Esses quadros subagudos da infecção por SARS-CoV-2 são mais comumente designados como covid longa e vêm chamando a atenção dos profissionais de saúde ao redor do mundo. O termo covid longa refere-se a sintomas ou condições novas, intermitentes ou persistentes resultantes de infecção aguda por SARS-CoV-2 e que começam 1 a 3 meses após o início de um quadro de covid-19, independentemente de sua gravidade.
A caracterização epidemiológica da covid longa é, por vezes, difícil de ser realizada, principalmente devido à sua heterogeneidade e grande variedade de sintomas. Estudos avaliando o desenvolvimento de covid longa após infecção por SARS-CoV-2 produziram estimativas distintas, variando entre 6% e 50%.
Um estudo publicado na Clinical Infectious Diseases procurou avaliar a proporção de desenvolvimento de covid longa considerando fatores demográficos, tendências temporais e diferentes definições.
Materiais e métodos
O estudo utilizou dados de participantes de três grandes redes de pesquisa em covid-19 pertencentes à iniciativa RECOVER: a National COVID Cohort Collaborative (N3C), a National Patient-Centered Clinical Research Network (PCORnet) e a PEDSnet, que conta com dados de pacientes pediátricos.
Foram selecionados pacientes com alguma evidência de infecção por SARS-CoV-2, que poderia ser teste de antígeno ou PCR positivo, registro de um código CID-10 que representa diagnóstico de covid-19, prescrição de nirmatrelvir/ritonavir ou remdesivir, evidência pós-aguda de infecção por SARS-CoV-2, e um teste pediátrico de IgG contra nucleocapsídeo viral positivo.
Pacientes da rede PEDSnet com ≤ 21 anos ou das redes N3C e PCORnet com ≥ 22 anos no momento da primeira infecção documentada por SARS-CoV-2 (evento índice) foram incluídos, nos períodos entre março de 2020 e julho de 2023. Os pacientes tinham pelo menos uma visita em uma unidade de saúde antes do evento índice e pelo menos uma visita posterior em ≥ 90 dias do evento índice e dentro do período do estudo.
Todas as redes examinaram a proporção de casos de covid longa em pacientes com covid-19 em 30 a 180 dias após o evento índice (proporção de incidência) e definiram o início de covid longa como a data mais precoce em que o fenótipo de covid longa foi identificado.
Os dados dos participantes com covid longa foram comparados com os de um grupo controle, de pacientes com testes de covid-19 (PCR ou antígeno) negativos nos primeiros cinco meses de 2021 e sem evidência de infecção nos 180 dias posteriores. Os autores também utilizaram um controle histórico, com dados de pacientes selecionados nos primeiros cinco meses de 2019, com o objetivo de determinar uma prevalência basal de sequelas características da covid longa.
Resultados
No total, foram identificados 6.399.609 pacientes com covid-19: 3.800.805 na rede N3C (mediana de idade de 51 anos; 60% de mulheres), 1.870.810 na rede PCORnet (mediana de idade de 52 anos; 62% de mulheres) e 727.994 pacientes pediátricos na rede PEDSnet (mediana de idade de 9 anos; 50% de meninas). A maioria dos adultos e crianças era de indivíduos brancos não-hispânicos e que residiam em áreas urbanas. A gravidade dos casos índice de covid-19 foi semelhante entre as redes e a maior parte foi tratada de forma ambulatorial.
Entre os adultos, de 10% a 26% foram identificados como tendo covid longa (PCORnet: 25,9%, N3C: 10,2%). Entre crianças, essa estimativa foi de 4,0%. Indivíduos que desenvolveram covid longa tinham maior probabilidade de terem sido hospitalizados por covid-19 e a terem mais comorbidades. A proporção de desenvolvimento de covid longa foi semelhante entre indivíduos tratados e não tratados.
Na análise univariada, a incidência de covid longa foi consistentemente maior com as variantes mais recentes (Omicron), em indivíduos com maior índice de comorbidades de Charlson (CCI score), com maior índice de complexidade de acordo com o Pediatric Medical Complexity Algorithm (PMCA) e maior gravidade de Covid-19.
Após a análise multivariada ajustada, os autores encontraram que, entre adultos, idade mais avançada tinham um risco significativamente maior de desenvolver covid longa, especialmente entre pacientes com 65 anos ou mais (HR = 1,78. IC 95% = 1,76 – 1,80 na rede N3C e HR = 1,20; IC 95% = 1,19 – 1,21 na rede PCORnet). Entre crianças, os com idades entre 12 e 17 anos tiveram risco significativamente maior do que outros grupos pediátricos (HR = 1,29; IC 95% = 1,23 – 1,35). Em todas as redes, mulheres apresentaram risco maior do que homens de desenvolver covid longa (HR = 1,41; IC 95% = 1,41 – 1,42 na N3C; HR = 1,14; IC 95% = 1,12 – 1,14 na PCORnet e HR = 1,17; IC 95% = 1,14 – 1,22 na PEDSnet).
A gravidade do evento índice foi o preditor mais forte de Covid longo, com pacientes hospitalizados em CTI tendo o maior risco (HR = N3C HR: 2,04, p < 0,001; PCORnet HR: 2,19, p < 0,001; PEDSnet HR: 2,83, p < 0,001). A existência de comorbidades pré-existentes também foi um preditor importante, especialmente na rede N3C, com pacientes com CCI score de 0 tendo menor risco do que os com scores de 1 a 3 (HR = 2,15; p < 0,001) ou ≥ 4 (HR = 3,54; p < 0,001).
Sequelas características da covid longa foram encontradas nos controles de 2019 e 2021, confirmando que os sinais e sintomas que compõem a síndrome são inespecíficos, mas sempre com menor frequência do que os casos. Descontando-se essa incidência basal de características da covid longa, as estimativas de incidência de covid longa foram de 5,3% na rede N3C, 6,3% na rede PCORnet e de 1,4% na rede PEDSnet.
Mensagens práticas: Incidência de covid longa
- Nesse estudo populacional, as estimativas de desenvolvimento de covid longa foram de 10 a 26% em adultos e de 4,0% em crianças. Quando uma incidência basal de sinais e sintomas semelhantes não relacionados à covid é considerada, as estimativas variam de 5,3 a 6,3% em adultos e de 1,4% em crianças.
- Idade mais avançada (≥ 65 anos em adultos e 12 a 17 anos em crianças), a presença de comorbidades prévias, sexo feminino e gravidade do evento índice de covid-19 foram fatores de risco para o desenvolvimento de covid longa de forma consistente entre as redes e após ajuste das análises multivariadas.
- A incidência de covid longa parece ser maior com as variantes mais recentes (Omicron) em comparação com as variantes mais antigas, quando se faz uma análise temporal.
- A heterogeneidade nas definições de covid longa é um dos problemas na realização de estudos que avaliam sua incidência e fatores de risco.
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