A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença neurológica inflamatória autoimune e neurodegenerativa, afetando diferentes estruturas cerebrais, medula espinhal e nervos ópticos.
Sua relevância clínica está no impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes, gerando diferentes apresentações de sintomas motores, sensitivos, visuais, cognitivos e neuropsiquiátricos.
Sem dúvidas, a EM impõe um desafio significativo para os pacientes acometidos, os médicos no cuidado clínico e o sistemas de saúde como um todo.
Diferentes grupos de especialistas atuam com esforços contínuos para um diagnóstico precoce e manejo terapêutico otimizado, fatores diretamente relacionados com controle da atividade e progressão da doença e suas consequências a longo prazo.
No texto de hoje, abordaremos o artigo “Diagnosis of multiple sclerosis: 2024 revisions of the McDonald criteria” (Lancet Neurology, 2025), publicação de grande impacto para melhorias no diagnóstico da doença e sua condução terapêutica.
Introdução
Os critérios de McDonald vêm sendo atualizados para permitir diagnóstico mais precoce e preciso da esclerose múltipla (EM). Sua última versão de 2017 já havia aumentado a sensibilidade diagnóstica, porém avanços no entendimento de seus biomarcadores e aspectos de imagem motivaram uma nova revisão em 2024.
A revisão foi produzida pelo Comitê Internacional apoiado por ECTRIMS (European Committee for Treatment and Research in Multiple Sclerosis) e NMSS (US National Multiple Sclerosis Society), com ampla representação geográfica e disciplinar. Sua fundamentação se baseou em estudos científicos robustos e em análises de desempenho diagnóstico dos biomarcadores e achados de neuroimagem.
Conceitos iniciais
Disseminação no espaço (DIS)
Se relaciona com a presença de lesões desmielinizantes em diferentes regiões características do sistema nervoso central (SNC), evidenciando que o processo não está restrito a uma única região anatômica.
Os critérios prévios definem a disseminação no espaço quando ocorre a identificação de lesões em pelo menos duas das quatro regiões típicas: Periventricular; Cortical/justacortical, Infratentorial e Medula espinhal.
Essa disseminação pode ser demonstrada por ressonância magnética ou por evidência clínica de surtos distintos em diferentes localizações.
Disseminação no tempo (DIT)
Se relaciona com a evidência de que o processo inflamatório ocorre em momentos distintos, confirmando o caráter recorrente da doença.
Os critérios prévios definem essa disseminação temporal quando observadas novas lesões em RM de seguimento comparativo, assim como a presença de lesões com realce pelo gadolínio concomitante a lesões sem realce (mostrando lesões em diferentes momentos de atividade).
A presença de bandas oligoclonais no líquor também é um marcador dessa disseminação, por indicar inflamação crônica no SNC.
Síndrome radiológica isolada (RIS)
A RIS é definida pela descoberta incidental de lesões típicas de esclerose múltipla em uma RM, estando o paciente sem sintomas clínicos típicos relacionados à desmielinização inflamatória ou achados no exame clínico.
Principais inovações dos critérios 2024
Nervo óptico como 5ª localização para Disseminação no Espaço (DIS)
Além das regiões tradicionais, o nervo óptico passa a contar como sítio para DIS. Isso pode ser demonstrado pelo suporte de ressonância magnética, tomografia de coerência óptica (OCT) e potencial evocado visual (VEP), seguindo critérios objetivos e padrões característicos de alteração.
Disseminação no tempo (DIT) deixa de ser obrigatória
Pelo avanço do suporte complementar, a disseminação no tempo deixa de ser necessária para definição diagnóstica em algumas situações: Presença objetiva de disseminação de doença no espaço, associado com positividade de bandas oligoclonais ou índice kFLC (Cadeia leve livre kappa) no líquor é suficiente para diagnóstico de EM. Tais marcadores evidenciam a presença de neuroinflamação intratecal.
Novidade em biomarcadores com dosagem de kFLC (Cadeia leve livre kappa)
A kFLC se destaca em diferentes aspectos, principalmente em parâmetros de sensibilidade, análise quantitativa e não dependente do operador.
Passa a ser reconhecida como equivalente às bandas oligoclonais (BOC), principalmente com a análise do índice quantitativo.
Importante ressaltar que também pode elevar-se em outras doenças inflamatórias (MOGAD, NMOSD), portanto interpretar no contexto clínico e de imagem.
Sinal da veia central (CVS) e lesões com borda paramagnética (PRL) como marcadores de imagem
O sinal da veia central se correlaciona com parte do processo fisiopatológico da EM, onde as placas desmielinizantes se formam ao redor de vênulas, de forma que tal sinal na RM acrescenta especificidade ao diagnóstico, auxiliando na distinção de possíveis diagnósticos diferenciais como doença cerebrovascular e enxaqueca.
Em um paciente com sintomas clínicos típicos e confirmação complementar de disseminação no espaço, a presença de 6 ou mais lesões com SVC é capaz de definir o diagnóstico de EM.
Da mesma forma, no quadro com lesões típicas em apenas uma região (ou seja, sem necessidade de disseminação no espaço), a presença de 6 ou mais lesões com SVC pode definir o diagnóstico de EM, caso esteja presente disseminação no tempo ou marcadores liquóricos positivos (BOC ou kFLC).
A lesão com borda paramagnética é caracterizada por um núcleo lesional inativo circundado por microglia ativada com depósito de ferro, indicando a presença de atividade crônica da doença.
Em um paciente com sintomas clínicos típicos e com lesões típicas em apenas uma região, a presença de uma ou mais PRLs pode definir o diagnóstico de EM, caso esteja presente disseminação no tempo ou marcadores liquóricos positivos (BOC ou kFLC).
Obs: A detecção é melhor em aparelhos de ressonância com 3T/7T, porém em 1.5T também podem ser visualizadas de acordo com qualidade técnica e sequências otimizadas.
Síndrome radiológica isolada (RIS) e o diagnóstico definitivo de esclerose múltipla
Assim como outras patologias, cada vez mais a definição diagnóstica passa a seguir critérios biológicos além do suporte clínico. Os pacientes com lesões típicas não poderiam ter uma definição diagnóstica de EM na ausência de sintomas clínicos, porém o cenário sofreu mudanças com os avanços complementares.
A RIS pode ser considerada Esclerose Múltipla quando são preenchidos os critérios de disseminação no espaço e a presença de: Disseminação no tempo, marcadores liquóricos positivos ou ≥ 6 lesões com sinal da veia central.
Unificação dos critérios nas diferentes forma clínicas e faixas etárias
A EM iniciada na faixa etária pediátrica é um grande desafio, uma vez que apresenta nuances clínicas significativas e diagnósticos diferenciais particulares.
Os estudos atuais guiam para o mesmo fluxo diagnóstico usado na faixa etária adulta, porém com cautela e indicando forte recomendação de dosagem rotineira de anti-MOG (método CBA) em crianças < 12 anos e em quadros atípicos. Nos pacientes com menos de 18 anos e suspeita clínica de Esclerose Múltipla, a presença de CVS em mais de 50% das lesões corrobora fortemente o diagnóstico. No mesmo sentido, o entendimento clínico e fisiopatológico das formas de EM possibilitam uma unificação de critérios práticos para diagnóstico assertivo.
Embora com nuances significativas, EM remitente-recorrente (EMRR) e EM primariamente progressiva (EMPP) podem seguir a mesma estrutura diagnóstica com ferramentas clínicas e complementares pareadas. Um ponto de destaque é que a determinação de disseminação no espaço na EMPP pode ser definida com duas ou mais lesões na medula espinhal, sem necessidade de outra topografia adicional.
Minimizando erro diagnóstico em pacientes mais velhos e com comorbidades
Os pacientes com idade mais avançada, principalmente com comorbidades e aumento de risco cardiovascular, podem apresentar sintomas clínicos e de imagem sobrepostos à EM, aumentando risco de erro diagnóstico. Nesse sentido, o consenso orienta atenção nos pacientes com ≥50 anos ou com fatores de risco cardiovascular, sendo necessário pelo menos um achado adicional complementar (lesão medular, marcador liquórico positivo ou CVS positivo) para firmar o diagnóstico.
Mensagem prática
A revisão de 2024 dos critérios de McDonald representa uma atualização substancial que busca acelerar o diagnóstico de esclerose múltipla sem sacrificar a especificidade, definindo uma abordagem biológica e multimodal.
As principais inovações incluem: incorporação do nervo óptico como 5ª localização anatômica, aceitação do índice de cadeias livres leves kappa (kFLC) como alternativa às bandas oligoclonais no líquor e a estruturação do sinal da veia central (CVS) e lesões com borda paramagnética (PRL) como marcadores de imagem para aumentar especificidade em casos limítrofes.
Além disso, disseminação no tempo deixou de ser mandatória em situações específicas, e os critérios foram unificados ao longo do espectro etário e das formas clínicas (EMRR e EMPP).
Estas recomendações visam diagnóstico mais precoce, melhor estratificação e redução de erros diagnósticos, especialmente quando aplicadas com critérios de qualidade para aquisição e interpretação dos exames.
A implementação requer padronização de protocolos de imagem e laboratoriais, treinamento e interpretação cautelosa em populações com comorbidades e em crianças.
Em resumo, os critérios facilitam o diagnóstico e propiciam o início precoce de intervenções terapêuticas, evitando incapacidades futuras, mas exigem juízo clínico e infraestrutura adequada para minimizar riscos de erro diagnóstico.
Autoria

Johnatan Felipe Ferreira da Conceicao
Revisor médico do Portal PEBMED. Graduado em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Contato: [email protected] Instagram: @johnatanfelipef
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