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Neurologia1 março 2024

Atualização sobre Síndrome de Guillain-Barré

A vacinação ainda persiste como fator controverso na literatura quanto a ser ou não fator predisponente para síndrome de Guillain-Barré.
Por Danielle Calil
A síndrome de Guillain-Barré (GBS) é uma polirradiculoneuropatia inflamatória aguda e imunomediada que representa uma das emergências neuromusculares mais frequentes globalmente. Pelo menos 20% dos pacientes com essa condição podem evoluir com prognóstico ruim e sequelas significantes a despeito de receberem o tratamento disponível. É distúrbio heterogêneo que pode envolver diversos fenótipos, características eletrofisiológicas e desfechos.   Veja também: Paralisia de Bell: o que eu preciso saber?

Epidemiologia 

Trata-se de doença relativamente rara, com incidência global estimada em 0.81-1.91 casos a cada 100 mil pessoas-ano, segundo dados na Europa e América do Norte. A síndrome de Guillain-Barré comumente afeta mais homens do que mulheres, apresentando um risco maior de incidência em indivíduos mais idosos.  Os fatores de risco para essa condição são diversos em literatura. Causas infecciosas são reportadas como os eventos antecedentes mais prevalentes. O agente etiológico infeccioso mais associado como predisponente à síndrome de Guillain-Barré é o Campylobacter jejuni (30% dos casos), em que dados sugerem que pode apresentar uma das apresentações de GBS mais graves. Por outro lado, há diversos fatores não infecciosos já associados na literatura como eventos precedentes como: trauma, cirurgias, medicamentos (incluindo inibidores imunológicos checkpoint) e outros distúrbios sistêmicos. A vacinação ainda persiste como fator controverso na literatura quanto a ser ou não fator predisponente para síndrome de Guillain-Barré.

Manifestações clínicas da síndrome de Guillain-Barré

As apresentações heterogêneas de síndrome de Guillain-Barré apresentam um curso clínico constituído em quatro fases:  Fase prodrômica: caracterizado por evento antecedente (infeccioso ou não) que desepenha um papel de gatilho no processo imunomediado.  Fase progressiva: Desenvolvimento de sintomas de sistema nervoso periférico, que, por definição, não devem progredir além de 4 semanas. Os sintomas de sistema nervoso periférico apresentam, tipicamente, um nadir clínico de 2 semanas, contudo, pode acontecer de sintomas como fraqueza apresentarem uma rápida progressão, sendo possível ocorrer insuficiência respiratória com necessidade de suporte ventilatório invasivo entre 12-24 horas do início dos sintomas.  Fase em platô: Fase de estabilização dos sintomas, que pode durar entre 1 e 4 semanas.  Fase de recuperação: Pode durar diversos meses.  Na maioria dos casos (~95%), o curso da doença é monofásico. Ainda assim, em 5% dos casos remanescentes pode ocorrer certa recorrência. Contudo, pacientes que apresentem mais de 3 novos surto ou progressão além de 8 semanas, é importante considerar o diagnóstico de polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória crônica (CIDP).  Entre as formas de apresentação da síndrome de Guillain-Barré, a polirradiculopatia inflamatória desmielinizante aguda (AIDP) é o subtipo mais comum ─ presente em torno de 95-90% dos casos nos Estados Unidos e na Europa.  Após a fase prodrômica (geralmente em intervalo aproximado de 10 dias), o paciente pode apresentar sintomas muito precoces como acroparestesias e dor lombar baixa (referente à inflamação de raízes nervosas), geralmente reportados em 2/3 dos casos. Pode ocorrer desses sintomas sensitivos não refletirem alteração de sensibilidade objetiva (que geralmente é leve e ocorre em fases mais tardias).   As manifestações mais clássicas de GBS cursam com acometimento motor, apresentando fraqueza muscular simétrica que envolve musculatura proximal e distal. É mais comum ocorrer o padrão de fraqueza muscular ascendente (acometimento inicial de membros inferiores com progressão posterior para membros superiores) do que descendente. Em 90% dos casos, a fraqueza muscular é acompanhada por hiporreflexia ou arreflexia, embora em alguns casos pode ocorrer alteração de reflexos após uma semana. Envolvimento de nervos cranianos está descrito nessa síndrome, com acometimento facial (50%), orofaríngeo (40%) e musculatura ocular extrínseca (5-15%) dos casos. Acometimento de musculatura respiratória também é descrita na doença com possibilidade de indicação de suporte ventilatório invasivo em 10-30% dos casos. Disautonomia é outro sinal que pode ser encontrado em 2/3 dos casos dessa população, com variáveis níveis de gravidade, alguns podendo cursar com labilidade pressória e hipotensão postural e outros com arritimias cardíacas e até cardiomiopatia de takotsubo.  

Variantes clínicas da síndrome de Guillain-Barré

A classificação de GBS pode ocorrer por via clínica ou neurofisiológica. Na avaliação clínica, pode ocorrer predomínio de fraqueza muscular ou não. Enquanto na avaliação neurofisiológica, pode ter acometimento desmielinizante ou axonal. Nesse contexto, GBS apresenta uma síndrome diversa que, embora a AIDP seja a forma mais prevalente, há variantes que valem a pena serem destacadas nessa revisão. 

Variantes axonais

As variantes axonais constituem-se da neuropatia aguda motora axonal (AMAN) e da neuropatia aguda sensitiva-motora axonal (AMSAN). Ainda que o acometimento sensitivo seja uma diferença entre essas variantes, ambas possuem outras diferenças. Clinicamente, a forma AMSAN é mais grave, com frequente acometimento de nervos cranianos e de disautonomia. Por outro lado, a AMAN pode apresentar reflexos tendinosos profundos normais ou até exagerados. 

Síndrome de Miller-Fischer 

A síndrome de Miller Fisher é um espectro de doenças com presença de anticorpos antigangliosídeo GQ1b em aproximadamente 85-90% dos casos. A forma completa dessa variante constitui da tríade de oftalmoplegia, ataxia e arreflexia. Além disso, a encefalite de Bickerstaff é um distúrbio possível relatado nesse espectro, em que os pacientes podem apresentar alteração do nível de consciência e hiperreflexia paradoxal.  Pode acontecer de alguns pacientes apresentarem um overlap de características clínicas de síndrome de Guillain-Barré com algumas manifestações presentes na variante de Miller Fisher.  

Exames complementares e diagnóstico 

O diagnóstico de GBS é realizado a partir de uma conjuntura das manifestações clínicas com exames complementares. 

Revisão laboratorial 

É sugerido realização de exames laboratoriais a fim de excluir causas infectometabólicas que possam ocasionar fraqueza muscular aguda, sendo sugerido painel incluindo: hemograma completo, perfil metabólico extenso, hemoglobina glicada e hormônios tireoideanos. Testes toxicológicos e marcadores de vasculite podem ser considerados a depender da história clínica.  Leia ainda: Manejo de problemas neurológicos em crianças sob VMID em domicílio

Raquicentese 

A análise do líquido cefalorraquidiano é importante para suportar o diagnóstico da GBS, assim como para excluir outras etiologias. O achado clássico da síndrome de Guillain-Barré é apresentar LCR que evidencie uma dissociação albuminocitológica, isto é, uma elevação da proteinorraquia (em decorrrência do aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálico em nível proximal das raízes nervosas) com uma contagem normal de células no líquor.  Há casos de níveis normais de proteinorraquia ao realizar a raquicentese na primeira semana do início dos sintomas (em 50% dos casos), com probabilidade de aumentar para 90% dos casos até o final da segunda semana.  Pode ocorrer uma leve pleocitose em líquor (em torno de 10-20 células/mm³) em 5% dos casos, mas a presença de pleocitose importante (acima de 50 células/mm³) deve sugerir causas alternativas.  

Estudo neurofisiológico na síndrome de Guillain-Barré

A eletroneuromiografia é exame que possibilita confirmar o diagnóstico (através de critérios eletrofisiológicos), excluir diagnósticos diferenciais e ofertar informação prognóstica dos subtipos de GBS axonais e desmielinizantes.  Para uma definição eletrodiagnóstica acurada desses subtipos, recomenda-se a realização de dois estudos neurofisiológicos com intervalo entre eles em uma a três semanas.  Achados comuns nas variantes desmielinizante de GBS são: ausência de ondas F ou prolongamento de latência precoce dessas ondas, ausência de reflexo H, aumento da latência distal e bloqueio de condução com dispersão temporal no estudo de condução motora. Além disso, a preservação do potencial de ação sensitivo do nervo sural quando há ausência ou redução de resposta sensitiva de membros superiores aumenta a suspeição para GBS ao evidenciar uma neuropatia não comprimento-dependente. 

Neuroimagem 

A realização de ressonância magnética de neuroeixo com contraste é uma ferramenta que pode auxiliar na investigação de síndrome de Guillain-Barré com apresentação atípica ou evidência de sinais de alarme, não sendo, portanto, exame complementar de rotina. Em casos de GBS, a RM pode revelar espessamento ou realce por contraste de raízes nervosas intratecais e de cauda equina com uma sensibilidade de 83%, suportando o diagnóstico de GBS.  

Tratamento da síndrome de Guillain-Barré

Terapia de suporte na síndrome de Guillain-Barré

O tratamento de suporte é um dos principais pilares no manejo de síndrome de Guillain-Barré. Alguns pacientes devem inclusive necessitar de vigilância em unidade de terapia intensiva, destacando-se os casos em que apresente pelo menos um desses fatores: disautonomia, sintomas bulbares, fraqueza muscular grave ou com piora rapidamente progressiva (particularmente afetando região cervical ou flexores do quadril) e sinais de estresse respiratório.  O status respiratório desses pacientes pode ser avaliado através da frequência respiratória, do uso de musculatura acessória da respiração, a capacidade respiratória (avaliar até onde o paciente consegue realizar a contagem de números durante a fase expiratória da respiração após uma inspiração profunda; caso esse paciente seja inábil a contar além do número 15, isso pode indicar uma necessidade subsequente de ventilação mecânica) e redução de força para tosse. A regra "20/30/40" também auxilia nessa avaliação, considerando testes de função pulmonar à beira leito em que há risco para insuficiência respiratória àqueles pacientes que apresentarem capacidade vital < 20ml/kg, pressão máxima inspiratória < 30cmH20 ou pressão expiratória máxima < 40cmH20.  Há indicação de monitorização do status respiratória a cada 2-4 horas para pacientes com síndrome de Guillain-Barré na fase aguda, sendo que um rápido declínio no status respiratório, isto é: uma queda acima de 30% em 24 horas, deve indicar transferência para UTI. Em casos de pacientes com fraqueza muscular leve e com estabilidade clínica por pelo menos 2-3 dias, a frequência de monitoramento do status respiratório pode ser a cada 6-8 horas.  Nem todos os pacientes com GBS vão precisar de admissão em UTI. Àqueles que se apresentam ao pronto socorro em fase clínica do nadir ou que experimentam um declínio modesto dos sintomas nos últimos dias e ainda mantenham função de deambulação podem ser tratados em ambiente de enfermaria com monitoramento.  

Terapia farmacológica: IgIV ou plasmaferese?  

As imunoterapias disponíveis para tratamento de GBS são imunoglobulina intravenosa (IgIV) e plasmaférese. Tanto a prescrição de IgIV em até 2 semanas quanto de plasmaférese em até 4 semanas após início dos sintomas respectivamente mostrara-se efetivas para reduzir o tempo de recuperação em 40-50% dos pacientes com GBS que apresentem dificuldade em deambular em distância de 10 metros de forma independente. É importante ressaltar, por outro lado, que nenhuma dessas duas terapias possui evidências de interromper o processo de progressão da doença ou alterar o grau do dano ao nervo.  IgIV é administrada na dose de 0.4g/kg/dia por 5 dias ou 1g/kg/dia por 2 dias. Os efeitos adversos incluem reações transfusionais, cefaleia e tromboembolismo. Já a plasmaférese, administrada (200-250ml plasma/kg) através de 5 sessões por 10 dias, apresenta efeitos adversos como hipotensão, sepse, reações transfusionais, trombocitopenia e hipocalcemia.  

E quando o paciente não responde à imunoterapia inicial? 

Há estimativa de que 40% dos casos podem reportar ausência de melhora clínica após alcançar as 4 semanas, mesmo depois da realização de imunoterapia e de diagnósticos diferenciais terem sido excluídos.  Ainda não há evidência sólida para a abordagem terapêutica de casos de GBS em que há resposta clínica insuficiente à primeira imunoterapia administrada, isso tanto para casos em que se considere repetir o tratamento (seja IgIV ou plasmaférese) como avaliar troca de uma imunoterapia para outra (IgIV para plasmaférese). É orientado evitar realização de plasmaférese após administração de imunoglobulina venosa diante da possibilidade dessa abordagem ser potencialmente contraprodutiva (plasmaférese poder remover as imunoglobulinas anteriormente administradas).   Saiba mais: Prescrever ou não prescrever AAS em infarto lacunar assintomático?

Há indicação para corticoterapia? Resposta breve: não! 

Os corticosteroides não auxiliam na redução de inflamação ou na redução da progressão da doença conforme ensaios clínicos randomizados e controlados feitos previamente. Não foi demonstrado benefício dessa terapia de acordo com esses estudos. Além disso, foi demonstrado que o tratamento de corticosteroide oral apresentou impacto negativo nos desfechos clínicos dessa população. 
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Referências bibliográficas

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