Em mais uma das plenárias do IAS 2023, discutiu-se a estratégia do uso de doxiciclina como profilaxia pós-exposição (PEP) para infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). O assunto é considerado de importância mundialmente, já que houve um aumento na incidência de ISTs bacterianas em pessoas vivendo com HIV (PVHIV).
A Organização Mundial de Saúde estima que mais de 374 milhões de novas ISTs curáveis a cada ano. Alguns grupos são considerados como mais afetados, a saber, jovens (15 a 24 anos de idade), homens que fazem sexo com homens, gestantes e minorias raciais ou étnicas.
Usuários de profilaxia pré-exposição (PrEP) contra a infecção pelo HIV são uma população alvo para estudos em relação às ISTs, já que são regularmente testados. Os resultados desses estudos têm mostrado que a maior parte – até 76% – das ISTs detectadas ocorrem em uma porção de somente 25% dos usuários.
O uso de doxiciclina como PEP para ISTs já foi avaliado em vários estudos, cujos resultados foram discutidos e estão sumarizados a seguir:
– Resultados bem-sucedidos com uso de doxiciclina já tinham sido alcançados no estudo francês IPERGAY, com redução nas incidências de sífilis e clamídia, mas sem benefícios na redução de incidência de gonorreia.
– O estudo DOXYPEP, conduzido nos EUA e publicado em 2023 na The New England Journal of Medicine, mostrou resultados semelhantes, com reduções nas incidências de sífilis e clamídia, mas, diferente do que mostrado no IPERGAY, houve também redução em novos casos de gonorreia.
– Outro estudo francês, ainda não publicado, mas com resultados preliminares apresentados no CROI 2023, batizado de DOXYVAC mostrou benefício significativo no tempo para o primeiro episódio de clamídia ou sífilis (OR ajustada = 0,16; IC 95% = 0,08 – 0,3; p < 0,0001).
– Entretanto, um estudo realizado em mulheres jovens em uso de PrEP no Quênia não demonstrou efetividade com a estratégia para a prevenção de clamídia ou gonorreia. A adesão à PEP nesse estudo foi de aproximadamente 78%. Para os isolados de gonorreia obtidos no estudo, 100% apresentavam resistência a tetraciclinas. Contudo, para clamídia, não foram encontrados isolados resistentes.
– Uma hipótese levantada para essa diferença de resultados seria possíveis diferenças na farmacocinética da doxicilina entre homens e mulheres. Contudo, resultados de um estudo de Pk/Pd também apresentado no CROI 2023 mostraram que a concentração de doxiciclina no fluido vaginal seria adequado para tratamento. Os motivos para essa falta de efetividade no estudo queniano permanecem a serem elucidadas.
– Uma preocupação com o uso de PEP com doxiciclina seria o desenvolvimento de resistência antimicrobiana, especialmente entre gonococos, que apresentam potencial para multirresistência e que atualmente, em muitos locais do mundo, somente apresentam ceftriaxone como opção terapêutica.
– Estudos genômicos mostram que isolados de gonococo com resistência a tetraciclinas mediada por cromossomos costumam ser resistentes também a outros antibióticos, como azitromicina, ceftriaxone, ciprofloxacino e penicilina. Entretanto, isolados com alto nível de resistência a tetrcicilina, mediada por plasmídeos, tem menos co-resistência a outros antibióticos. Assim, se a PEP com doxiciclina for adotada, será necessário monitorar se há seleção de genes de resistência e por qual mecanismo.
– Como efeitos secundários, o estudo DOXYPEP mostrou uma redução de 14% na colonização por Staphylococcus aureus nos usuários de doxiciclina, mas com aumento na resistência a tetraciclinas. No estudo DOXYVAC, o uso de PEP não alterou a prevalência de colonização por Escherichia coli produtora ESBL.
Por fim, o palestrante Jean-Michel Molina, concluiu que PEP com doxiciclina parece ter benefícios a curto prazo na prevenção de sífilis e clamídia, mas o benefício em relação à gonorreia pode ser limitado. Além disso, o médico resumiu o que poderia ser um algoritmo para a otimização do uso de doxiciclina como PEP para ISTs:
População |
HSH e mulheres transgênero com ou sem HIV com: |
Relações sexuais com parceiros casuais sem uso regular de preservativos |
>1-2 ISTs nos últimos 12 meses |
Teste negativo para gonorreia, clamídia e sífilis < 7 dias antes do início da PEP |
Sem contraindicações ao uso de doxiciclina |
Prescrição |
Doxicicilna 200mg, com comida ou água, >1h antes de deitar-se |
24h a 72h após relação sexual sem preservativo, não mais de 1-3 vezes por semana |
Monitoramento |
Testagem para ISTs a cada 3 meses |
Avaliação da segurança do uso de doxiciclina |
Realizar teste de controle de cura, especialmente se for utilizada doxiciclina como tratamento de uma IST |
Em caso de infecção apesar do uso de PEP, monitorar resistência antimicrobiana |
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.