As crises epilépticas pertencem a uma das principais manifestações neurológicas responsáveis por pacientes procurarem serviços de emergência e urgência.
A grande maioria das crises epilépticas são autolimitadas. Contudo, por outro lado, o status epilepticus é emergência neurológica resultante ou da falha dos mecanismos responsáveis pela interrupção da crise epiléptica ou da ativação de mecanismos que levam a crises anormalmente prolongadas após o ponto temporal t1 ─ que, nos casos de status convulsivo, ocorrem após o tempo de 5 minutos.
Uma atualização sobre manejo de crise epiléptica e de status epilepticus foi um dos temas discutidos no segundo dia do Annual Meeting da American Academy of Neurology esse ano em San Diego.
Considerações no manejo da crise epiléptica isolada intra-hospitalar
Após uma primeira crise epiléptica, o risco de uma segunda crise é de aproximadamente 36% em 2 anos e 46% após 5 anos. Esse risco pode dobrar na presença de descargas epileptiformes no EEG, anormalidade em exames de imagem cerebral, primeira crise noturna ou traumatismo craniano prévio.
Alguns estudos mostraram que até 7% dos casos de crise epiléptica podem evoluir para status epilepticus durante a hospitalização.
Um aspecto clínico que aumenta o risco para um cenário mais grave são casos de pacientes que não apresentaram recuperação completa da consciência (ex. confusão mental, amnésia, comportamentos bizarros) após o evento epiléptico. Nessas circunstâncias, é aventar a possibilidade de evolução para status epilepticus não convulsivo), de modo que o uso do EEG seja fundamental.
Em casos de dificuldade de acesso ao EEG, esse mesmo palestrante apresenta uma ferramenta chamada ADAN scale (ilustrada abaixo), que auxilia na predição de risco para status epilepticus em pacientes com dificuldade de recuperação completa da consciência após episódio de crise epilépticas. O escore da ADAN scale pode ofertar informações acerca de um risco baixo (resultado zero ou 1), risco moderado (resultado equivalente a 2) e alto risco (escore > 2). A presença de escore de ADAN scale > 1 pode predizer status epilepticus com sensibilidade de 95.3% e especificidade de 95.5%, com valor preditivo positivo de 85.4% e valor preditivo negativo 98.7%.
ADAN scale | ||
Abnormal speech (Fala anormal) | Não | 0 |
Sim | 1 | |
Eye Deviation (Desvio dos olhos) | Não | 0 |
Sim | 1 | |
Automatisms
(automatismos) | Não | 0 |
Sim | 1 | |
Number of prehospital seizures
(número de crises epilépticas pré-hospitalares) | 0-1 | 0 |
2 | 1 | |
> 2 | 2 | |
Escore total | (0-5) |
Considerações no manejo de cluster de crises epilépticas
Crises epilépticas que ocorrem de forma repetitiva são frequentemente chamadas de clusters ou agrupamentos de crises. Em torno de 20% dos clusters de crises epilépticas podem apresentar risco entre 2-3 vezes em evoluir para status epilepticus (odds ratio entre 1.8 e 3). Em todos os casos de cluster de crises epilépticas, o tratamento deve ser rápido e eficaz, seguindo a estratégia REST (Rapid and Early Seizure Termination).
Considerações no manejo de status epilepticus
O status epilepticus é condição resultante ou da falha dos mecanismos responsáveis pela interrupção da crise epiléptica, ou da ativação de mecanismos que levam a crises anormalmente prolongadas após o ponto temporal “t1” e, casos as terapias para abortar a crise sejam má sucedidas até alcançar o ponto temporal “t2”, há risco para consequências de longo prazo como injúria neuronal e óbito.
Os valores de t1 e t2 variam conforme a semiologia da crise:
▪ Crises tônico-clônicas generalizadas: t1 = 5 minutos, t2 = 30 minutos.
▪ Crises focais disperceptivas: t1 = 10 minutos, t2 > 60 minutos.
▪ Crises de ausência: t1 = 10-15 minutos, t2 é desconhecido.
Um dos pontos principais da palestra no manejo do status epilepticus é a importância do início do seu tratamento como uma variável que impacta significativamente seu prognóstico. Algumas evidências nesse contexto foram apontadas, como:
─ A administração tardia de benzodiazepínicos (> 10 minutos após o início da crise) está associada a um risco aumentado de morte (OR 11), maior necessidade de uso de medicamentos anestésicos (OR 1.8) (Gaínza-Lein M et al., JAMA Neurology, 2018)
─ O tratamento tardio do status epiléptico (>1,5 horas) está associado a um risco aumentado de desenvolvimento de epilepsia e ocorrência de crises não provocadas no longo prazo (HR = 1,89; IC 95% = 1,25–2,87). (Rodrigo-Gisbert M et al., Epilepsia, 2023)
Em estudos epidemiológicos, o tempo médio do início do status epilepticus até a chegada ao pronto-socorro, o tempo médio foi em torno de 56 minutos. Em países de baixa renda, o tempo até o tratamento é mais longo ainda. Para exemplificar, o palestrante descreveu que em Bogotá a mediana de tempo entre o início do status até a chegada ao pronto atendimento foi de 240 minutos. Outras críticas apontadas na palestra sobre problemas na assistência dessa emergência neurológica são as doses subterapêuticas dos medicamentos do protocolo e baixa aderência aos protocolos hospitalares institucionais.
Por fim, o palestrante enfatiza a formulação de estratégias como “Código de Crise Epiléptica”, com base na criação de um protocolo hospitalar, com garantia da disponibilidade de todos os medicamentos, com treinamento acadêmico dos profissionais envolvidos e, de fato, com a implementação de um protocolo hospitalar. A aplicação dessa estratégia viabiliza a redução dos tempos de tratamento, do tempo de internação hospitalar, do risco de uso inapropriado de benzodiazepínicos e reduz a recorrência de crises epilépticas intra-hospitalares e, também, da mortalidade intra-hospitalar.
Comentários finais
Ainda há espaço para aprimorar a assistência clínica de crises epilépticas, principalmente por status epilepticus. A principal impressão da palestra foi enfatizar a necessidade de implementação de protocolos hospitalares que possam fornecer uma assistência mais rápida e fortalecer o treinamento da equipe hospitalar diante dessa condição com a finalidade, portanto, de um manejo de status epilepticus mais eficaz.
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