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No ano de 1936, um artigo pioneiro foi publicado por Lemierre, com a descrição de 20 doentes com sepse anaeróbica após infecção orofaríngea, e evolução para tromboflebite séptica da veia jugular interna e abcessos metastáticos. A maioria dos abscessos descritos situava-se no pulmão e grandes articulações. A partir de então, foi definida a síndrome de Lemierre, a qual consiste em infecção orofaríngea associada à septicemia e trombose jugular interna com êmbolos sépticos.
Tornou-se rara após o surgimento dos antibióticos, em torno de 3,6 casos por milhão, mas consiste em uma complicação grave da faringotonsilite com elevação do número de casos em países ocidentais devido à restrição do uso da penicilina no tratamento da orofaringite aguda. É uma síndrome potencialmente fatal com mortalidade alta, com índices de até 17%.
Síndrome de Lemierre
O agente etiológico mais comum da doença consiste em Fusobacterium necrophorum, bactéria da microbiota comensal da cavidade oral. Bacteroides, Eikenella corrodens, Porphyromonas asaccharolytica, Streptococcus dos grupos A, B e C, Streptococcus oralis, Staphylococcus epidermidis, Enterococcus e Proteus mirabilis também podem estar envolvidos. A síndrome de Lemierre ocorre predominantemente em homens adultos jovens, com faringite prévia (a qual poderá já estar resolvida no momento da observação do doente) às complicações sistêmicas.
A infecção orofaríngea permite a passagem dos patógenos para o espaço faríngeo lateral por contiguidade, ou disseminação linfática ou hematogênica, com consequente evolução para a trombose de veia jugular interna, a partir da qual há evolução para sepse e êmbolos sépticos. A tromboflebite da veia jugular interna causa dor espontânea e à palpação, assim como edema ao longo do trajeto venoso, mas muitas vezes não são valorizados pelo clínico por desconhecimento. O quadro pulmonar decorrente de abscessos metastáticos pode ser caracterizado por dor torácica intensa, dispneia, e hemoptise, e nas articulações podem ocorrer artrite séptica e osteomielite. Há descrição de abscessos hepáticos, esplênicos, epidurais, meningite e encefalopatia difusa.
Como tratar a Síndrome de Lemierre
O tratamento deve ser direcionado à sepse e antibioticoterapia direcionada para anaeróbios, estafilococos e estreptococos. A espécie Fusarium necrophorum é comumente sensível a penicilina, clindamicina e metronidazol, porém há descrição de produção de beta-lactamases. O uso de anticoagulante é controverso devido ao risco de expansão da infecção, considera-se o uso apenas se houver propagação retrógrada do trombo para o seio cavernoso.
Os esquemas propostos de tratamento empírico são:
- Ampicilina-Sulbactam 3 g EV de 6/6 horas; OU
- Piperacilina-Tazobactam 4,5 g EV de 4/4 horas; OU
- Ceftriaxona 2 g EV de 24/24 horas associada a Metronidazol 500 mg EV/VO de 8/8 horas;
OU:
- Meropenem 1 mg EV de 8/8 horas; OU
- Imipenem 500 mg EV de 6/6 horas; OU
- Clindamicina 600 a 900 mg EV de 8/8 horas.
O tempo de tratamento recomendado é de no mínimo 4 semanas, incluindo 2 semanas iniciais de tratamento endovenoso.
Referências:
- Alves S, Stella L, Carvalho I, Moreira D. Lemierre’s syndrome: a disguised threat. BMJ Case Rep. 2019 Apr 23;12(4).
- Anton E. Lemierre syndrome caused by Streptococcus pyogenes in an elderly man. Lancet Infect Dis 2007; 7:233.
- Baker CC, Petersen SR, Sheldon GF. Septic phlebitis: a neglected disease. Am J Surg 1979; 138:97.
- Chapman SC, Andraska E, Kulkarni RN, Haga LM, Phillips A, Redlinger RE, Hager ES, Madigan MC. Lemierre’s Syndrome: an atypical presentation. Ann Vasc Surg. 2019 pii: S0890-5096(19)30365-6.
- Golpe R, Marín B, Alonso M. Lemierre’s syndrome (necrobacillosis). Postgrad Med J 1999; 75:141.
- Walkty A, Embil J. Lemierre’s Syndrome. N Engl J Med. 2019 Mar 21;380(12):e16.
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