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Neurologia11 julho 2025

Meningite criptocócica: O que precisamos saber? 

Meningite criptocócica é uma das principais causas de morte relacionadas a AIDS em pessoas vivendo com HIV
Por Thiago Nascimento

A meningite criptocócica é uma infecção oportunista grave causada principalmente pelos complexos de espécies Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii. Ela provoca meningoencefalite com altas taxas de mortalidade e morbidade, especialmente em pessoas com imunidade celular deficiente, como indivíduos com HIV avançado. Apesar da redução da incidência global de meningite criptocócica associada ao HIV na última década, a doença ainda é responsável por cerca de 1 em cada 5 mortes relacionadas à AIDS no mundo, com mortalidade chegando a 50% em países de baixa renda. 

Epidemiologia  

  • C. neoformans é mais comum e frequentemente isolado globalmente, enquanto C. gattii predomina em regiões específicas como Austrália e Papua-Nova Guiné.
  • Na África ocorrem mais da metade de todos os casos de meningite criptocócica associada ao HIV (HIV–CM).

Dados brasileiros  

  • Mato Grosso do Sul (1997-2014): Estudo com 129 pacientes mostrou predomínio de C. neoformans VNI (89,1%) e letalidade de até 65% quando o diagnóstico foi feito após 60 dias do início dos sintomas. 
  • São Paulo (2012-2017): Coorte retrospectiva revelou mortalidade hospitalar de 26,9%, associada a alta contagem de leveduras no líquor e alterações neurológicas na TC. 
  • Distrito Federal: Letalidade geral de 51,8%, com C. gattii representando 40% dos casos fatais em imunocompetentes. 

Meningite criptocócica: O que precisamos saber? 

Imagem de kjpargeter/freepik

Quadro clínico da meningite criptocócica 

A meningite criptocócica geralmente apresenta um curso subagudo, com sintomas inespecíficos, sobretudo em indivíduos imunocomprometidos.  

Sinais e sintomas mais comuns:  

  • Cefaleia (80-90%) – progressiva e de intensidade moderada a alta.
  • Febre (60-80%) – pode ser baixa e intermitente. 
  • Rigidez de nuca (30-40%) – menos comum do que em meningites bacterianas. 
  • Alteração do nível de consciência (20-30%) – sonolência, letargia, coma em casos graves. 
  • Náuseas e vômitos (40-50%) – associados ao aumento da pressão intracraniana. 
  • Convulsões (10-20%) – mais frequentes em imunocompetentes com criptococcomas.

Achados laboratoriais e de imagem 

Líquor (punção lombar):  

  • Pressão de abertura elevada (>20 cmH₂O) em 50-70%. 
  • Pleocitose linfocitária moderada (20-200 células/mm³). 
  • Proteínas elevadas, glicose normal ou levemente diminuída. 
  • Antígeno criptocócico (CrAg) positivo em > 90% dos casos. 
  • Tinta da China: método rápido para visualização de leveduras encapsuladas no líquor. Sensibilidade de 50-80% em pacientes HIV-positivos, mas menor em imunocompetentes devido à baixa carga fúngica. Apesar das limitações, é amplamente utilizada no Brasil como triagem inicial em hospitais públicos devido ao baixo custo. 

Imagem (TC/RM de crânio): 

  • Pode mostrar criptococcomas (lesões nodulares) ou hidrocefalia. 
  • Em pacientes com HIV avançado, o quadro pode ser insidioso, com poucos sinais meníngeos e predomínio de sintomas gerais (astenia, febre baixa, perda de peso). 

Diagnóstico e prevenção 

  • O diagnóstico rápido é feito pela detecção do antígeno criptocócico (CrAg) no sangue ou líquor. 
  • A triagem para CrAg em pessoas com HIV e CD4 < 100 células/µL, seguida de tratamento pré-emptivo com fluconazol, é uma estratégia eficaz para reduzir mortalidade. 
  • Não há vacinas disponíveis atualmente, mas estudos em andamento exploram essa possibilidade. 
  • No Brasil, o uso de PCR direto no líquor mostrou alta sensibilidade (> 94%) e especificidade (~98%) com o primer CN4CN5 para detecção rápida de Cryptococcus.

Tratamento atualizado  

O manejo é dividido em três fases:  

Indução  

Opção preferida: dose única alta de anfotericina B lipossomal (10 mg/kg) combinada com flucitosina (100 mg/kg/dia) e fluconazol (1.200 mg/dia) por 14 dias (AMBITION-cm).  

Consolidação  

Fluconazol 800 mg/dia por 8 semanas.  

Manutenção 

  • Fluconazol 200 mg/dia até recuperação imune (CD4 >200 células/µL). 
  • O início do tratamento antirretroviral (ART) deve ser adiado por 4–6 semanas após o diagnóstico de HIV–CM para reduzir o risco de síndrome inflamatória de reconstituição imune (IRIS).

Desafios e perspectivas para meningite criptocócica 

  • A mortalidade em ambientes com poucos recursos continua alta (~50%). 
  • Novas estratégias terapêuticas, como terapias combinadas para casos com antigenaemia subclínica e vacinas experimentais, estão em desenvolvimento. 
  • Os estudos brasileiros reforçam o atraso no diagnóstico como fator crítico, com mortalidade de até 65% em casos tardios. 

Autoria

Foto de Thiago Nascimento

Thiago Nascimento

Formado em Medicina pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) em 2015. Residência Médica em Neurologia no Hospital Geral Roberto Santos (HGRS) Salvador - Bahia (2016-2019). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). Mestrando em Ciências da Saúde pela UFBA (PPGCs - UFBA). Preceptor da Residência de Neurologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Médico Neurologista - Membro do Ambulatório de Neuroimunologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Professor na Afya Educação Médica.

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