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Neurologia12 fevereiro 2025

Concussão relacionada ao esporte: como manejar? 

Concussão relacionada ao esporte é uma lesão cerebral leve que se resolve em semanas, mas seus sintomas podem persistir por mais de 1 mês.
Por Danielle Calil

Recentemente, a American Congress of Rehabilitation Medicine Diagnostic Criteria definiu a concussão como uma forma de traumatismo cranioencefálico (TCE) leve, indicando que esses termos podem ser aplicados de forma intercambiável, mesmo diante de resultados normais de neuroimagem. 

A concussão ou TCE leve afeta aproximadamente 42 milhões de indivíduos globalmente ao ano. Os fatores de risco atrelados à concussão cerebral relacionada com esporte incluem: concussão prévia, partidas esportivas, adolescente, transtorno de déficit de atenção, dificuldade de aprendizagem, história familial de migrânea ou de problemas associados à saúde mental. 

A New England Journal of Medicine publicou esse ano um guia prático acerca do diagnóstico e do manejo dessa condição. 

Como diagnosticar? 

A concussão relacionada ao esporte, de acordo com consenso derivado da Sixth International Conference on Concussion in Sport, é definida como traumatismo cranioencefálico causado por colisão direta em cabeça, pescoço ou corpo que resulte em força impulsiva transmitida ao cérebro na qual é provocada por atividades esportivas, em que as manifestações clínicas ocorrer dentro das primeiras 72 horas e comumente são resolvidas em dias (embora possam ser mais prolongadas). 

As manifestações clínicas presentes na concussão podem acometer domínios distintos como cognição, somáticos, humorais ou relacionados ao sono.  

  • Manifestações cognitivas: confusão mental, dificuldade de concentração, amnésia anterógrada, perda do nível de consciência, atraso em respostas verbais/motores e discurso de fala arrastado ou incoerente. 
  • Manifestações somáticas: cefaleia, vertigem, náuseas ou vômitos, distúrbios visuais (como fotofobia, visão dupla ou turva), desequilíbrio, anormalidade em reflexo vestíbulo-ocular ou no movimento de perseguição ocular. 
  • Manifestações humorais: labilidade emocional, irritabilidade, fadiga ou sintomas ansiosos ou depressivos. 
  • Manifestações relacionadas ao sono: dificuldade para sono ou sonolência acima do habitual. 

Durante a avaliação do paciente sob suspeita de concussão relacionada com esporte, o exame físico para detecção de achados vestibulares anormais através, por exemplo, da avaliação de marcha em tandem ou de achados oculomotores anormais (como anormalidades sacádicas) são ferramentas que auxiliam a estabelecer o diagnóstico diante de sintomas que podem ser subjetivos. A avaliação de intolerância ao exercício também é comum, isto é, a inabilidade de se exercitar no nível máximo esperado para o paciente diante de uma exacerbação dos sintomas de concussão. O Buffalo Concussion Treadmill é um teste de exercício aplicado dentro dos 14 dias após a injúria que apresenta ótima sensibilidade (S = 94,4%, IC 95% 90,8-97,2) e especificidade (E = 94,6%, IC 95% 91,1-97,3) comparado ao exame clínico padrão para diagnóstico de concussão relacionada ao esporte. 

A maioria dos casos de concussão relacionada ao esporte possui recuperação em torno de dias a poucas semanas. Contudo, há dados que demonstram que 1/3 dos casos de adolescentes não tratadas podem persistir os sintomas acima de 4 semanas. Para essas circunstâncias, o termo aplicado atualmente é “sintomas persistentes após concussão” ao contrário do termo “síndrome pós concussão” que está em desuso. 

Um dos fatores preditivos mais fortes para persistência dos sintomas de concussão é a carga relacionada ao número e à gravidade dos sintomas de concussão ocorridos nos primeiros dias após o trauma. Sintomas de injúria cervical acompanhados pela concussão são considerados fator de risco para persistência de sintomas. Embora a perda de consciência seja incomum na concussão relacionada com esporte e de curta duração (< 1 minuto), não está associada a pior desfecho ─ ao contrário da amnésia pós-traumática. 

Concussão relacionada ao esporte: como manejar? 

Imagem de katemangostar/freepik

Como manejar a Concussão? 

O posicionamento na Sixth International Conference on Concussion in Sport recomenda que todos os pacientes vítimas de concussão sejam acompanhados clinicamente após as 72 horas do trauma e nas semanas seguintes. Há ferramentas disponíveis para guiar o manejo dessa condição como a Sport Concussion Office Assessment Tool 6 (SCOAT6) e a Child-SCOAT6 (para crianças abaixo de 13 anos), embora sejam escalas que ainda necessitam de validação prospectiva. 

A concussão relacionada com esporte anteriormente era manejada com repouso cognitivo e físico restrito até a resolução de todos os sintomas. Entretanto, hoje em dia a abordagem desses pacientes é conduzida de forma diferente. Geralmente o repouso é recomendado nas primeiras 24-48 horas após o trauma e, após esse período, algumas estratégias são recomendadas para melhor recuperação e redução da persistência dos sintomas após 4 semanas. 

Em ensaio clínico publicado em 2015, pacientes com concussão nas primeiras 24 horas após trauma (n = 99, idade média de 14 anos) que apresentaram repouso estrito por 5 dias não apresentaram melhora na função cognitiva ou no equilíbrio em 10 dias após trauma comparado ao grupo que foi assinado para cuidado padrão, definido como 1-2 dias de repouso seguido por retorno gradual de atividades. 

Outro ensaio clínico randomizado publicado em 2019, avaliou que adolescentes submetidos à exercício aeróbico controlado entre 2-10 dias após a concussão apresentaram recuperação mais rápida comparado ao grupo placebo submetido a exercícios de alongamento (grupo intervenção com tempo de recuperação médio de 13 dias versus grupo placebo com 17 dias; p = 0,009). 

Na própria publicação da NEJM, o autor ressalta a importância do exercício aeróbico como parte do programa multidisciplinar e medida efetiva para manejo da carga de sintomas de concussão. Em casos de dificuldade de acesso a testes de exercício, atividades leves como caminhadas iniciadas entre 24-72 horas após o trauma facilitam a recuperação de modo mais efetivo do que o repouso. Terapias de exercício, por sua vez, sem aplicação de teste objetivos de exercício, podem seguir meta de intensidade baseado no valor de 50% da frequência cardíaca máxima (FCmáx) predita pela idade do paciente (cálculo FCmáx = 220 menos a idade do paciente). Nesses casos, o paciente sistematicamente avança o programa de exercício de acordo com o grau de exacerbação dos sintomas de concussão experimentado pelas atividades executadas anteriormente. 

Medidas de higiene de sono também são fundamentais no manejo de concussão, visto que a redução da qualidade de sono pode prolongar os sintomas atrelados a essa condição. Em ensaio clínico com 125 pacientes, com idade média de 17 anos, admitidos em emergência após concussão, demonstrou que o grupo com uso de tela irrestrito nas primeiras 48 horas após o trauma apresentou maior tempo de recuperação comparado ao grupo com abstinência de tela (grupo intervenção com tempo de recuperação médio de 8 dias versus placebo com 3,5 dias; p = 0,03). 

Para indivíduos com sintomas vertiginosos e desequilíbrio, uma revisão sistemática recente com diversos ensaios clínicos demonstrou que fisioterapia vestibular e motora auxilia em 4 vezes mais o retorno aos esportes em adolescentes e adultos com vertigem, dor cervical ou cefaleia persistentes por mais de 10 dias após concussão comparado ao placebo (Hazard ratio 3,91, IC 95% 1,34-11,34). 

Diante de uma concussão relacionada ao esporte, há sinais de alarme que indiquem necessidade de avaliação de urgência, como: crise epiléptica, visão dupla a distância, perda de consciência especialmente em casos de duração acima de 30 segundos, fraqueza ou parestesia em ambos os membros superiores ou inferiores, rebaixamento do nível de consciência, vômitos incoercíveis, cefaleia grave ou refratária, status de inquietude ou agitação psicomotora, escala de Coma de Glasgow abaixo de 15 (considerando que escore abaixo de 13 indica traumatismo cranioencefálico moderado-grave), deformidade visível da calota craniana e déficit neurológico focal. 

Diante de um episódio de concussão, um questionamento é o tempo para retorno às atividades esportivas e às atividades escolares (no caso de crianças). Conforme já mencionado, a primeira etapa é o repouso de 24-48 horas e, após esse período, pode ser inserido atividades aeróbicas leves (ex: caminhada) e atividades cognitivas minimizando tempo de tela (ex: leitura) que serão graduadas em termo de intensidade e de frequência conforme a resposta do paciente, isto é, se este apresentará ou não exacerbação dos sintomas de concussão com tais estímulos. Essa estratégia de progressão do estímulo geralmente é graduada diante da exacerbação dos sintomas acima do grau leve, geralmente definido como aumento de 2 pontos (em escala com variação de 0 a 10, sendo “zero” nenhum sintoma e “dez” uma piora máxima imaginável desses sintomas) em menos de 1 hora comparado ao valor mencionado anteriormente à atividade física ou cognitiva.  

Mensagens práticas 

  • As manifestações clínicas relacionadas à concussão refletem mais os distúrbios fisiológicos do que a injúria estrutural do cérebro, sendo, portanto, uma justificativa para ausência de anormalidades traumáticas nos estudos padrão de neuroimagem. 
  • A concussão relacionada ao esporte é considerada traumatismo cranioencefálico leve, causado por colisão direta em cabeça, pescoço ou corpo que resulte em força impulsiva transmitida ao cérebro na qual é provocada por atividades esportivas, com manifestações clínicas ocorridas nas primeiras 72 horas. 
  • É recomendado repouso nas primeiras 24-48 horas após trauma. Após esse período, considerar implementação de atividades aeróbicas de intensidade mais leve, medidas de higiene de sono e fisioterapia (a depender dos sintomas) podem auxiliar uma recuperação mais rápida.

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Referências bibliográficas

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