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Infectologia22 outubro 2020

Entre liberações e interrupções: como funcionam os ensaios clínicos de vacinas?

No momento, quatro vacinas estão em ensaios clínicos no território brasileiro, mas duas já tiveram interrupções. Por quê?

A fabricação de uma vacina eficaz contra a infecção pelo vírus SARS-CoV-2 é uma das grandes esperanças para o controle total da pandemia de Covid-19. No momento, quatro vacinas estão em ensaios clínicos no território brasileiro: a candidata chinesa Coronavac, uma desenvolvida pela Universidade de Oxford, uma desenvolvida pelo representante farmacêutico Janssen e outra pela Pfizer.

No último dia 21, foi divulgada a morte de um jovem médico de 28 anos que participou dos testes com a vacina de Oxford na cidade do Rio de Janeiro em decorrência de um quadro de Covid-19. Esse fato, junto com interrupções temporárias nos estudos, pode levantar dúvidas em relação à segurança dos candidatos à vacina. Mas como funcionam os testes para aprovação de uma vacina e como eles garantem que uma vacina aprovada seja segura?

seringas de vacinas para ensaios clínicos

Ensaios clínicos para vacinas

Antes de ser disponibilizada no mercado, qualquer vacina passa por uma série de avaliações que têm por objetivos principais avaliar dois aspectos: segurança e eficácia. Para isso, os candidatos à vacina são submetidos a diversos ensaios clínicos e pré-clínicos, geralmente seguindo uma ordem determinada.

Os ensaios pré-clínicos não são conduzidos em humanos e são realizados inicialmente para observar – in vitro e normalmente in vivo – se os componentes da vacina são seguros e capazes de gerar imunidade.

Leia também: Coronavac, vacina contra a Covid-19, apresenta segurança e eficácia, e testes são ampliados

Se bem sucedida nessa etapa, a vacina passa então para avaliação em ensaios clínicos, realizados em voluntários humanos, e que são divididos nas seguintes fases:

  1. Fase I: é realizada com um número pequeno de voluntários e tem por objetivo demonstrar a segurança do candidato à vacina.
  2. Fase II: é realizada ainda com um número relativamente pequeno de voluntários, embora geralmente maior do que na fase I. O objetivo principal é demonstrar a capacidade imunogênica da vacina, analisando-se também volume, número de doses e vias de administração. A avaliação é feita pelo correlato de imunidade da doença para a qual a vacina é projetada. Na maioria dos casos, tal correlato corresponde a produção de anticorpos IgM e IgG. Com algumas doenças, como febre amarela, entretanto, o correlato de imunidade são anticorpos neutralizantes.
  3. Fase III: é projetada para demonstrar eficácia, isto é, a capacidade da vacina de realmente proteger contra a doença. Para isso, um grande número de voluntários deve ser vacinado e acompanhado clinica e laboratorialmente para avaliar se há diminuição na incidência da doença na população vacinada quando comparada com indivíduos não vacinados. Estudos vacinais de fase III são idealmente ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos e controlados por placebo.

Somente após análise dos resultados de fase III pela agência regulatória nacional, uma vacina pode ser disponibilizada em um país. No caso do Brasil, os candidatos a vacinas que apresentarem resultados favoráveis deverão ser aprovados e registrados pela Anvisa antes de poderem ser ofertadas amplamente para a população.

Por que ocorrem interrupções nos estudos?

Durante todas as fases dos estudos clínicos, há vigilância da ocorrência de eventos adversos. Quando um evento adverso considerado grave é identificado, pode ocorrer interrupção temporária imediata do recrutamento de voluntários em todos os centros em que o estudo está sendo conduzido até que uma avaliação cuidadosa seja realizada para determinar se há relação causal ou não com a vacina. Essa avaliação é feita por um comitê de segurança independente dos pesquisadores e patrocinadores do estudo. Estabelecendo-se que o evento reportado não tem relação com a vacina, os estudos são retomados.

Tanto as vacinas da Oxford quanto da Janssen tiveram seus ensaios interrompidos para avaliações de segurança após notificação de eventos adversos. A inclusão de voluntários da primeira já foi retomada após exclusão de relação causal com a vacina, enquanto os testes com a vacina da Janssen ainda aguardam a conclusão do comitê de segurança.

No caso da morte do médico voluntário, o ensaio não chegou a ser interrompido, o que pode ser creditado à relação do óbito com um quadro de Covid-19 – que não pode ser considerado um possível efeito da vacina, mas sim um dos desfechos a serem avaliados – e ao fato de, segundo divulgação pela imprensa, ao fato de ele estar no braço do grupo placebo.

E após aprovação?

Após aprovação e disponibilização de uma vacina, de forma semelhante a que ocorre com outros medicamentos e imunobiológicos, a vigilância de eventos adversos continua. É a chamada fase IV ou fase de farmacovigilância. Todo evento adverso pós-vacinação grave e/ou não esperado é considerado agravo de notificação compulsória, devendo ser notificado em até 24h ao sistema de vigilância local ou nível hierárquico superior.

Ouça também: Dia da Imunização: como é a produção de uma nova vacina e o que falta para vacina da Covid-19? [podcast]

Conclusões

  • O processo de avaliação pré-registro de uma vacina é desenhado para que uma vacina só seja aprovada depois que suas segurança e eficácia sejam demonstradas em ensaios clínicos rigorosos e de boa qualidade.
  • Após aprovação e disponibilização, todas as vacinas devem ficar sob processo de farmacovigilância, com eventos adversos pós-vacinais devendo ser oportunamente notificados à vigilância quando identificados.

Referências bibliográficas:

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