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Neurologia7 junho 2023

Tirofiban: uma nova terapia para o AVC?

Estudo realizado na China avaliou a intervenção do tirofiban em pacientes com AVC sem oclusão de grandes vasos.

Por Danielle Calil

O acidente vascular cerebral é responsável por 10% das causas de óbito no mundo. Contudo, a distribuição da prevalência dessas mortes é heterogênea, em que 85% dos óbitos ocorrem em países em desenvolvimento. A princípio essa prevalência coincide com dados nacionais publicados em 2005, em que essa condição foi responsável por 10% dos óbitos e 10% de todas as admissões hospitalares.

A terapia de fase aguda do AVC possui restrições em virtude de tempo limitado de janela terapêutica para elegibilidade de trombólise venosa com alteplase e de necessidade de oclusão de grandes vasos para avaliar indicação para trombectomia mecânica. Sendo assim, nem todos os indivíduos acometidos possuem indicações para realização dessas terapias. Um exemplo disso é a China que possui estimativas de que apenas 10% dos pacientes com AVC sejam tratados com alteplase venosa.

Leia também: Acidente vascular cerebral: quais principais fatores de risco modificáveis?

Nesse cenário, iniciar a profilaxia secundária com drogas antiplaquetárias como a aspirina (AAS) é amplamente considerada para manejo e prevenção de novos eventos cerebrovasculares. Recentemente, foi avaliado que pacientes acometidos por ataque isquêmico transitório (AIT) ou AVC minor possuem indicação de profilaxia secundária com terapia dupla antiplaquetária (AAS associado a clopidogrel ou ticagrelar). No entanto, é desconhecido a eficácia e segurança de abordagens duais antiplaquetárias em pacientes com AVC moderado-grave.

A classe de inibidores de receptor de glicoproteína IIb/IIIa geralmente é utilizada no tratamento de pacientes com síndromes coronarianas agudas, podendo, portanto, ser uma droga potencial para inibir a ativação plaquetária de trombo no AVC agudo. Diante disso, o tirofiban — inibidor de receptor de glicoproteína IIb/IIIa de ação rápida, altamente seletivo — permite inibição da ativação plaquetária embora sua curta meia-vida reverta ao tempo de sangramento normal após 3 horas da finalização da administração desse fármaco.

Tirofiban uma nova terapia para o AVC

Novo estudo

Nesse mês, a New England Journal of Medicine publica ensaio clínico multicêntrico realizado na China que pretende avaliar a intervenção dessa droga em pacientes com AVC sem oclusão de grandes vasos.

Métodos

Ensaio clínico multicêntrico, duplo-cego, duplo-dummy, randomizado, conduzido na China.

Foram inclusos pacientes acima de 18 anos em fase aguda de AVC, com escala NIHSS ≥ 5 em que há pontuação sinalizando paresia de pelo menos um membro corporal, com história prévia de bom status funcional. Tais pacientes deveriam se enquadrar em um destas quatro apresentações clínicas: (1) ictus vascular dentro de 24 horas não possuindo elegibilidade para trombólise venosa e ausência de oclusão de grandes vasos cerebrais, (2) piora neurológica (considerando aumento de 2 pontos na escala NIHSS) entre 24-96 horas após ictus vascular e sem indicação de terapias de reperfusão de fase aguda, (3) submetidos à trombólise venosa seguidos por deterioração neurológica precoce nas primeiras 24 horas (definido por aumento de 4 pontos na escala NIHSS) ou (4) tratados com trombólise venosa seguido por ausência de melhora neurológica entre as 4-24 horas após realização dessa terapia (definido através de ausência de redução de 2 pontos na escala NIHSS).

A randomização ocorreu através de razão 1:1 em que foram dicotomizados para o grupo intervenção (tirofiban venoso + placebo oral) e para o grupo placebo (placebo venoso + AAS via oral) em que essas terapias foram administradas por 2 dias e depois ambos os grupos receberam AAS via oral nos próximos 90 dias.

A avaliação de desfecho primário foi considerada um excelente desfecho funcional através dos escores 0 ou 1 na escala de Rankin após 90 dias do ictus vascular. Desfechos secundários envolveram independência funcional em 90 dias e escala de qualidade de vida. O desfecho de segurança foi óbito e hemorragia intracraniana sintomática.

Saiba mais: EM. PED 2023: Diagnóstico diferencial de acidente vascular cerebral em crianças na Emergência Pediátrica

Resultados

Entre outubro de 2020 e junho de 2022, 1.616 pacientes foram submetidos a rastreamento em 117 centros na China, em que 439 não apresentaram os critérios de elegibilidade para o estudo. Assim, um total de 1.177 participantes foram inseridos, sendo 606 inclusos no grupo intervenção e 571 no grupo controle ativo com aspirina. As características dos pacientes no início do ensaio foram similares entre os grupos.

O desfecho primário com escala de Rankin considerada excelente entre 0-1 em 29,1% no grupo tirofiban e 22,2% no grupo com AAS apresentando um risco relativo ajustado de 1,26 (IC95% 1,04-1,53; p = 0,02). Na avaliação de desfechos secundárias, os resultados no geral não apresentaram diferença significativa entre os grupos.

Quanto aos desfechos de segurança, foi encontrado óbito em 3,8% no grupo intervenção e 2,6% no grupo controle embora não representasse significância estatística (p = 0,12). Hemorragia intracraniana sintomática foi encontrada em 1% no grupo intervenção enquanto nenhum participante do grupo controle apresentou essa complicação, apresentando uma significância estatística.

Comentários

Esse ensaio clínico chinês, denominado de RESCUE BT2 trial, demonstrou que o tirofiban venoso foi associado a um melhor desfecho funcional (Rankin entre 0-1) comparado a aspirina em baixa dose. No entanto, a incidência para hemorragia intracraniana, embora baixa, foi maior nesse grupo de intervenção.

Esse ensaio clínico não é o pioneiro a testar a droga tirofiban em pacientes com fase aguda de acidente vascular cerebral. Outros ensaios clínicos, como o SaTIS trial, já haviam pesquisado o tirofiban na população com AVC e, embora tenha sido sugerido segurança, até então não havia demonstrado benefício clínico. O RESCUE BT2 trial, possui diferenças que podem justificar esse contraste de resultados: o seu número amostral foi 5-10 vezes maior comparado a esses outros estudos e a amostra foi composta por pacientes com maior gravidade do AVC.

Uma das limitações importantes de serem descritas é de que a maioria desses acidentes cerebrovasculares eram presumidamente eventos aterotrombóticos, o que limita generalizar os resultados para população com etiologia cardioembólica. Além disso, não foram realizados follow-up de neuroimagem 24-36 horas na ausência de piora neurológica nessa amostra, não apresentando informações sobre transformação hemorrágica assintomática.

Mensagem final

O RESCUE BT2 trial demonstrou que o tirofiban venoso foi associado a um melhor desfecho funcional (Rankin entre 0-1) comparado a aspirina em baixa dose após 90 dias do ictus cerebrovascular. Entretanto, esse grupo apresentou maior incidência para hemorragia intracraniana sintomática.

Apesar desse ensaio clínico apresentar resultados encorajadores para perspectivas futuras do acidente vascular cerebral, ainda há necessidade de realizar outros ensaios clínicos que possam apresentar uma população mais diversificada para possibilitar generalizar esses resultados assim como garantir a avaliação cautelosa de desfecho de segurança menos conflitantes.

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Referências bibliográficas

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