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Neurologia8 abril 2025

AAN 2025: Abordagem para neuralgia do trigêmeo e seus mimetizadores

O Professor Paul G. Mathew, da Harvard Medical School, abordou o reconhecimento clínico, potenciais causas e o manejo terapêutico da neuralgia do trigêmeo. 
Por Danielle Calil

As neuralgias cranianas são síndromes caracterizadas por episódios breves, porém intensos, de dor com distribuição específica em determinados nervos cranianos. Apesar de relativamente raras, o reconhecimento dessas condições permite diagnóstico mais preciso e intervenção terapêutica precoce — algo crucial diante do grau de incapacidade que a dor pode gerar nos pacientes acometidos.

A neuralgia do trigêmeo é a forma mais comum entre essas síndromes. No entanto, seu diagnóstico pode ser desafiador, especialmente frente a outras condições orofaciais que compartilham características clínicas semelhantes, mas exigem abordagens terapêuticas distintas. Por isso, é fundamental que o médico esteja atualizado quanto aos critérios diagnósticos e opções de manejo. 

No terceiro dia do Annual Meeting da American Academy of Neurology 2025, há mesa dedicada ao tema de abordagem à neuralgia do trigêmeo e a dores orofaciais.  

Neuralgia do trigêmeo 

O Professor Paul G. Mathew, da Harvard Medical School, abordou o reconhecimento clínico, potenciais causas e o manejo terapêutico da neuralgia do trigêmeo. 

A neuralgia do trigêmeo clássica, previamente conhecida como “tic douloureux”, cursa com episódios paroxísticos de dor facial unilateral na distribuição de uma ou mais divisões do nervo trigêmeo (sem irradiação além dessa área), com grave intensidade, curtíssima duração (geralmente uma fração de segundo até 2 minutos), qualidade semelhante a “choque elétrico”, podendo ser precipitada por estímulos inócuos dentro da distribuição trigeminal afetada. A neuralgia trigeminal clássica não apresenta geralmente uma causa aparente além de potencial compressão neurovascular. 

Há casos de neuralgia do trigêmeo que podem ser secundárias a outras condições médicas, como: neuralgia pós-herpética, neuropatia trigeminal pós-traumática, esclerose múltipla, meningioma cerebelo-pontino, neuroma acústico, malformações arteriovenosas etc. De acordo com evidências prévias já publicadas na AAN, essas causas estruturais são resultantes em torno de 15% dos casos de neuralgia do trigêmeo. Alguns aspectos clínicos que podem apontar para aumento de risco de lesão estrutural subjacente são: déficits de sensibilidade no exame neurológico em território de nervo trigêmeo (apontando, portanto, uma neuropatia desse nervo craniano), envolvimento bilateral do nervo trigêmeo e faixa etária de jovens. 

O manejo terapêutico farmacológico de neuralgia do trigêmeo consiste em medicamentos como carbamazepina (nível A), oxcarbazepina (nível B), baclofeno (nível C) e lamotrigina (nível C). Estudos menores já mostraram evidências com outras drogas como fenitoína, gabapentina, pregabalina e topiramato. Em contextos de episódios dolorosos refratários e em contexto de pronto-socorro, podem ser considerados formulação intravenosa de levetiracetam, fenitoína e ácido valpróico. 

A opção cirúrgica é considerada em casos resistentes à farmacoterapia. Há diversas técnicas cirúrgicas que podem ser consideradas: (1) descompressão microvascular e (2) procedimentos de denervação, como rizotomia trigeminal percutânea (podendo ser feita através de radiofrequência, aplicação de glicerol ou compressão com balão) e radiocirurgia estereotática com Gamma Knife. 

Outras dores orofaciais 

Conhecer outras dores orofaciais possibilita ampliar o leque de diagnósticos diferenciais e, portanto, aprimorar a assistência clínica de indivíduos acometidos. Os mimetizadores de neuralgia do trigêmeo foram discutidos tanto pelo Prof. Paul G. Mathew, como também pela Prof. Marcela Romero (University of Maryland, Baltimore). 

Durante a palestra, os seguintes diagnósticos diferenciais foram abordados, sendo compartilhadas algumas dicas para diferenciá-las de neuralgia do trigêmeo: 

  • Cefaleia primária em pontadas: Trata-se de cefaleia em pontadas, intensas, com duração de 1-2 segundos, com localização variável (qualquer área da cabeça, geralmente mais comum em vértice), sem gatilhos claros e sem sintomas neurológicos associados. Algumas dicas para diferenciá-la de neuralgia do trigêmeo são: múltiplas localizações da dor sem achados significantes no exame físico (ao contrário de neuralgia do trigêmeo, em que a localização é mais fixa e no exame físico há como precipitar a dor através do estímulo sensitivo no território trigeminal). 
  • Dor odontogênica: Dor de qualidade latejante e pulsátil, em que a intensidade da dor pode variar entre grau leve a intensa, violenta e intolerável. Nessas circunstâncias, é importante descartar a possibilidade de dor pulpar (ou pulpite), sendo a avaliação de um odontologista essencial. 
  • Dor neuropática trigeminal pós-traumática: Trata-se de resposta mal adaptativa cursando com dor em região orofacial que pode surgir após a sensibilização causada por lesão nervosa secundária a procedimentos odontológicos, a trauma facial e a neoplasias. Nesse tipo de dor orofacial, a dor está presente a outros sintomas e/ou sinais clínicos de disfunção do nervo trigêmeo, com duração persistente ou recorrente por mais de 3 meses. Ainda nesses casos, é observado histórico de múltiplas e repetidas consultas com diferentes especialistas além de o paciente já ter sido submetido a vários tratamentos. A palestrante orienta considerar esse diagnóstico em casos de: histórico de procedimento odontológico com início de dor dentro de 6 meses após a injúria e dor sem período de remissão. 
  • Disfunção temporo-mandibular (DTM): É um conjunto de alterações clínicas envolvendo a articulação temporomandibular e/ou musculatura mastigatória, além de estruturas associadas. Essas alterações podem se manifestar clinicamente como cefaleia, dor de ouvido, dor na mandíbula, dor à mastigação, além de serem acompanhadas por ruídos articulares e limitação da abertura bucal. No exame físico, pode ser esperado na avaliação da articulação temporomandibular, sinais como artralgia, subluxação e limitação da abertura bucal. Além disso, gatilho de dor à digitopressão de músculos mastigatórios (ex. masseter e temporalis), sendo esses pontos de gatilho musculares responsáveis na possibilidade de irradiar para dor em regiões dentárias. É possível diferenciar a DTM de neuralgia do trigêmeo considerando pontos, como: dor com localização em territórios que não se limitam ao dermátomo trigeminal, dor associada ou agravada com funções como mastigação e sem períodos de remissão. 
  • Síndrome da primeira mordida: É uma síndrome que pode ocorrer como sintoma de tumores na glândula parótida ou no espaço parafaríngeo, assim como é uma possível complicação de cirurgias de cabeça e pescoço. Costuma se manifestar com dor na região da parótida ou mandíbula inferior quando a pessoa dá a primeira mordida de uma refeição. 
  • SUNCT/SUNA: Pertencem ao grupo de cefaleias primárias trigeminoautonômicas. A cefaleia SUNCT e SUNA proporcionam cefaleia unilateral, moderada ou intensa, com frequência de pelo menos um episódio de dor ao dia, predominantemente no território do ramo V1 do nervo trigêmeo, qualidade em pontadas ou “padrão de serra”, com duração de 1 a 600 segundos. A grande diferença da SUNCT e SUNA para a neuralgia do trigêmeo é a presença de sintomas autonômicos cranianos proeminentes, como: lacrimejamento, congestão nasal, edema palpebral, sudorese/rubor em face, miose e/ou ptose (geralmente ipsilaterais ao lado da dor). 
  • Dor facial idiopática persistente: Anteriormente era conhecida como dor facial atípica. Atualmente, é termo reconhecido pela ICHD-3, aplicado quando já foram descartadas outras etiologias evidentes e na ausência de qualquer déficit neurológico. É descrita como dor “surda”, profunda ou superficial, podendo ser difusa, que não segue distribuições neuroanatômicas, podendo apresentar alterações sensitivas subjetivas leves. 
  • Dor dentária idiopática persistente: Anteriormente era conhecida como dor dentoalveolar atípica ou “dor de dente fantasma”. Trata-se de dor persistente unilateral intraoral dentoalveolar (logo, raramente ocorre em múltiplos sítios), recorrendo diariamente com duração > 2h/dia por ≥ 3 meses, na ausência de qualquer evento precipitante (ex. cirurgia, procedimento dentário ou último procedimento dentário em intervalo acima de 6 meses). Também se trata de diagnóstico de exclusão. 

Comentários finais 

Uma programação nesse congresso dedicada a discutir sobre neuralgia do trigêmeo e outras potenciais causas ressalta o desafio e a necessidade de realizar um diagnóstico preciso, a fim de que seja evitado iatrogenias (como procedimentos odontológicos irreversíveis e sem necessidade) e seja prescrita corretamente a intervenção terapêutica adequada. Em casos de dúvidas diagnósticas, a interface entre o neurologista e o odontologista especializado em dores orofaciais é fundamental. 

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Referências bibliográficas

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