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Infectologia4 outubro 2021

O Brasil é um celeiro de variantes de SARS-CoV-2

Os pesquisadores de todo o mundo se preocupam com quatro principais variantes com grande potencial de disseminação e patogenicidade. Saiba mais.

Por Rafael Duarte

Desde o surgimento dos primeiros relatos de casos de infecção pelo coronavírus SARS-CoV-2, associado à pandêmica síndrome de Covid-19, em território brasileiro já em fevereiro de 2020, o país progrediu descontroladamente para se tornar um dos epicentros mundiais de morbidade e mortalidade por essa doença. Em alguns momentos apresentando números exorbitantes, incluindo acima de 3000 mortes diárias durante a “segunda onda” de infecções, e acumulando atualmente mais de 21 milhões de casos confirmados e acima de 590.000 mortes associadas à infecção de SARS-CoV-2.

Observa-se que com a explosão dos números de casos e o descontrole da transmissão, o número alto de casos possibilita a multiplicação viral em taxas elevadas e favorece potencialmente a emergência de variantes novas por todo o território, algumas dessas variantes podem significar novas ameaças ao controle da Covid-19 em todo o mundo. É importante relembrar que o SARS-CoV-2 consiste em um betacoronavírus composto por genoma de RNA fita simples, orientação positiva, com 29,9 kbases, codificante para às quatro principais proteínas na sua terminação 3´: proteína da espícula (S), do envelope viral (E), da membrana (M) e nucleocapsídeo (N). Essas proteínas são essenciais à penetração do vírus na célula e à formação da partícula viral. A taxa de mutação do genoma de SARS-CoV-2 está em torno de 104 substituições de pares de bases por ano, e variações possíveis podem aparecer em cada ciclo de replicação. Uma das estratégias para a investigação dos eventos evolutivos consiste na caracterização do polimorfismo de nucleotídeos únicos (SNPs) em sequências de RNA, o qual é consequência de erros replicativos.

Até o momento, os pesquisadores de todo o mundo estavam preocupados com quatro principais variantes com grande potencial de disseminação e patogenicidade. São elas: 

variantes

O celeiro de variantes 

De forma a esclarecer a gravidade do papel da contínua e alarmante epidemia brasileira de infecções por SARS-CoV-2, Souza et al. (2021) realizaram um estudo de caracterização dos eventos mutacionais ocorridos entre partículas virais isoladas no país desde o início da pandemia (de fevereiro de 2020 a junho de 2021) utilizando os dados disponíveis na plataforma Global Initiative on Sharing Avian Influenza Data-EpiCoV (GISAID-EpiCoV). 

Um total de 16.953 genomas completos (> 29.000 pb) de SARS-CoV-2 foi obtido, representativos das cinco regiões geográficas brasileiras (939 do centro-Oeste, 1847 do nordeste, 921 do norte e 11.333 do sudeste). Foi realizada uma análise comparativa, utilizando um conjunto de ferramentas de bioinformática, incluindo a identificação de linhagens pelo sistema Pangolin v3.1.5, para a identificação de mutações pontuais comuns (single nucleotide variations – SNVs) localizadas nas 42 posições genômicas do vírus com variações detectadas em amostras virais brasileiras (38 nas regiões codificadores, duas na terminação 5´ e duas na 3`) e às respectivas linhagens. Entretanto, 11 consistiam de variantes sinônimas, 27 variantes com substituições do tipo missense e > 44,4% das mutações localizadas no gene codificante da espícula viral. São detalhadamente descritos neste estudo todas as alterações mutacionais observadas. 

Com base nesses aspectos, foram descritas 61 linhagens distintas de SARS-CoV-2 distribuídas nas regiões brasileiras, sendo que a maioria (n = 10.642, 62,8%) pertencia a linhagem Gamma (P.1) e isolada no sudeste (n = 8123). Outras altas frequências incluíram, respectivamente as linhagens Zeta (P.2, n = 1988; 11,7%), B.1.1.28 (n = 1346; 7,9%), B.1.1.33 (n = 1275; 7,5%), Alpha ou B.1.1.7 (n = 416; 2,5%), e P.1.2 (n = 316; 1,9%). A maior parte (n = 38) das diversas linhagens foi isolada na região sudeste. Curiosamente as linhagens Gamma e Zeta foram detectadas em 26 estados, mas não foram isoladas no Mato Grosso, o que pode estar relacionado à baixa taxa de caracterização genômica nessa localidade. 

Uma caracterização filogenética de 5351 genomas também foi realizada para a descrição das principais clades de SARS-CoV-2 detectadas no Brasil. Nove clades foram

descritas [19A, 19B, 20B, 20C, 20D, 20I (Alpha, V1)), 20J (Gamma, V3), 21A (Delta), e 21D (Eta)], sendo a 20B (n = 2724, 50,91%) e 20J (n = 2516, 47,21%) as mais frequentes. Adicionalmente, 1.629.158 sequências genômicas descritas em diversas regiões do mundo foram obtidas da plataforma GISAID, e 959 linhagens foram caracterizadas em 49 países e a proporção de variantes descritas por país foi quantificada. O Chile e o Brasil representam os países do mundo com os mais altos níveis de variabilidade de SARS-CoV-2, o que indica mais um sinal de dificuldades na implantação de medidas efetivas de controle de transmissibilidade viral.

Leia também: Variante delta aumentou as internações pediátricas por Covid-19 em número, mas não em gravidade

Conclusões 

O estudo citado representa, até o momento, o estudo genômico com a inclusão da maior amplitude de estirpes virais de SARS-CoV-2 isoladas em território brasileiro, com cobertura de todas as regiões brasileiras. Verificou-se que o Brasil e o Chile apresentam taxas elevadas de novas variantes de maneira semelhante àquelas observadas na África do Sul e Índia. Tais achados reforçam a necessidade urgente de implementação de medidas efetivas de diagnóstico precoce, vigilância genômica e controle da disseminação de novas variantes em território nacional, de forma a vislumbrar o possível fim da nova pandemia de Covid-19, ou pelo menos um desejável controle e menores taxas de mortalidade que tanto afligem o nosso país. 

Referências bibliográficas:

  • de Souza UJB, Dos Santos RN, Campos FS, Lourenço KL, da Fonseca FG, Spilki FR, Corona-Ômica Br/McTi Network. High Rate of Mutational Events in SARS-CoV-2 Genomes across Brazilian Geographical Regions, February 2020 to June 2021. Viruses. 2021 Sep 10;13(9):1806. doi: https://doi.org/10.1101/2021.07.10.451922

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