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Nefrologia11 setembro 2025

CPN 2025: Evidências recentes da doença óssea na DRC

Durante o Congresso Paulista de Nefrologia (CPN 2025), uma mesa redonda abordou as atualizações em DRC-DMO e trouxe o atual contexto sobre Doença Mineral-óssea na DRC
Por Ester Ribeiro

Durante o Congresso Paulista de Nefrologia de 2025, uma mesa redonda, moderada pelo Dr. Aluizio Barbosa de Carvalho e pela Dra. Vanda Jorgetti, nos atualizou sobre DRC-DMO, discutida pela Dra. Carolina Steller Wagner Ferreira, Dra. Rosa Maria Affonso Moyses e pelo Dr. Thomas L. Nickolas (Washington University), abrilhantando o Congresso Paulista de Nefrologia e trazendo o atual contexto da discussão sobre Doença Mineral-óssea na DRC. 

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Doença óssea 

A doença óssea é uma das complicações mais frequentes e graves da DRC, pois mescla a osteodistrofia renal a uma osteoporose de alto risco – os limites entre essas duas patologias são incertos no paciente renal crônico. Pacientes com DRC apresentam alterações marcantes no metabolismo mineral, o que leva a anormalidades na morfologia óssea, além de calcificações extraósseas cardiovasculares. Esses distúrbios metabólicos estão fortemente associados ao aumento da morbimortalidade, em particular à maior incidência de fraturas – cujo risco é até cinco vezes maior que na população geral à medida que a função glomerular diminui – e de eventos cardiovasculares. 

Distúrbio mineral e ósseo 

O termo DMO-DRC (distúrbio mineral e ósseo da DRC) abrange essas alterações, que incluem múltiplos mecanismos: disfunção do metabolismo de vitamina D, hiperparatireoidismo secundário (PTH elevado), elevação de FGF23 e esclerostina, e deficiência de klotho.  

Estudos experimentais recentes mostram que a DRC leva à inflamação óssea, morte celular no tecido ósseo e resistência diferenciada ao PTH em diferentes compartimentos (cortical vs. trabecular). Esse fenômeno se traduz em formação óssea insuficiente e reabsorção excessiva, prejudicando o anabolismo ósseo e promovendo o acúmulo de matriz não mineralizada, enquanto o excesso de PTH favorece principalmente a reabsorção óssea, resultando em desacoplamento entre formação e reabsorção. 

Esses achados sugerem vias moleculares distintas: a uremia crônica ativa genes de osteoclastogênese e inibe a mineralização óssea, ao passo que o excesso de PTH estimula vias osteoblásticas de formação óssea. 

Evidências de análises moleculares da DMO 

Em termos moleculares, evidências recentes reforçam que a doença mineral-óssea (DMO) é caracterizada por alterações permanentes nas populações celulares do osso, associadas a matriz de baixa qualidade e resistência comprometida. A transcriptômica de células ósseas surge como uma ferramenta promissora para dissecar esses mecanismos: análises de RNA de tecido ósseo de pacientes com DRC revelam perfis gênicos distintos, e o uso de técnicas de célula única (scRNA-seq) pode permitir a identificação de subpopulações de osteoblastos e osteócitos alterados na DMO. 

Essas abordagens são urgentes, pois até agora as estratégias terapêuticas são limitadas e voltadas principalmente a normalizar níveis séricos (fósforo, cálcio, PTH), sem tratamentos específicos comprovados para restaurar a integridade óssea ou, em alguns casos, a própria mortalidade dos pacientes. Ainda há muito o que se estudar em busca de novos alvos diagnósticos e terapêuticos. 

Diretrizes clínicas: da K/DOQI ao KDIGO 

As primeiras diretrizes em DRC e MBD surgiram pela NKF (EUA) nos anos 90 (K/DOQI), estabelecendo metas de fósforo, cálcio e PTH. Em 2003, o KDIGO (organização global de guidelines renais) foi criado, lançando em 2009/2017 recomendações internacionais (atualizadas em 2017) para o manejo de CKD-MBD. 

Embora em grande parte endossando o que já se sabia, conferências recentes identificam a necessidade de atualizar o framework: ao invés de separar biópsia óssea, metabolismo e vascular como tópicos isolados, propõe-se enquadrar a DRC-MBD como duas síndromes clínicas interligadas – osteoporose associada à DRC (maior risco de fraturas) e doença cardiovascular associada à DRC (incluindo calcificações vasculares e valvulares). Esse consenso da conferência KDIGO 2023 enfatizou que as manifestações ósseas e cardiovasculares da DRC-MBD são complexas e requerem abordagem personalizada, voltada ao paciente como um todo. 

Na prática, as diretrizes atuais passaram a reconhecer que pacientes com DRC são sobretudo pessoas cujas metas terapêuticas devem considerar qualidade de vida e preferências individuais. As recomendações KDIGO mais recentes sugerem avaliar densidade mineral óssea e tratar osteoporose em CKD 45D de modo semelhante à população geral, desde que influencie decisões clínicas.  

Ao mesmo tempo, alertam que níveis muito baixos ou muito altos de PTH prejudicam o osso: um PTH moderadamente elevado é desejável em pacientes em diálise para evitar osteoporose excessiva, mas o nível ótimo que maximize formação sem aumentar a porosidade cortical ainda é incerto, exigindo individualização. Em linha com essa visão centrada no indivíduo, o KDIGO adota lema popular entre clínicos: “Não é a doença que define o paciente, mas sim a pessoa, com suas escolhas.” 

Calcificação vascular: impacto clínico e incertezas 

A calcificação arterial é uma das manifestações extraósseas mais temidas na DRC, por estar associada a aumento da rigidez arterial e eventos cardiovasculares. Sabe-se que é um processo ativo de mineralização da parede vascular, impulsionado pelas mesmas perturbações de cálcio/fósforo e PTH da DRC. Estudos destacam que a presença de calcificação coronariana ou de grandes vasos duplica o risco de morte cardiovascular nesses pacientes. 

A Conferência KDIGO de 2023 reafirmou que a calcificação vascular é um marcador-chave de pior prognóstico em CKD, mas as evidências ainda são inconclusivas sobre se sua reversão ou o monitoramento de imagens (como tomografia de cálcio, PET-F de flúor de sódio etc.) leva a melhora nos desfechos. Em outras palavras, não está claro se “tratar o cálcio” agressivamente muda de fato a mortalidade. Por isso, persiste a recomendação de individualizar estratégias (controle de fósforo, uso de quelantes, modulação de vitamina D e calcimiméticos) e, se possível, incorporar desfechos ósseos em ensaios clínicos sobre calcificação vascular. 

Uma das prioridades apontadas (KDIGO 2023) é realizar ECRs longitudinais que avaliem conjuntamente desfechos cardiovasculares e ósseos, além de incorporar preferências do paciente no manejo de cálcio/fósforo. 

Tratamentos e evidências recentes 

Vários ensaios clínicos recentes testaram intervenções sobre o metabolismo mineral da DRC, com resultados muitas vezes neutros. O trial IMPROVE-CKD (fase 3, CKD estádio 3b4) randomizou pacientes para carbonato de lantânio (quelante não cálcico) versus placebo, acompanhando rigidez arterial e calcificações por 96 semanas. O estudo não encontrou diferença significativa em rigidez ou progressão calcífica com o uso de lantânio. 

Da mesma forma, o importante ensaio LANDMARK (pacífico-asiático) comparou em diálise o carbonato de lantânio ao carbonato de cálcio, não observando redução significativa em eventos cardiovasculares com o quelante não cálcico (risco cardiovascular composto praticamente equivalente entre grupos). 

Em síntese, até o momento não há evidência robusta de que a intensificação do tratamento da hiperfosfatemia (por meio de quelantes, dieta etc.) altere de fato a sobrevida ou eventos cardiovasculares em DRC avançada. 

Em diálise, está em curso o estudo pragmático HiLo (NCT04095039), que avaliará se um alvo de fósforo mais liberal (>6,5 mg/dL) versus padrão (<5,5 mg/dL) muda sobrevida ou hospitalizações até 2027. Outros tratamentos experimentais (por exemplo, tiossulfato de sódio, decacictoferol/INOX, SNF472) têm sido propostos para calcificação vascular e calcifilaxia, mas ainda carecem de resultados definitivos. 

Por ora, a recomendação clínica é manter fósforo e PTH dentro de faixas moderadas, corrigir hipocalcemia quando presente e evitar superexposição à carga de cálcio (diálise e quelantes cálcicos). Importante: pacientes com DRC frequentemente têm osteoporose concomitante, e a terapêutica com anti-reabsortivos (bifosfonatos, denosumabe) tem sido cada vez mais usada com cautela – guias atuais recomendam seu uso individualizado quando há fragilidade óssea severa, mesmo em presença de DRC, uma vez que a densidade óssea prevê fraturas também neste contexto. 

Perspectivas futuras e pesquisa 

Entre as questões em aberto, destacam-se: definir biomarcadores precisos de turnover ósseo (além de PTH e AP óssea) para guiar o tratamento; entender melhor o papel de FGF23 e mineralocorticoides na DMO; e conduzir grandes ECRs com desfechos clínicos relevantes (fraturas, mortalidade cardiovascular, calcificações) para novas terapias. 

A comunidade internacional enfatiza ainda avaliar gênero/sexo nas desordens de fosfato, padronizar métodos de medir cristais cálcicos (CPP) e conduzir ensaios randomizados específicos para calcifilaxia. A proposta emergente é migrar de uma abordagem baseada apenas em metas laboratoriais genéricas para estratégias individualizadas – considerando fenótipo ósseo do paciente (alto vs. baixo remodelamento), preferência do paciente (qualidade de vida vs. sobrevida – ou algo entre os dois) e desfechos clínicos relevantes (fraturas, eventos cardiovasculares). 

Conclusão: por que precisamos mudar o foco na DMO 

As fraturas representam um desfecho clínico relevante em pacientes com doença crônica: além de elevarem a morbidade, estão associadas a taxas de mortalidade significativamente maiores. Na DRC, a doença óssea está intimamente relacionada ao risco de fraturas, eventos cardiovasculares e morte. 

Portanto, osteoporose e osteodistrofia renal não são doenças isoladas, mas precisamos estudar as ferramentas diagnósticas (por exemplo, densitometria, marcadores de turnover, biópsia óssea) e as intervenções (anti-reabsortivos, anabolizantes, controle do metabolismo mineral, terapias dirigidas à osteócito/esclerostina). Muito dessa decisão deve ser baseada no fenótipo individual do paciente. 

É necessária a integração entre nefrologistas, reumatologistas, geriatras e outros profissionais para avaliar melhor o metabolismo ósseo e estratégias de prevenção de fraturas em DRC, visando melhorar a sobrevida da população com DRC. 

Em resumo, a DMO-DRC permanece um problema complexo na nefrologia, que demanda atualização contínua do conhecimento e uma prática clínica equilibrada. Esse cuidado se resume na frase citada pela Dra. Rosa Maria: “alguns não querem viver mais, querem viver melhor. Quem escolhe a sua jornada é o seu próprio paciente e não a doença dele.” 

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Referências bibliográficas

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