Recrutamento alveolar, fazer ou não?
Será que o recrutamento alveolar deve ser utilizado nos pacientes com SDRA? Será que a manobra traz mais riscos ou mais benefícios?
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A síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA no português, ARDS no inglês) é caracterizada por pulmões com regiões de colapso, extravasamento alveolar e consolidação, o que reduz a capacidade funcional pulmonar. Ela é relacionada com pacientes críticos e é associada com maior mortalidade deles.
Com a evolução do conhecimento da fisiologia pulmonar, dos aparelhos de ventilação mecânica e do conhecimento da fisiopatogenia da SDRA, algumas estratégias foram desenvolvidas com o intuito de reduzir a mortalidade associada à síndrome. Uma das estratégias elaboradas foi o recrutamento alveolar, na qual aplica-se um protocolo com elevações progressivas das pressões ventilatórias. O intuito seria abrir as áreas mais acometidas pela SDRA e aumentar a capacidade funcional pulmonar.
Contudo, o recrutamento alveolar não é isento de riscos. A elevação da PEEP aumenta as pressões nas câmaras cardíacas, o que reduz o retorno venoso e o débito cardíaco. Por isso, um cuidado ao se tentar realizar o recrutamento alveolar é garantir que o paciente está euvolêmico e ter drogas vasoativas preparadas para uso.
A dúvida ainda pairava na cabeça de alguns, será que o recrutamento alveolar deve ser utilizado nos pacientes com SDRA? Será que a manobra traz mais riscos ou mais benefícios? Com o intuito de responder essa pergunta, foi desenvolvido um estudo multicêntrico envolvendo 120 unidades de cuidados intensivos de nove países, incluindo diversas unidades brasileiras.
Os pacientes incluídos tinham mais de 18 anos, ARDS moderada ou grave, estabilidade hemodinâmica nas últimas 72 horas e ausência de contraindicações ao recrutamento (pneumotórax, síndrome coronariana aguda e outros). Eles foram randomizados em dois grupos: um grupo recebia ventilação de acordo com o protocolo ARDSNet e outro grupo recebia a manobra de recrutamento alveolar.
O desfecho primário do estudo foi a mortalidade em 28 dias. Desfechos secundários incluíram: tempo na UTI e no hospital, pneumotórax requisitando drenagem em 7 dias, barotrauma em 7 dias, mortalidade em 6 meses. Cerca de 500 pacientes foram incluídos e analisados em cada grupo do estudo.
Mais do autor: ‘Como melhorar o atendimento à parada cardiorrespiratória?’
Os pacientes randomizados para o grupo intervenção recebiam o recrutamento alveolar após reavaliação hemodinâmica e bloqueio neuromuscular. O recrutamento alveolar era realizado da seguinte forma: o modo ventilatório era pressão-controlada; a “driving pressure” deveria permanecer em 15; a PEEP era aumentada passo a passo, tal que seu valor começava com 25 cm de H20 e terminava com 35 cm de H20 (o que implica numa pressão inspiratória de plateau de 50 cm de H20).
Aqui, cabe mais uma observação… Inicialmente o protocolo de recrutamento era diferente. A PEEP começava em 25 e chegava a 45, resultando numa pressão de plateau de 60 cm de H20. Após três pacientes evoluírem com paradas cardiorrespiratórias, o protocolo foi alterado. O protocolo completo e detalhado está disponível através dos suplementos do artigo no JAMA.
Depois desse passo, o modo ventilatório era alterado para volume-controlado, a PEEP era reduzida progressivamente e a complacência pulmonar era calculada em cada etapa. Com isso, identificava-se a PEEP associada com a melhor complacência pulmonar. Por fim, o paciente era mantido em ventilação com a PEEP similar ao valor de melhor complacência.
Lembrando o que é complacência pulmonar: é calculada com o paciente em ventilação mecânica no modo volume-controlado (sem nenhum esforço respiratório). Ela é a divisão do volume corrente pela pressão, sendo que para esse cálculo a pressão a ser utilizada é a pressão de plateau menos a PEEP. Num exemplo, quando vamos encher um balão (bexiga em alguns lugares do país), conseguimos colocar um pouco de ar sem dificuldade e depois temos que fazer força para encher mais o balão/bexiga. Essa dificuldade encontrada à insuflação e ao esvaziamento representa a complacência do balão/bexiga.
Os resultados do estudo mostraram que o grupo sob recrutamento alveolar foi associado com maior mortalidade em 28 dias (desfecho primário) e com maior mortalidade em 6 meses, risco de barotrauma, necessidade de vasopressor.
O próprio editorial do JAMA escreve que os trabalhos já desenvolvidos sobre o assunto parecem definir que o recrutamento alveolar não é uma estratégia tão útil e que os esforços dos pesquisadores devem ser direcionados noutro sentido. Talvez, exista um grupo de pacientes que se beneficiem da estratégia ventilatória, mas as evidências apontam que isso não parece aplicável a todos os pacientes com SDRA moderada ou grave.
O que fica de lição?
Se estiver responsável por um paciente com SDRA moderada ou grave, utilize o protocolo do ARDSNet e não faça recrutamento alveolar rotineiramente.
Minhas sugestões:
- Manusear pacientes em ventilação mecânica não é algo simples. Idealmente, requer muitos conhecimentos de fisiologia pulmonar aplicada à ventilação mecânica, fisiologia cardiovascular aplicada à ventilação mecânica, medicações vasopressoras e inotrópicas.
- Respeite sempre o princípio fundamental da não maleficência, não faça aquilo em que não foi treinado ou que não sabe fazer; aprenda o básico sobre o assunto, as particularidades (como o tema desse texto) são voltadas às pessoas com expertise no assunto; tenha sempre o telefone de alguém que você confia e que possa te ajudar.
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Referências:
- Writing Group for the Alveolar Recruitment for Acute Respiratory Distress Syndrome Trial (ART) Investigators. Effect of Lung Recruitment and Titrated Positive End-Expiratory Pressure (PEEP) vs Low PEEP on Mortality in Patients With Acute Respiratory Distress SyndromeA Randomized Clinical Trial. JAMA.Published online September 27, 2017. doi:10.1001/jama.2017.14171
- Sahetya SK, Brower RG. Lung Recruitment and Titrated PEEP in Moderate to Severe ARDSIs the Door Closing on the Open Lung?. JAMA. Published online September 27, 2017. doi:10.1001/jama.2017.13695
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