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Neurologia30 junho 2025

Mielopatia associada ao HTLV-1: Novos horizontes no tratamento? 

Estudo foi conduzido para avaliar a eficácia da teriflunomida em pacientes com Mielopatia associada ao HTLV-1 no nordeste do Irã.

A mielopatia associada ao vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1 (HTLV-1), também conhecida como paraparesia espástica tropical (HAM/TSP), é uma condição neuroinflamatória crônica que acomete a medula espinhal, levando à paraparesia progressiva, espasticidade e distúrbios autonômicos urinários. 

A fisiopatologia envolve proliferação linfocitária e ativação imune sustentada, algo que gera um grande desafio no tratamento, uma vez que as opções terapêuticas disponíveis são limitadas e frequentemente ineficazes em alterar o curso clínico da doença. 

As abordagens terapêuticas atuais incluem o uso de corticosteroides (geralmente início com terapia venosa em pulsoterapia de metilprednisolona, seguindo com prednisona oral em baixa dose) além de imunossupressores, como azatioprina e ciclosporina. Ambos apresentam resultados heterogêneos e risco elevado de efeitos adversos. 

A terapia antirretroviral (ex: zidovudina + lamivudina) demonstrou eficácia limitada sobre a carga proviral. Mais recentemente, imunobiológicos, como o mogamulizumabe (anticorpo monoclonal anti-CCR4), mostraram potencial na redução de linfócitos infectados, mas com alto custo e efeitos adversos importantes, além de acesso restrito. 

A teriflunomida, agente oral aprovado para o tratamento da esclerose múltipla, atua como imunomodulador ao inibir a enzima diidroorotato desidrogenase, reduzindo a proliferação de linfócitos T e B ativados. Dados in vitro sugerem que a droga também pode reduzir a carga proviral do HTLV-1.  

Nesse contexto, o estudo iraniano publicado no Journal of Neurology (2025) é o primeiro ensaio clínico randomizado a avaliar a eficácia e segurança da teriflunomida em pacientes com HAM/TSP. 

Métodos 

Trata-se de um ensaio clínico randomizado, placebo-controlado, triplo-cego, conduzido em Mashhad, no Irã. Foram incluídos 22 pacientes diagnosticados com HAM/TSP conforme critérios da OMS, com carga proviral positiva para HTLV-1 por PCR. Os participantes foram randomizados (1:1) para receber 14 mg de teriflunomida oral/dia (n=11) ou placebo idêntico (n=11), por 12 meses. 

Critérios de inclusão: idade ≥ 18 anos, escore de incapacidade motora (OMDS) < 9, uso de método contraceptivo confiável em idade fértil.
Critérios de exclusão: hepatopatia, nefropatia, imunodeficiência, outras doenças autoimunes, uso prévio de imunossupressores ou gravidez. 

Desfechos clínicos avaliados: 

  • Primário: alteração no tempo do teste de caminhada de 25 pés (T25FW);
  • Secundários: escore de incapacidade motora (OMDS), distúrbios urinários (UDS), carga proviral do HTLV-1, níveis séricos de TNF-α, força muscular (escala MRC) e espasticidade (escala de Ashworth).  

As avaliações ocorreram em cinco momentos (baseline e a cada 3 meses) ao longo de 1 ano. A análise estatística seguiu o princípio de intenção de tratar.  

Resultados 

A média de idade foi de 41,6 anos (grupo teriflunomida) e 49,3 anos (grupo placebo), sem diferença significativa. A duração da doença variou entre 8,5 e 12,4 anos. 

Desfecho primário: (T25FW) 

Após 12 meses, o grupo intervenção apresentou redução significativa de 25,2% no tempo de caminhada (média: –2,7s; p = 0,01), enquanto o grupo placebo teve redução não significativa de 14,9% (p = 0,859). A diferença entre os grupos foi estatisticamente significativa (p = 0,028). 

Desfechos secundários 

OMDS (disfunção motora)

Houve melhora intragrupo significativa no OMDS em ambos os grupos, mas sem diferença significativa entre os grupos ao final do estudo (p = 0,796). A média caiu de 5,8 para 4,7 no grupo tratado, sugerindo possível impacto clínico. 

UDS (distúrbios urinários)

A pontuação UDS reduziu de forma mais acentuada no grupo intervenção, mas sem diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p = 0,108). Ambos os grupos apresentaram melhora significativa intragrupo (p < 0,05), possivelmente influenciada por uso concomitante de anticolinérgicos. 

Carga proviral do HTLV-1

A carga proviral média no grupo teriflunomida caiu de 176,1 para 92,4 cópias/10⁴ PBMCs ao final de 12 meses (redução média de 83,7 unidades; p = 0,003), com diferença significativa entre os grupos (p = 0,023). 

TNF-α

Não houve alteração significativa nos níveis séricos de TNF-α em nenhum grupo (p = 0,534). 

Força muscular e espasticidade

Não foram observadas diferenças significativas entre os grupos nas escalas de força muscular (MRC) ou de espasticidade (Ashworth). 

Segurança

Não foram registradas reações adversas graves. A elevação de enzimas hepáticas foi leve e controlável. Duas descontinuações ocorreram (uma por planejamento de gravidez e uma por desconforto gastrointestinal), ambas sem impacto nos dados de análise. 

Discussão: Mielopatia associada ao HTLV-1 

Este estudo pioneiro demonstrou que a teriflunomida pode reduzir de forma significativa a carga proviral do HTLV-1 e melhorar a velocidade de marcha (T25FW) em pacientes com HAM/TSP. Tais achados sugerem que a droga pode ter um efeito modificador da doença, além de apresentar um perfil de segurança favorável. 

Apesar da melhora no OMDS e nos sintomas urinários, a ausência de significância estatística nas comparações intergrupos pode refletir o número reduzido de participantes e o tempo limitado de seguimento. A ausência de efeitos sobre espasticidade e força muscular pode estar relacionada à cronicidade da lesão medular, sendo improvável a reversão de déficits estruturais estabelecidos. 

O efeito antiviral da teriflunomida, previamente demonstrado em estudos ex vivo, é reforçado por esta evidência clínica. Tal efeito pode estar relacionado à inibição da proliferação de linfócitos T CD4+ infectados e à modulação da resposta imune. 

Limitações 

As principais limitações do estudo incluem o pequeno tamanho amostral (n = 22), o que limita o poder estatístico para detectar diferenças em desfechos secundários, e a duração relativamente curta do seguimento (12 meses) frente a uma doença com evolução crônica. 

Além disso, a variabilidade clínica entre os pacientes, incluindo o tempo de doença e uso concomitante de medicações para sintomas urinários, pode ter influenciado os resultados. Não houve avaliação de marcadores inflamatórios no líquor, e a carga proviral no sistema nervoso central não foi quantificada. Por fim, a coincidência com a pandemia de covid-19 comprometeu a regularidade de alguns acompanhamentos clínicos. 

Mensagem final 

A teriflunomida demonstrou segurança e eficácia clínica preliminar em pacientes com HAM/TSP, com impacto positivo na carga proviral, na velocidade de marcha e no escore de incapacidade. 

Os achados sugerem seu potencial como agente modificador da doença, embora ensaios clínicos com maior amostragem e tempo de seguimento mais prolongados sejam necessários para confirmar esses resultados e avaliar sua aplicação na prática neurológica.

Autoria

Foto de Johnatan Felipe Ferreira da Conceicao

Johnatan Felipe Ferreira da Conceicao

Revisor médico do Portal PEBMED. Graduado em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF). <b data-stringify-type="bold">Contato: </b><a href="mailto:[email protected]" target="_blank" rel="noopener">[email protected]</a> <b data-stringify-type="bold">Instagram:</b> @johnatanfelipef

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