Bacteriúria assintomática é a presença de bactéria na urina na ausência de sintomas de infecção do trato urinário (ITU). Em receptores de transplante renal, o rastreamento e tratamento da bacteriúria assintomática são práticas comuns, baseadas na hipótese de que a erradicação precoce do patógeno poderia prevenir complicações como pielonefrite, rejeição do enxerto ou perda do órgão. No entanto, essa conduta ainda carece de respaldo científico robusto.
Metodologia
O estudo apresenta uma revisão sistemática e meta-análise de ensaios clínicos randomizados, realizada de acordo com as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). Foram selecionados estudos por meio das plataformas Ovid MEDLINE, Web of Science, PubMed e Cochrane por três investigadores, a partir de um formulário padronizado, de acordo com critérios previamente estabelecidos.
Foram incluídos quatro ensaios, totalizando 478 pacientes adultos com doença renal terminal, submetidos a transplante renal, com diagnóstico de bacteriúria assintomática em diferentes momentos no período pós-operatório. As intervenções consistiram no uso de antimicrobianos e os comparadores receberam o tratamento ou não (placebo). A incidência de infecção do trato urinário sintomática e de pielonefrite foram os desfechos primários analisados. Desfechos secundários incluíram mortalidade, rejeição do enxerto, perda do órgão, internações hospitalares, eventos adversos graves e surgimento de organismos multirresistentes.
Resultados
A análise demonstrou que o tratamento antimicrobiano da bacteriúria assintomática não reduziu significativamente o risco de pielonefrite (RR 1,19; IC 95%: 0,72–1,94) nem de ITU sintomática (RR 1,18; IC 95%: 0,78–1,78). Também não houve diferença estatística nos desfechos secundários, incluindo mortalidade, rejeição ou perda do enxerto, admissão hospitalar ou eventos adversos graves.
Além disso, o uso de antimicrobianos não preveniu o surgimento de um novo episódio de bacteriúria assintomática ou de infecções por germes multirresistentes, e não houve benefício clínico em termos de função renal. A qualidade da evidência variou de moderada a muito baixa, e os resultados foram consistentes nas análises de subgrupos e sensibilidade.

Mensagem prática: bacteriúria assintomática em transplantados renais
As evidências disponíveis até o momento não mostraram benefício clínico no rastreamento e tratamento rotineiro de bacteriúria assintomática nos recepetores de transplante renal. Tal prática pode expor o paciente a riscos desnecessários, como resistência antimicrobiana e efeitos adversos, sem impacto positivo nos desfechos clínicos. Por outro lado, diante da imunossupressão severa a que os pacientes são submetidos nos dois meses iniciais após o transplante e do uso de dispositivos invasivos, que podem predispor à ocorrência de quadros infecciosos, faz-se necessário estudos em maior escala para melhor avaliação sobre os efeitos do uso de antimicrobianos para tratamento de bacteriúria assintomática nesse grupo específico.
Autoria

Camila Rangel
Médica graduada pela Universidade Federal de Juiz de Fora em 2018. Infectologista pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais de 2019 a 2022. Mestra pela Faculdade de Medicina da UFMG em 2025. Infectologista do Controle de Infecção Hospitalar do HC-UFMG e Auditora Médica da Unimed Federação Minas.
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