A meningite criptocócica é uma infecção oportunista grave causada principalmente pelos complexos de espécies Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii. Ela provoca meningoencefalite com altas taxas de mortalidade e morbidade, especialmente em pessoas com imunidade celular deficiente, como indivíduos com HIV avançado. Apesar da redução da incidência global de meningite criptocócica associada ao HIV na última década, a doença ainda é responsável por cerca de 1 em cada 5 mortes relacionadas à AIDS no mundo, com mortalidade chegando a 50% em países de baixa renda.
Epidemiologia
- C. neoformans é mais comum e frequentemente isolado globalmente, enquanto C. gattii predomina em regiões específicas como Austrália e Papua-Nova Guiné.
- Na África ocorrem mais da metade de todos os casos de meningite criptocócica associada ao HIV (HIV–CM).
Dados brasileiros
- Mato Grosso do Sul (1997-2014): Estudo com 129 pacientes mostrou predomínio de C. neoformans VNI (89,1%) e letalidade de até 65% quando o diagnóstico foi feito após 60 dias do início dos sintomas.
- São Paulo (2012-2017): Coorte retrospectiva revelou mortalidade hospitalar de 26,9%, associada a alta contagem de leveduras no líquor e alterações neurológicas na TC.
- Distrito Federal: Letalidade geral de 51,8%, com C. gattii representando 40% dos casos fatais em imunocompetentes.
Quadro clínico da meningite criptocócica
A meningite criptocócica geralmente apresenta um curso subagudo, com sintomas inespecíficos, sobretudo em indivíduos imunocomprometidos.
Sinais e sintomas mais comuns:
- Cefaleia (80-90%) – progressiva e de intensidade moderada a alta.
- Febre (60-80%) – pode ser baixa e intermitente.
- Rigidez de nuca (30-40%) – menos comum do que em meningites bacterianas.
- Alteração do nível de consciência (20-30%) – sonolência, letargia, coma em casos graves.
- Náuseas e vômitos (40-50%) – associados ao aumento da pressão intracraniana.
- Convulsões (10-20%) – mais frequentes em imunocompetentes com criptococcomas.
Achados laboratoriais e de imagem
Líquor (punção lombar):
- Pressão de abertura elevada (>20 cmH₂O) em 50-70%.
- Pleocitose linfocitária moderada (20-200 células/mm³).
- Proteínas elevadas, glicose normal ou levemente diminuída.
- Antígeno criptocócico (CrAg) positivo em > 90% dos casos.
- Tinta da China: método rápido para visualização de leveduras encapsuladas no líquor. Sensibilidade de 50-80% em pacientes HIV-positivos, mas menor em imunocompetentes devido à baixa carga fúngica. Apesar das limitações, é amplamente utilizada no Brasil como triagem inicial em hospitais públicos devido ao baixo custo.
Imagem (TC/RM de crânio):
- Pode mostrar criptococcomas (lesões nodulares) ou hidrocefalia.
- Em pacientes com HIV avançado, o quadro pode ser insidioso, com poucos sinais meníngeos e predomínio de sintomas gerais (astenia, febre baixa, perda de peso).
Diagnóstico e prevenção
- O diagnóstico rápido é feito pela detecção do antígeno criptocócico (CrAg) no sangue ou líquor.
- A triagem para CrAg em pessoas com HIV e CD4 < 100 células/µL, seguida de tratamento pré-emptivo com fluconazol, é uma estratégia eficaz para reduzir mortalidade.
- Não há vacinas disponíveis atualmente, mas estudos em andamento exploram essa possibilidade.
- No Brasil, o uso de PCR direto no líquor mostrou alta sensibilidade (> 94%) e especificidade (~98%) com o primer CN4CN5 para detecção rápida de Cryptococcus.
Tratamento atualizado
O manejo é dividido em três fases:
Indução
Opção preferida: dose única alta de anfotericina B lipossomal (10 mg/kg) combinada com flucitosina (100 mg/kg/dia) e fluconazol (1.200 mg/dia) por 14 dias (AMBITION-cm).
Consolidação
Fluconazol 800 mg/dia por 8 semanas.
Manutenção
- Fluconazol 200 mg/dia até recuperação imune (CD4 >200 células/µL).
- O início do tratamento antirretroviral (ART) deve ser adiado por 4–6 semanas após o diagnóstico de HIV–CM para reduzir o risco de síndrome inflamatória de reconstituição imune (IRIS).
Desafios e perspectivas para meningite criptocócica
- A mortalidade em ambientes com poucos recursos continua alta (~50%).
- Novas estratégias terapêuticas, como terapias combinadas para casos com antigenaemia subclínica e vacinas experimentais, estão em desenvolvimento.
- Os estudos brasileiros reforçam o atraso no diagnóstico como fator crítico, com mortalidade de até 65% em casos tardios.
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