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Neurologia24 julho 2018

Dupla antiagregação para AVC: dados do estudo POINT

Sabe-se que o risco de recorrência de evento isquêmico encefálico até 90 dias após um AVE menor ou AIT de alto risco pode ir de 3-15%.

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Sabe-se que o risco de recorrência de evento isquêmico encefálico até 90 dias após um acidente vascular encefálico (AVE) menor ou ataque isquêmico transitório (AIT) de alto risco pode ir de 3-15%. O ácido acetilsalicílico (AAS) pode reduzir em 20% este risco e o clopidogrel, que tem ação antiagregante sinérgica com o AAS, teoricamente poderia reduzir ainda mais.

Para verificar esta hipótese, o estudo POINT (platelet-oriented inhibition in new TIA and minor ischemic stroke) foi conduzido. Um estudo que se iniciou depois e foi concluído antes do POINT, o CHANCE (clopidogrel in high risk patients with acute nondisabling cerebrovascular events) já havia demonstrado uma redução do risco de reincidência de evento isquêmico de 32% em pacientes que foram tratados dentro de 24h do ocorrido com combinação de AAS e clopidogrel, sem aumento significativo do risco de hemorragia; entretanto, os pacientes avaliados no estudo CHANCE eram de grupo étnico e parâmetros de tratamento muito específicos, o que dificulta a generalização dos resultados.

Assim sendo, o estudo POINT acompanhou pacientes de 10 países diferentes, de maio de 2010 a dezembro de 2017, apesar de mais de 80% deles estarem nos Estados Unidos da América. Os pacientes tinham mais de 18 anos de idade, nos casos de AVE possuíam escore NIHSS (National Institute of Health Stroke Scale) 3 ou menos, e nos AITs, escore ABCD2 de 4 ou mais. Todos os pacientes receberam AAS (50-325mg/dia), 50% deles clopidogrel (600mg no primeiro dia, depois 75mg/dia) e o restante um placebo, por 90 dias.

Cinco por cento dos pacientes que receberam AAS + clopidogrel tiveram reincidência de eventos isquêmicos (encefálicos, cardíacos e vasculares) em 90 dias, contra 6,5% dos que receberam AAS + placebo. O risco total (somando novo AVE isquêmico + hemorrágico) foi menor no grupo em uso de AAS + clopidogrel. O “efeito protetor” da combinação de AAS + clopidogrel foi maior nos primeiros sete dias do que nos restantes até os 90 dias, enquanto que o aumento de risco de sangramento foi maior após o 8º dia do que nos sete primeiros. O risco de transformação hemorrágica nos pacientes em uso de AAS + clopidogrel foi de 0,9%, versus 0,4% dos pacientes em uso de AAS + placebo. O risco de outros eventos adversos (não hemorrágicos) foi semelhante entre os dois grupos.

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O estudo, então, conclui em primeiro lugar, que apesar do uso combinado de AAS + clopidogrel reduzir significativamente o risco de novo evento isquêmico, há um aumento considerável no risco de evento adverso hemorrágico; apesar de, em números absolutos, o total de reincidências (isquêmicas + hemorrágicas) ser menor no grupo em uso da terapia combinada, é difícil comparar os desfechos, pois a morbidade e mortalidade dos eventos pode variar muito.

Estes resultados são conflitantes com o estudo CHANCE, no qual houve um risco de hemorragia de 0,3% em ambos os grupos comparados; porém, além das diferenças étnicas dos pacientes, a posologia de clopidogrel usada foi outra (300mg no primeiro dia, depois 75mg/dia), e a combinação foi usada apenas nos primeiros 21 dias (versus 90 dias do estudo POINT). Os autores do artigo acreditam que estas diferenças se devam a polimorfismos genéticos na enzima CYP2C19 (alvo do clopidogrel) na população chinesa, além do diferente efeito do uso da combinação nos primeiros 30 dias versus no total de 90 dias (como foi no estudo POINT).

Um outro estudo, SOCRATES (que comparou, no mesmo contexto, o uso de AAS X ticagrelor), não encontrou diferenças de risco hemorrágico nos dois grupos. Outro estudo ainda, o TARDIS (comparando AAS + clopidogrel + dipiridamol X clopidogrel X AAS + dipiridamol), mostrou que tripla antiagregação não resulta em benefícios, apenas num risco mais elevado de hemorragia.

Este estudo apresenta limitações: não foram incluídos AVEs moderados a graves, obstrução carotídea sintomática, eventos cardioembólicos ou pacientes elegíveis para trombectomia ou trombólise. As doses de AAS também variaram de acordo com os hospitais onde os pacientes foram atendidos.

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COMENTÁRIOS

Este artigo nos traz os resultados de um estudo mais abrangente e com uma população alvo mais heterogênea (e logo, mais próxima da realidade brasileira também) do que o estudo CHANCE, que foi publicado há alguns anos e teve um impacto muito grande nas práticas da maioria dos serviços de urgência acerca de pacientes com AIT e AVE menor. Seus resultados, que conflitam diretamente com o estudo anterior, mostram que devemos ter cuidado com o uso indiscriminado da dupla antiagregação nos eventos cerebrovasculares agudos; os resultados do estudo refletem um grupo portador de uma gama limitada de condições clínicas, não representando pacientes com quadros mais graves ou comorbidades cardíacas expressivas, logo estas conclusões não podem ser generalizadas.

Infelizmente, hoje vemos a prescrição liberal de dupla antiagregação nos mais diversos contextos, mesmo alguns muito diversos até dos que o estudo CHANCE anteriormente propôs, e não temos embasamento literário com ensaios bem controlados e randomizados para apoiar estas condutas. Mais estudos certamente serão necessários, até mesmo para confirmar os resultados expostos pelo POINT, e ampliar também a gama de quadros clínicos englobados na comparação. Devemos ficar atentos e sempre buscar evitar condutas que potencialmente agravem ou elevem o risco de evento adverso no paciente, respeitando um dos maiores princípios da ética médica: antes de tudo, não fazer o mal.

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Referências:

  • Johnston SC et al. Clopidogrel and aspirin in acute ischemic stroke and high-risk TIAs. New England Journal of Medicine. May 16, 2018.
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