A mielopatia associada ao vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1 (HTLV-1), também conhecida como paraparesia espástica tropical (HAM/TSP), é uma condição neuroinflamatória crônica que acomete a medula espinhal, levando à paraparesia progressiva, espasticidade e distúrbios autonômicos urinários.
A fisiopatologia envolve proliferação linfocitária e ativação imune sustentada, algo que gera um grande desafio no tratamento, uma vez que as opções terapêuticas disponíveis são limitadas e frequentemente ineficazes em alterar o curso clínico da doença.
As abordagens terapêuticas atuais incluem o uso de corticosteroides (geralmente início com terapia venosa em pulsoterapia de metilprednisolona, seguindo com prednisona oral em baixa dose) além de imunossupressores, como azatioprina e ciclosporina. Ambos apresentam resultados heterogêneos e risco elevado de efeitos adversos.
A terapia antirretroviral (ex: zidovudina + lamivudina) demonstrou eficácia limitada sobre a carga proviral. Mais recentemente, imunobiológicos, como o mogamulizumabe (anticorpo monoclonal anti-CCR4), mostraram potencial na redução de linfócitos infectados, mas com alto custo e efeitos adversos importantes, além de acesso restrito.
A teriflunomida, agente oral aprovado para o tratamento da esclerose múltipla, atua como imunomodulador ao inibir a enzima diidroorotato desidrogenase, reduzindo a proliferação de linfócitos T e B ativados. Dados in vitro sugerem que a droga também pode reduzir a carga proviral do HTLV-1.
Nesse contexto, o estudo iraniano publicado no Journal of Neurology (2025) é o primeiro ensaio clínico randomizado a avaliar a eficácia e segurança da teriflunomida em pacientes com HAM/TSP.
Métodos
Trata-se de um ensaio clínico randomizado, placebo-controlado, triplo-cego, conduzido em Mashhad, no Irã. Foram incluídos 22 pacientes diagnosticados com HAM/TSP conforme critérios da OMS, com carga proviral positiva para HTLV-1 por PCR. Os participantes foram randomizados (1:1) para receber 14 mg de teriflunomida oral/dia (n=11) ou placebo idêntico (n=11), por 12 meses.
Critérios de inclusão: idade ≥ 18 anos, escore de incapacidade motora (OMDS) < 9, uso de método contraceptivo confiável em idade fértil.
Critérios de exclusão: hepatopatia, nefropatia, imunodeficiência, outras doenças autoimunes, uso prévio de imunossupressores ou gravidez.
Desfechos clínicos avaliados:
- Primário: alteração no tempo do teste de caminhada de 25 pés (T25FW);
- Secundários: escore de incapacidade motora (OMDS), distúrbios urinários (UDS), carga proviral do HTLV-1, níveis séricos de TNF-α, força muscular (escala MRC) e espasticidade (escala de Ashworth).
As avaliações ocorreram em cinco momentos (baseline e a cada 3 meses) ao longo de 1 ano. A análise estatística seguiu o princípio de intenção de tratar.
Resultados
A média de idade foi de 41,6 anos (grupo teriflunomida) e 49,3 anos (grupo placebo), sem diferença significativa. A duração da doença variou entre 8,5 e 12,4 anos.
Desfecho primário: (T25FW)
Após 12 meses, o grupo intervenção apresentou redução significativa de 25,2% no tempo de caminhada (média: –2,7s; p = 0,01), enquanto o grupo placebo teve redução não significativa de 14,9% (p = 0,859). A diferença entre os grupos foi estatisticamente significativa (p = 0,028).
Desfechos secundários
OMDS (disfunção motora)
Houve melhora intragrupo significativa no OMDS em ambos os grupos, mas sem diferença significativa entre os grupos ao final do estudo (p = 0,796). A média caiu de 5,8 para 4,7 no grupo tratado, sugerindo possível impacto clínico.
UDS (distúrbios urinários)
A pontuação UDS reduziu de forma mais acentuada no grupo intervenção, mas sem diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p = 0,108). Ambos os grupos apresentaram melhora significativa intragrupo (p < 0,05), possivelmente influenciada por uso concomitante de anticolinérgicos.
Carga proviral do HTLV-1
A carga proviral média no grupo teriflunomida caiu de 176,1 para 92,4 cópias/10⁴ PBMCs ao final de 12 meses (redução média de 83,7 unidades; p = 0,003), com diferença significativa entre os grupos (p = 0,023).
TNF-α
Não houve alteração significativa nos níveis séricos de TNF-α em nenhum grupo (p = 0,534).
Força muscular e espasticidade
Não foram observadas diferenças significativas entre os grupos nas escalas de força muscular (MRC) ou de espasticidade (Ashworth).
Segurança
Não foram registradas reações adversas graves. A elevação de enzimas hepáticas foi leve e controlável. Duas descontinuações ocorreram (uma por planejamento de gravidez e uma por desconforto gastrointestinal), ambas sem impacto nos dados de análise.
Discussão: Mielopatia associada ao HTLV-1
Este estudo pioneiro demonstrou que a teriflunomida pode reduzir de forma significativa a carga proviral do HTLV-1 e melhorar a velocidade de marcha (T25FW) em pacientes com HAM/TSP. Tais achados sugerem que a droga pode ter um efeito modificador da doença, além de apresentar um perfil de segurança favorável.
Apesar da melhora no OMDS e nos sintomas urinários, a ausência de significância estatística nas comparações intergrupos pode refletir o número reduzido de participantes e o tempo limitado de seguimento. A ausência de efeitos sobre espasticidade e força muscular pode estar relacionada à cronicidade da lesão medular, sendo improvável a reversão de déficits estruturais estabelecidos.
O efeito antiviral da teriflunomida, previamente demonstrado em estudos ex vivo, é reforçado por esta evidência clínica. Tal efeito pode estar relacionado à inibição da proliferação de linfócitos T CD4+ infectados e à modulação da resposta imune.
Limitações
As principais limitações do estudo incluem o pequeno tamanho amostral (n = 22), o que limita o poder estatístico para detectar diferenças em desfechos secundários, e a duração relativamente curta do seguimento (12 meses) frente a uma doença com evolução crônica.
Além disso, a variabilidade clínica entre os pacientes, incluindo o tempo de doença e uso concomitante de medicações para sintomas urinários, pode ter influenciado os resultados. Não houve avaliação de marcadores inflamatórios no líquor, e a carga proviral no sistema nervoso central não foi quantificada. Por fim, a coincidência com a pandemia de covid-19 comprometeu a regularidade de alguns acompanhamentos clínicos.
Mensagem final
A teriflunomida demonstrou segurança e eficácia clínica preliminar em pacientes com HAM/TSP, com impacto positivo na carga proviral, na velocidade de marcha e no escore de incapacidade.
Os achados sugerem seu potencial como agente modificador da doença, embora ensaios clínicos com maior amostragem e tempo de seguimento mais prolongados sejam necessários para confirmar esses resultados e avaliar sua aplicação na prática neurológica.
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