Avaliação geriátrica ampla (AGA): modelo multidimensional para o atendimento de idosos
O desenvolvimento da avaliação geriátrica ampla (AGA) começou a partir do modelo de cuidado da médica Marjory Warren, na década de 1930.
As bases para o desenvolvimento da avaliação geriátrica ampla (AGA) surgiram a partir do modelo de cuidado da médica Marjory Warren, no final da década de 1930. Considerada a mãe da medicina geriátrica, Dr. Warren conseguiu modificar os cuidados oferecidos a um grupo de pacientes crônicos e acamados em um hospital de Londres. Utilizando uma avaliação clínica detalhada e uma abordagem multidisciplinar, ela conseguiu ampliar a detecção de problemas e elaborar planos individualizados de tratamento para esses pacientes, com foco na avaliação sistemática e na reabilitação.
Evolução
Ao longo das décadas seguintes, diversos estudos foram desenvolvidos para investigar e validar a AGA como modelo de predição de desfechos adversos e de intervenção em pacientes idosos nos mais variados ambientes de saúde. Mesmo com alguns resultados conflitantes, a AGA segue como modelo de referência para o cuidado de idosos no ambiente hospitalar e na comunidade, tanto na atenção primária quanto na atenção especializada.
Os benefícios da AGA dependem da população, do formato de aplicação e do local de estudo. De forma geral, a AGA é direcionada a idosos frágeis, com risco aumentado para eventos negativos, e não parece beneficiar da mesma maneira os pacientes mais saudáveis ou aqueles em fase terminal de vida.
Leia também: Como fazer o rastreio do idoso frágil na atenção primária?
Em relação ao cenário de cuidado, no ambiente hospitalar a utilização da AGA já foi associada a menor risco de institucionalização no período pós-alta, enquanto em idosos da comunidade ela se associou a melhor desempenho funcional e até maior sobrevida, em comparação a idosos submetidos aos cuidados de rotina. A AGA também tem sido utilizada com frequência no cenário de cuidados pré-operatórios e oncológicos, onde o geriatra (ou outro profissional treinado na aplicação da AGA) frequentemente se une ao especialista para a identificação de problemas de saúde, na predição de desfechos adversos e na decisão terapêutica, proporcionando uma coordenação integrada do cuidado.
Dimensões da avaliação geriátrica ampla (AGA)
Apesar de não existir na literatura uma recomendação oficial acerca de componentes obrigatórios na AGA, alguns domínios são considerados fundamentais e estão presentes na maioria das abordagens (Quadro 1). Cada componente costuma ser avaliado por escalas de triagem validadas, em conjunto com a observação clínica do profissional de saúde. Os instrumentos de avaliação devem ser adaptados às necessidades da população atendida e ao cenário de cuidado.
Quadro 1 – Domínios da avaliação geriátrica ampla
Domínio |
Descrição/Comentário |
Avaliação |
Funcionalidade | Capacidade do indivíduo de ser independente em seu próprio cuidado (atividades básicas de vida diária, ABVD), e no seu papel na comunidade (atividades instrumentais de vida diária, AIVD). | – Escala de Katz (ABVD)
– Escala de Lawton (AIVD) – Índice de Barthel |
Cognição | Capacidade de utilizar as funções cerebrais superiores (executiva, memória, visuoespacial, linguagem, atenção) de forma adequada e autônoma.
Os déficits cognitivos e as síndromes demenciais são frequentes em pacientes ³ 60 anos. | – 10-Point Cognitive Screener (10-CS)
– Miniexame do Estado Mental (MEEM) – Montreal Cognitive Asessment (MoCA) |
Humor | Os sintomas depressivos ou ansiosos possuem alta prevalência em indivíduos idosos, prejudicando a adesão ao tratamento e o controle de doenças crônicas.
Os idosos possuem maior frequência de sintomas somáticos, o que dificulta o diagnóstico. | – Escala de Depressão Geriátrica de 15 itens (GDS-15)
– Questionário sobre Saúde do Paciente (PHQ-9). |
Sensorial | Déficits auditivos ou visuais trazem pior qualidade de vida, isolamento social, prejuízo cognitivo e risco de depressão. | – Audição: Teste do sussurro
– Visão: Escala de Snellen |
Mobilidade/Quedas | As quedas são importantes causas de morbimortalidade em idosos. Para avaliação do risco de quedas, podem ser utilizados testes que avaliam a mobilidade e auxiliam nessa predição. | – Velocidade de marcha
– Teste cronometrado do levantar e andar (Timed get-up and go test) – Short Physical Performance Battery (SPPB) |
Estado nutricional | Os idosos apresentam maior risco nutricional devido à presença de comorbidades, alterações do sistema digestivo, perda funcional, risco de baixo suporte social e declínio cognitivo. | – Miniavaliação Nutricional (MAN) |
Suporte social | Muitos idosos estão sujeitos à insuficiência de recursos humanos e/ou materiais para o seu cuidado. O baixo suporte social ocasiona pior qualidade de vida, declínio funcional e mau controle de doenças crônicas.
É importante a presença do(a) assistente social nessa abordagem, e também a avaliação de sobrecarga/estresse do cuidador e outras alterações de saúde, que frequentemente levam à insuficiência de cuidados. | Suporte social:
-APGAR da Família e dos Amigos – Escala de Suporte Social do Medical Outcomes Study (MOS). Estresse do cuidador: – Escala de Zarit – Self-Reporting Questionnaire 20 (SRQ-20) |
Saiba mais: Geriatria: qual perfil devo ter para seguir essa especialidade?
Em cenários de cuidado onde o tempo é limitado e não há disponibilidade suficiente de profissionais para uma avaliação mais detalhada, é possível a aplicação de instrumentos simplificados e objetivos, como é o caso da avaliação geriátrica compacta de 10 minutos (AGC-10). A AGC-10 avalia 10 domínios de saúde do paciente idosos de forma rápida e sem a necessidade de equipamentos complexos, apenas fita métrica, cronômetro e balança antropométrica. O instrumento possibilita o cálculo de um índice global de risco calculado através da média das alterações identificadas nos 10 domínios do instrumento (Figura 1). O escore final varia de 0 (nenhuma alteração) a 1 (alteração total) e classifica os indivíduos em baixo (0-0,29), médio (0,3-0,39) e alto (0,40-1) risco para desfechos adversos.
Aplicação da AGA na prática clínica
Para a melhor utilização da avaliação geriátrica ampla (AGA), é interessante o recrutamento de uma equipe multiprofissional básica (médico, enfermeiro e assistente social) ou ampliada (profissionais como fisioterapeuta, nutricionista, farmacêutico, dentre outros).
As avaliações devem ser padronizadas para todos os membros da equipe, no intuito de evitar a variabilidade no registro de informação e facilitar a interpretação dos dados. A discussão sobre o plano de cuidado deve ser multidisciplinar, com identificação das necessidades e problemas prioritários do paciente naquele momento. Após essa abordagem, é possível o desenvolvimento e implementação do plano terapêutico, em que as metas de cuidado devem ser definidas e discutidas, preferencialmente na presença do paciente e/ou de seus familiares.
O monitoramento e a revisão desse plano terapêutico devem ser realizados periodicamente, para detecção precoce de falha ou à medida que novas necessidades surjam.
Mensagens finais
- A AGA é um instrumento multidimensional para identificação de problemas de saúde e elaboração de plano de cuidado para idosos, especialmente aqueles mais vulneráveis;
- A avaliação geriátrica ampla (AGA) deve ser administrada em conjunto com o exame clínico tradicional e por profissionais devidamente treinados;
- Os principais componentes da AGA são funcionalidade, cognição, humor, estado nutricional, sensorial, mobilidade/quedas, e suporte social, mas outros domínios podem ser acrescentados ou modificados em contextos clínicos específicos;
- Os desafios para implementação da AGA envolvem a adaptação do instrumento para cada cenário de cuidado e a integração apropriada dos diferentes membros da equipe multiprofissional.
Referências bibliográficas:
- Pilotto A, Cella A, Pilotto A, Daragjati J, Veronese N, Musacchio C, et al. Three decades of comprehensive geriatric assessment: evidence coming from different healthcare settings and specific clinical conditions. J Am Med Dir Assoc. 2017;18(2):192.e1-192.e11.
- Matthews DA. Dr. Marjory Warren and the origin of British geriatrics. J Am Geriatr Soc. 1984;32(4):253–8.
- Ellis G, Gardner M, Tsiachristas A, Langhorne P, Burke O, Harwood RH, et al. Comprehensive geriatric assessment for older adults admitted to hospital. Cochrane Database Syst Rev. 2017 set;9:CD006211.
- Partridge JSL, Harari D, Martin FC, Dhesi JK. The impact of pre-operative comprehensive geriatric assessment on postoperative outcomes in older patients undergoing scheduled surgery: a systematic review. 2014 jan;69 (supl 1):8–16.
- Eamer G, Taheri A, Chen SS, Daviduck Q, Chambers T, Shi X, et al. Comprehensive geriatric assessment for older people admitted to a surgical service. Cochrane Database Syst Rev. 2018 jan;1:CD012485.
- Takahashi SF, Garcez FB, Aliberti MJR. Avaliação geriátrica ampla. In: Cabrera M, Cunha UGV. PROGER Programa de Atualização em Geriatria e Gerontologia: Ciclo 6. Porto Alegre: Artmed Panamericana, 2020.
- Aliberti MJR, Covinsky KE, Apolinario D, Smith AK, Lee SJ, Fortes-Filho SQ, et al. 10-Minute Targeted Geriatric Assessment predicts disability and hospitalization in fast-paced acute care settings. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2019 set 15;74(10):1637-42.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.