A tuberculose (TB) continua sendo um grave problema de saúde pública no Brasil, particularmente em populações socioeconomicamente vulneráveis. Estudos têm demonstrado que condições de pobreza e desigualdade social são fatores determinantes para a incidência e mortalidade por TB. Nesse contexto, programas de transferência condicional de renda (CCT), como o Programa Bolsa Família (PBF), têm sido apontados como intervenções possivelmente capazes de mitigar o impacto da TB, embora esta associação ainda não tenha sido estudada. Nesse sentido, um artigo publicado em janeiro de 2025 na revista Nature Medicine investigou a associação entre a participação no PBF e a a incidência e a mortalidade por TB no Brasil, utilizando dados de uma coorte nacional de mais de 100 Milhões de brasileiros, entre 2004 e 2015.
O estudo utilizou um delineamento de coorte retrospectiva com dados de 54,5 milhões de indivíduos, dos quais 23,9 milhões (43,8%) eram beneficiários do PBF e 30,6 milhões (56,2%) não eram. Os desfechos principais analisados foram incidência, mortalidade e taxa de letalidade por TB. Para controlar possíveis vieses de confusão, os pesquisadores empregaram métodos estatísticos avançados, como os modelos de regressão de Poisson ponderados por probabilidade inversa do tratamento (IPTW).
Resultados
Os resultados mostraram que a exposição ao benefício do PBF foi associada a uma redução significativa na incidência de TB (RR: 0,59; IC 95%: 0,58-0,60) e na mortalidade (RR: 0,69; IC 95%: 0,65-0,73). Os efeitos mais pronunciados foram observados entre indivíduos de etnia indígena (RR: 0,37; IC 95%: 0,32-0,42, para incidência; e RR: 0,35; IC 95%: 0,20-0,62, para mortalidade) e entre indivíduos negros e pardos (RR: 0,58; IC 95%: 0,57-0,59, para incidência; e RR: 0,69; IC 95%: 0,64-0,73, para mortalidade). Além disso, a redução foi mais acentuada em indivíduos vivendo em extrema pobreza (RR: 0,49; IC 95%: 0,49-0,50, para incidência; e RR ajustado: 0,60; IC 95%: 0,55-0,65, para mortalidade).
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Os achados sugerem que o PBF tem um papel relevante na redução da carga de TB em populações vulneráveis, provavelmente por meio de melhorias nas condições de vida, acesso à saúde e segurança alimentar. O impacto foi maior entre populações historicamente marginalizadas, como indígenas, negros e pardos, refletindo a interseccionalidade entre pobreza, racismo e doenças infecciosas. Ademais, a maior efetividade entre indivíduos vivendo em extrema pobreza reforça a importância de intervenções direcionadas para os mais vulneráveis.
Os resultados deste estudo têm implicações importantes para políticas públicas e para a prática médica, sugerindo que programas de transferência de renda podem ser utilizados como estratégias complementares na luta contra a TB. A integração de políticas sociais e de saúde pode fortalecer a resposta nacional à TB, contribuindo para o alcance das metas da End TB Strategy da Organização Mundial da Saúde (OMS).
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Entretanto, é necessário aprofundar investigações sobre os mecanismos exatos pelos quais o PBF reduz a carga da TB, bem como avaliar a relação custo-benefício dessa abordagem. Estudos futuros poderiam explorar aspectos qualitativos, como percepções da população beneficiária sobre o impacto do programa na saúde.
Conclusão
O estudo publicado na Nature Medicine fornece evidências sólidas de que programas de transferência condicional de renda, como o PBF, têm um impacto positivo na redução da incidência e mortalidade por TB, especialmente entre populações vulneráveis. Esses achados reforçam a necessidade de manutenção e ampliação de políticas públicas intersetoriais que abordem os determinantes sociais da saúde e sua evidente influência no processo saúde-doença dos nossos pacientes.
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