Leptospirose: o que precisamos saber sobre o risco desta doença após enchentes?
Emergências climáticas que envolvem enchentes trazem, além de prejuízos imediatos, o risco de transmissão de algumas doenças infecciosas. Entre elas, a leptospirose destaca-se por ser uma condição que pode evoluir com casos graves e mesmo fatais.
Etiologia, transmissão e quadro clínico
A leptospirose é uma doença bacteriana causada por bactérias do gênero Leptospira spp. A transmissão se dá por contato com água ou solo contaminados com urina de animais infectados, especialmente roedores. O contágio pode acontecer por meio de lesões na pele, contato com mucosas ou mesmo com através de pele íntegra que tenha ficado submersa por longos períodos.
O período de incubação varia de 1 a 30 dias, sendo mais comum de 7 a 14 dias após a exposição. Os sintomas iniciais são inespecíficos e podem ser confundidos com diversas outras doenças, incluindo as várias arboviroses epidêmicas no Brasil, o que pode, por vezes, dificultar o diagnóstico. Inicialmente, um indivíduo infectado por apresentar febre, cefaleia, mialgia, anorexia, náuseas e/ou vômitos. A mialgia pode ser significativa e sua localização nas panturrilhas é considerada típica da doença, embora não esteja presente em todos os casos.
Casos mais graves podem evoluir com a chamada síndrome de Weil, caracterizada pelo desenvolvimento de icterícia, insuficiência renal e hemorragias. A icterícia da leptospirose apresenta um tom alaranjado diferenciado, sendo comumente denominada como icterícia rubínica. As manifestações hemorrágicas acometem, de forma mais frequente, os pulmões, mas podem ocorrer também na pele, mucosas e em sistema nervoso central. A letalidade nesses casos mais graves pode chegar a 40%.
Diagnóstico
O diagnóstico definitivo é feito por meio de sorologia ou por técnicas moleculares em amostras de soro.
Entre os diagnósticos diferenciais, encontram-se, entre outros:
– Dengue;
– Influenza;
– Malária;
– Riquetioses;
– Hepatites virais agudas;
– Coledocolitíase;
– Colecistite aguda;
– Febre amarela;
– Síndrome hemoliticourêmica;
– Vasculites;
– Síndrome hepatorrenal.
Para o manejo adequado, é importante manter um elevado nível de suspeição. O vínculo epidemiológico pode não ser claro em alguns casos, o que não exclui a possibilidade da doença. Em casos em que a suspeita clínica seja alta, o tratamento deve ser iniciado mesmo antes de confirmação etiológica.
Manejo
O tratamento de suporte é uma das bases do manejo de casos de leptospirose, principalmente nos casos mais graves. A insuficiência renal aguda é reversível, mas a necessidade de hemodiálise precoce é comum.
O uso de antibióticos está indicado tanto na fase precoce quanto na fase tardia. Casos precoces leves podem ser tratados e acompanhados de forma ambulatorial, com prescrição de doxiciclina (100mg, VO, 12/12h) ou amoxicilina (500mg, VO, 8/8h) por 5 a 7 dias. Os casos mais graves necessitam de hospitalização – que pode ser, de acordo com a apresentação clínica, em leitos de internação ou de terapia intensiva – e podem ser tratados com penicilina cristalina (1,5 milhões UI, IV, 6/6h), ampicilina (1g, IV, 6/6h), ceftriaxona (1g, IV, 1x/dia) ou cefotaxima (1g, IV, 6/6h) por sete dias.
Alguns sinais e sintomas são considerados como sinais clínicos de alerta, sugerindo a necessidade de internação hospitalar:
– Dispneia, tosse e taquipneia;
– Alterações urinárias, geralmente oligúria;
– Manifestações hemorrágicas;
– Hipotensão;
– Alterações do nível de consciência;
– Vômitos frequentes;
– Arritmias;
– Icterícia.
Critérios a serem considerados na indicação para internação em leito de terapia intensiva incluem:
– Dispneia ou taquipneia (FR > 28irpm);
– Hipoxemia
– Escarros hemoptoicos ou hemoptise;
– Tosse seca persistente;
– Infiltrados pulmonares em Rx, com ou sem manifestações hemorrágicas aparentes;
– Insuficiência renal aguda;
– Distúrbios eletrolíticos e/ou de ácido-base que não respondem à reposição intravenosa;
– Hipotensão refratária à administração de volume;
– Alteração do nível de consciência;
– Arritmias cardíacas agudas;
– Hemorragia digestiva.
Os pacientes que serão manejados ambulatorialmente devem ser orientados em relação a manter hidratação adequada, uso de sintomáticos e em relação ao desenvolvimento de sinais de alerta para reavaliação. É importante lembrar que doxiciclina não é recomendada para uso em gestantes e lactantes.
Quimioprofilaxia
O uso de antibióticos com o objetivo de profilaxia pós exposição não está recomendada de rotina. Entretanto, alguns órgãos o recomendam em casos de alto risco.
As Sociedade Brasileira de Infectologia, Sociedade Gaúcha de Infectologia e a Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul lançaram uma nota técnica conjunta em que recomendam que sejam considerados como tendo alto risco e elegíveis para considerar quimioprofilaxia:
– Equipes de socorrista de resgate e voluntários com exposição prolongada a água de enchentes e nos quais os equipamentos de proteção individual não são capazes de prevenir a exposição;
– Pessoas expostas à água de enchente por período prolongado com avaliação médica criteriosa do risco da exposição.
O antibiótico de escolha para profilaxia é doxicilina, que deve ser administrada na dose de 200mg, VO, em dose única, ou 1x/semana enquanto ocorrer a exposição, como no caso de socorristas ou voluntários. A alternativa é com azitromicina, na dose de 500mg, VO, em dose única, ou 1x/semana enquanto ocorrer a exposição.
Há um risco elevado de infecção no retorno das pessoas às suas residências. Elas devem ser orientadas a utilizar equipamentos de proteção individual, como botas, luvas e calças para proteção) quando houver contato com água suja ou lama.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.