No final do ano passado, o Reino Unido enviou uma notificação à Organização Mundial da Saúde (OMS), informando sobre a identificação de uma nova variante genética do SARS-Cov-2. Essa nova linhagem recebeu a designação de SARS-CoV-2 VUI 202012/01 (variante sob investigação, ano 2020, mês 12, variante 01).
A nova cepa descoberta do SARS-CoV-2 apresenta 14 mutações (deleções de genes e alterações de aminoácidos), sendo que uma das deleções identificadas está relacionada ao gene S (Spike). Essa mutação na sequência da proteína S leva mais precisamente a uma deleção de 6 nucleotídeos, acarretando na perda de dois aminoácidos nas posições 69 e 70 (Δ69-70).
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Com grande preocupação a comunidade científica recebeu essa notícia, na medida que gera incertezas quanto às suas implicações referentes a sua apresentação clínica, virulência, dinâmica da produção de anticorpos, testes diagnósticos in vitro e resposta vacinal, por exemplo. Dados preliminares mostram que essa variante genética, já identificada em outras partes do mundo (inclusive no Brasil), esteja ligada a um maior potencial de transmissão.
Potencial de interferência ao RT-PCR
A reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa (RT-PCR) em tempo real é a metodologia padrão-ouro para o diagnóstico do SARS-CoV-2 em pacientes na fase aguda da doença.
Embora seja uma metodologia molecular, com um ótimo desempenho analítico, a RT-PCR, como qualquer outro exame, pode ser afetada por diversos fatores. Problemas na fase pré-analítica (ex.: coleta, armazenamento, transporte da amostra), concentrações baixas e oscilações da carga viral, a presença de inibidores de PCR no RNA extraído e, até mesmo, como no caso em questão, eventuais mutações nos genes alvo podem explicar um resultado negativo em um indivíduo infectado.
Os ensaios que possuem apenas o gene S como único alvo podem apresentar uma perda de sensibilidade para essa variante, com grande potencial de gerar um resultado falso negativo, devido ao não reconhecimento da proteína S mutada. Felizmente, a grande maioria dos protocolos e kits de RT-PCR utilizados em nosso país apresentam 2 ou mais genes-alvo, como no caso do gene RdRp (RNA polimerase dependente de RNA), gene E (proteína do envelope) e gene N (proteína do nucleocapsídeo).
Conclusão
Mutações virais são comuns e esperadas, porém devemos estar sempre atentos a outras eventuais variantes do SARS-CoV-2, já que elas possuem várias implicações clínico-laboratoriais. Quando da ocorrência de resultados inesperados, o médico assistente deve entrar em contato com o Laboratório Clínico executante, a fim de discutir o caso e, se pertinente, encaminhar essas amostras para laboratórios de referência para o sequenciamento do genoma viral.
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Nos laboratórios clínicos que utilizam testes moleculares com 2 ou mais genes-alvo, essa mutação na proteína S não deve ter impacto no diagnóstico. Porém, é recomendado que os mesmos acompanhem atentamente às instruções de uso, bem como avaliem se os ensaios utilizados tiveram como referência o gene S para o seu desenvolvimento.
Referências Bibliográficas:
- Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota Técnica No 1/2021/SEI/GEVIT/GGTPS/DIRE3/ANVISA. Disponível em:https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2020/nt-da-anvisa-deteccao-de-nova-variante-de-covid-19-por-testes
- Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (BR). Comunicado Relativo ao Diagnóstico Molecular de Variantes de SARS-CoV2. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/noticias/2020/12/comunicado-relativo-ao-diagnostico-molecular-de-variantes-de-sars-cov2
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