Neuropathic Pain (NeuPSIG), da International Association for the Study of Pain (IASP), publicou uma das primeiras diretrizes em 2007, com atualização em 2015.

Desde então, novos ensaios clínicos e técnicas de neuromodulação emergiram, assim como dados atualizados sobre segurança de terapias já disponíveis. Neste contexto, a The Lancet Neurology publicou em 2025 uma nova revisão sistemática com meta-análise para atualizar as evidências sobre terapias farmacológicas e técnicas de neuromodulação disponíveis no manejo da dor neuropática, com o objetivo de apoiar decisões clínicas.

dor neuropática

Métodos

Trata-se de uma revisão sistemática e meta-análise abrangente, registrada na PROSPERO e conduzida conforme as diretrizes PRISMA. As buscas foram feitas nas bases PubMed, EMBASE, ClinicalTrials.gov e International Clinical Trials Registry até 12 de fevereiro de 2024.  

Foram incluídos ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos, placebo-controlados, que avaliaram tratamentos farmacológicos e técnicas de neuromodulação não invasiva em pacientes de qualquer idade com dor neuropática definida pela IASP. Apenas ensaios com pelo menos 10 participantes por grupo ao final do tratamento foram incluídos. Ademais, foram incluídas quaisquer intervenções farmacológicas ou de neuromodulação, desde que administradas por pelo menos 3 semanas ou, no caso de administração única, que tivessem pelo menos 3 semanas de acompanhamento.

O desfecho primário de eficácia foi a proporção de respondedores (definida como redução de pelo menos 50% na intensidade de dor basal, alternativamente 30%, ou, no mínimo, alívio moderado da dor). O principal desfecho de segurança foi a taxa de abandono devido a eventos adversos.

Calculou-se a diferença de risco para cada comparação terapêutica e foi realizada uma meta-análise de efeitos aleatórios. As diferenças de risco foram utilizadas para calcular o número necessário para tratar (NNT) e o número necessário para causar dano (NNH) de cada tratamento. O risco de viés foi avaliado utilizando a ferramenta Cochrane Risk of Bias 2, e a certeza das evidências foi avaliada por meio do GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation). As recomendações foram baseadas em evidências de eficácia, ocorrência de eventos adversos, acessibilidade, custo e no retorno de parceiros com experiência vivida envolvidos no processo.

Resultados

A revisão sistemática incluiu um total de 313 estudos elegíveis, somando 284 estudos farmacológicos e 29 de neuromodulação, somando 48.789 participantes adultos. 

Entre as classes mais avaliadas destacaram-se: antidepressivos tricíclicos (TCAs), ligantes α2δ, inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN), opioides e estimulação magnética transcraniana repetitiva (rTMS).

Os principais resultados foram:

▪ TCAs: NNT 4.6 (IC 95% 3.2–7.7), NNH 17.1 (IC 95% 11.4–33.6), nível de ‘certeza moderada’ a partir da avaliação de 21 estudos.

▪ Ligantes α2δ: NNT 8.9 (IC 95% 7.4–11.1), NNH 26.2 (IC 95% 20.4–36.5), nível de ‘certeza moderada’ a partir da avaliação de 76 estudos.

▪ IRSNs: NNT 7.4 (IC 95% 5.6–10.9), NNH 13.9 (IC 95% 10.9–19.0), nível de ‘certeza moderada’ a partir da avaliação de 19 estudos.

▪ Toxina botulínica A: NNT 2.7 (IC 95% 1.8–5.1), NNH 216.3 (IC 95% 23.5–∞), nível de ‘certeza moderada’ a partir da avaliação de 11 estudos.

▪ Capsaicina 8% transdérmico: NNT 13.2 (IC 95% 7.6–50.8), NNH 1129.3 (IC 95% 135.7–∞), nível de ‘certeza moderada’ a partir da avaliação de 9 estudos.

▪ Opioides: NNT 5.9 (IC 95% 4.1–10.7), NNH 15.4 (IC 95% 10.8–24.0), nível de ‘certeza baixa’ a partir da avaliação de 18 estudos.

▪ rTMS: NNT 4.2 (IC 95% 2.3–28.3), NNH 651,6 (IC 95% 34.7–∞), nível de ‘certeza baixa’ a partir da avaliação de 15 estudos.

▪ Lidocaína 5%: NNT 14.5 (IC 95% 7.8–108.2), NNH 178.0 (IC 95% 23.9–∞), nível de ‘certeza muito baixa’ a partir da avaliação de 4 estudos.

Os achados forneceram a base para uma recomendação forte para o uso de antidepressivos tricíclicos (TCAs), ligantes α2δ e SNRIs como tratamentos de primeira linha; uma recomendação fraca para adesivos de capsaicina a 8%, creme de capsaicina e adesivos de lidocaína 5% como segunda linha; e uma recomendação fraca para toxina botulínica A (BTX-A), rTMS e opioides como opções de terceira linha para dor neuropática.

Discussão

Esta revisão sistemática e meta-análise foi, segundo os autores, um dos levantamentos mais abrangentes já realizados sobre tratamentos para dor neuropática. O processo de transformação de evidências em recomendações considerou fatores além da eficácia, como eventos adversos, acessibilidade e custo, e contou com a participação de parceiros com experiência vivida, para alinhar as recomendações às prioridades dos pacientes.

Apesar da inclusão de mais 109 ensaios clínicos randomizados desde 2015, as recomendações mudaram apenas modestamente. O creme de capsaicina, antes classificado como de evidência inconclusiva, agora é recomendado como tratamento de segunda linha, com recomendação fraca. O tramadol, que antes figurava como segunda linha, agora é agrupado aos opioides, passando a ser opção de terceira linha, também com recomendação fraca. Além disso, a rTMS, que não havia sido avaliada em 2015, passou a ser analisada.

Os resultados reforçam a eficácia modesta de muitos tratamentos farmacológicos, possivelmente influenciada pela heterogeneidade dos mecanismos subjacentes e pelos diferentes perfis de pacientes nos ensaios clínicos. Os TCAs, ligantes α2δ e SNRIs mantêm-se como primeira linha, alinhando-se às diretrizes anteriores. As técnicas de neuromodulação, que surgem como alternativas, ainda exigem ensaios controlados por placebo com maior número de participantes, para reduzir incertezas sobre eficácia e segurança a longo prazo. O uso de opioides segue controverso, devido ao risco de dependência e perfil de segurança inferior.

Entre as limitações destacam-se a heterogeneidade clínica entre estudos (populações, intervenções, dosagens), o risco de viés moderado em muitos ensaios e a escassez de estudos com seguimento prolongado. Além disso, grande parte dos estudos não detalhou a classificação diagnóstica da dor neuropática, limitando a generalização dos achados. Assim, os resultados devem ser interpretados com cautela e adaptados ao contexto clínico local, considerando custo, acesso, segurança e preferências dos pacientes.

Mensagem prática

Este amplo levantamento reforça que os antidepressivos tricíclicos, ligantes α2δ e SNRIs permanecem como pilares farmacológicos de primeira linha no manejo da dor neuropática, enquanto opções como toxina botulínica e rTMS podem ser alternativas em casos refratários. A escolha terapêutica deve ser individualizada, ponderando eficácia, efeitos adversos, acesso e preferências do paciente. Pesquisas futuras devem focar em estratégias combinadas e abordagens de longo prazo, para otimizar os desfechos clínicos e ampliar opções baseadas em evidências.

Veja também: Cannabis para dor neuropática

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Referências bibliográficas

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