Esclerose tuberosa é uma doença que está no grupo das síndromes neurocutâneas, também denominadas facomatoses. É um grupo de doenças nas quais suas manifestações clínicas principais são neurológicas e dermatológicas – por isso o exame de toda a pele, de forma detalhada, faz parte de um exame neurológico bem feito.
Essa associação de acometimento neurológico e dermatológico tem explicação na origem embrionária – os dois sistemas tem origem do mesmo folheto embrionário.
E, o que significa facomatose:
- “phakos”- significa mancha, marca, sinal de nascimento em forma de lente;
- “oma”- tumor em forma de lente.
Esclerose tuberosa
A esclerose tuberosa trata-se de uma desordem multissistêmica da migração, proliferação e diferenciação celular, resultando no desenvolvimento de tumores benignos, que podem atingir o encéfalo, rins, pele, coração, pulmões e outros órgãos.
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É autossômica dominante, porém 2/3 dos casos correspondem a mutações novas. Apresenta uma incidência de aproximadamente 1 para cada 5.000 a 10.000 nascidos vivos.
Há 2 genes que podem estar envolvidos na origem da esclerose tuberosa:
- TSC1 (tuberina) – localizado no cromossoma 9;
- TSC2 (hamartina) – localizado no cromossoma 16.
O complexo hamartina-tuberina atua inibindo o MTOR (mammalian target of rapamycin), que é uma proteína que regula o crescimento e diferenciação celular. Se há mutação, ocorre um descontrole progressivo do ciclo celular, com desenvolvimento de hamartomas em vários órgãos.
É uma herança de alta penetrância e com fenômeno de antecipação (a cada geração vem de forma mais evidente/grave).
Critérios diagnósticos
Podemos dividir em diagnóstico definitivo ou diagnóstico possível, conforme tabela abaixo.
Diagnóstico Definitivo | Diagnóstico Possível |
Ø Identificação da mutação nos genes TSC1 e TSC2; OU | Ø 1 Critério Maior; OU |
Ø 2 Critérios Maiores; OU | Ø 3 ou mais Critérios Menores |
Ø 1 Critério Maior + 2 ou mais critérios menores |
MAIORES | MENORES |
1. Angiofibromas faciais ou placa na fronte (3 ou mais) | 1. Fibromas intraorais (> ou = 2) |
2. Fibroma ungueal (> ou = 2) | 2. “Depressões” no esmalte dentário (“pits”: > ou = 3) |
3. Máculas hipopigmentadas (> ou = 3 – com pelo menos 5 mm de diâmetro) | 3. Lesão de pele em “confete” |
4. Placa de Shagreen | 4. Halo acrômico na retina |
5. Múltiplos hamartomas retinianos nodulares | 5. Múltiplos cistos renais |
6. Displasia cortical – túberes corticais, linhas de migração radial na substância branca | 6. Hamartomas não renais |
7. Nódulos subependimários | |
8. Astrocitoma de células gigantes | |
9. Rabdomioma cardíaco (único ou múltiplo) | |
10. Linfangiomamiomatose | |
11. Angiolipoma (> ou = 2) |
Veja também: ‘Neurologia: o poder e a singularidade da semiologia’
Características clínicas
A. NEUROLÓGICAS
- Nódulos subependimários:
- Localizados principalmente nas porções anteriores dos ventrículos laterais, na região subependimária;
- Tendência à calcificação;
- Quanto maior o seu número, pior o prognóstico;
- Presente em 80% dos pacientes.

- Displasia Cortical:
- Anormalidade congênita causada pela falha de migração de neurônios no desenvolvimento do cérebro;
- Associados à epilepsia de difícil controle e dificuldades de aprendizado.
- Túber Cortical:
- Localizado no córtex – principalmente frontal e parietal;
- É um hamartoma;
- > 90% dos pacientes.
- Astrocitoma de células gigantes:
- É um tumor benigno;
- Responsável pelo surgimento de novos déficits neurológicos focais, piora das crises e mudança no comportamento.
- Epilepsia:
- Ocorre de forma precoce em 80 a 90% dos pacientes;
- Geralmente as crises se iniciam como espasmos infantis, desenvolvendo Síndrome de West.
- Deficiência Mental:
- 45-65% dos casos;
- Está associado com a severidade das crises convulsivas, tamanho e localização dos túberes e nódulos subependimários.
- Distúrbios de Comportamento e Psiquiátricos:
- Secundário ao comportamento cognitivo;
- Transtorno de ansiedade.
B. DERMATOLÓGICAS E DENTÁRIAS
- Máculas Hipopigmentadas:
- 90% dos pacientes;
- > ou = 3 com pelo menos 5 mm de diâmetro;
- Presentes ao nascimento / surge na infância (2 a 4 ms) ;
- Branca, contorno irregular, em forma de folha;
- Tronco e membros / não presentes na face / nunca desaparecem;
- Tendência a aumentar em quantidade e tamanho com o passar do tempo.

- Angiofibromas
- Início: primeiros anos de vida (2-5 anos);
- Patognômonico de esclerose tuberosa;
- Nariz, e regiões malares, bochechas e queixo;
- Milimétricos, arredondados, endurecidos, de coloração rósea.

- Fibromas Ungueais
- 20% dos pacientes;
- Mais frequente nos adultos;
- Principalmente nas unhas dos pés;
- São hamartomas com hiperqueratose associada à proliferação vascular e de colágeno.
C. OUTRAS CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS:
- Angiolipomas Renais
- Bilaterais;
- 2/3 dos pacientes com esclerose tuberosa;
- Geralmente assintomáticos.
- Hamartomas Retinianos
- Histologicamente semelhante aos túberes;
- 30- 50% dos pacientes;
- Geralmente não comprometem a visão.
- Rabdomioma Cardíaco
- 50- 60% dos pacientes;
- Tumor benigno do coração;
- Geralmente localizado nos ventrículos;
- Frequentemente é feito o diagnóstico pré-natal da lesão;
- Regressão espontânea nos primeiros anos de vida;
- Se sintomático – obstrutivo ou disfunção de valvas / se envolver o sistema de condução cardíaco, pode predispor o paciente a arritmias para o resto da vida.
Recomendações e manejo clínico
Como veremos abaixo, a acompanhamento dos pacientes com esclerose tuberosa é multidisciplinar.
RECOMENDAÇÕES E MANEJO CLÍNICO | |
Cérebro | • RNM: buscar túberes, nódulos subependimários, astrocitoma. Deverá ser feita a cada 1 a 3 anos em pacientes assintomáticos; deverá ser feita de forma mais frequente em pacientes com astrocitoma ou nódulos subependimários
• Avaliar associação com desordens neuropsiquiatricas • Educar os pais a reconhecer os ESPAMOS • EEG |
Genética | • Oferecer teste genético para família
• Procurar outros casos na família |
Pele e Dentes | • Inspeção detalhada da pele e cavidade oral
• Exame dermatológico cuidadoso 1x/ano • Dentista a cada 6 meses e raio X panorâmico aos 7 anos |
Coração | • ECO ao diagnóstico, principalmente em menores de 3 anos / Deverá ser feito a cada 1-3 anos até regressão completa do rabdomioma
• ECG: na busca de defeitos de condução (em todas as idades), a cada 3-5 anos / se paciente sintomático, a frequência deverá ser menor |
Olhos | • Exame oftalmológico anual |
Rins | • USG vias urinárias ao diagnóstico e a cada 1-3 anos
• RNM a cada 1-3 anos para acompanhar crescimento do angiomiolipoma e dos cistos renais • Função renal / aferição da PA: 1x/ano • Angiomiolipomas > 3 cm, em crescimento e assintomáticos à mTOR |
Pulmões | • TC de tórax: a cada 5-10 anos em pacientes de risco, sem evidências de cisto na primeira TC
• TC de tórax: a cada 2-3 anos em pacientes com cistos na primeira TC • PFP: 1X/ano • LAM pistas: dispneia aos esforços |
Diante do exposto, vemos a importância de saber reconhecer de forma precoce a esclerose tuberosa, uma vez que exige múltiplos acompanhamentos, garantindo assim uma melhor qualidade de vida para o paciente e aconselhamento genético da família.
Referências bibliográficas:
- Swaiman`s Pediatric Neurology – fifith edition
- Cypel Neurologia infantile – quinta edição
- Fenichel`s Clinical Pediatric Neurology – Seventh Edition
- James Owens, MD,PhD; John B Bodensteiner, MD – “Tuberous sclerosis complex: Genetic, clinical festures and diagnosis)
- James Owens, MD,PhD; John B Bodensteiner, MD – “Tuberous sclerosis complex: Management”
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