O Dr. Krzysztof Jamroziak, em nome do Consórcio Polonês de Mieloma Múltiplo, trouxe o estudo PREDATOR-MRD para sua apresentação do dia 15 de junho no EHA 2025. Trata-se de um estudo fase 2, randomizado, que avaliou o uso de daratumumabe versus observação em pacientes com conversão de doença residual mínima (DRM) negativa para positiva com mieloma múltiplo.
Não é novidade que a DRM é um final cada vez mais buscado e preditivo de desfechos em mieloma múltiplo. Na era em que nos encontramos, com tratamentos que levam a respostas cada vez mais duradouras e maior sobrevida livre de progressão, muitos estudos têm focado em negativação de DRM como desfecho primário, entendendo que, para encontrar diferença entre suas intervenções e os tratamentos padrão atuais em termos de sobrevida livre de progressão, seria necessário aguardar anos de follow up – o que nem sempre é interessante.
O trabalho apresentado pelo polonês, no entanto, fez o caminho inverso: buscou aqueles pacientes com mieloma que, após tratamento, alcançaram DRM negativa, e evoluíram para DRM positiva. Seria possível uma intervenção precoce com apenas 1 droga levar a um retardo da indicação de protocolos mais completos de tratamento na próxima linha?
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Estudo PREDATOR-MRD
O estudo PREDATOR-MRD, de fase 2, multicêntrico (8 centros poloneses), aberto, foi desenhado para responder a essa pergunta. Ele envolveu pacientes com diagnóstico de mieloma múltiplo que tenham completado 1 ou 2 linhas de tratamento prévias e alcançado resposta completa com doença residual mínima negativa. Um ponto de atenção é de que estes pacientes deveriam ser virgens de anti-CD38.
Os pacientes eram observados por 24 meses após a constatação da resposta completa ao último tratamento, e seriam avaliados a cada 4 meses com seguimento de DRM, completando 6 avaliações no período total de 2 anos. A doença residual mínima foi acessada por citometria de fluxo, com sensibilidade de 10-5, em medula óssea. Se houvesse qualquer sinal de progressão biológica ou clínica, o paciente sairia do estudo e seria encaminhado para tratamento convencional.
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O braço daratumumabe foi tratado da seguinte forma:
- 16mg/kg endovenoso ou 1800mg subcutâneo
- semanal nas primeiras 8 semanas
- a cada 2 semanas pelas próximas 16 semanas
- mensal por 48 semanas ou até progressão (o que ocorresse antes)
Resultados
O desfecho primário do estudo foi de sobrevida livre de eventos (sendo eventos de progressão biológica, clínica ou óbito). Dos 71 pacientes submetidos ao screening inicial, 54 apresentaram reaparecimento de DRM ao longo da observação, e destes, foram randomizados apenas 24 pacientes, 12 para o grupo daratumumabe e 12 para observação.
O próprio autor justifica esse baixo número de pacientes no estudo com as mudanças na prática clínica que tornaram muito difícil o recrutamento (provavelmente, o fato de daratumumabe ter entrado na primeira linha para vários tipos de pacientes baseados em resultados de estudos recentes, tornou-se improvável encontrar pacientes virgens de anti-CD38).
Ao final da apresentação, quando interrogado, o palestrante ainda acrescentou que o desenho deste estudo se deu há mais de 10 anos, época em que os padrões de tratamento eram outros.
A mediana de tempo para pacientes previamente DRM negativos converterem para DRM positiva foi de 20.8 meses. As características basais dos pacientes do grupo daratumumabe e grupo observação foram bem semelhantes, sendo que no braço daratumumabe havia 25% dos pacientes pertencentes ao grupo citogenético de alto risco contra 16.7% no braço observação. Todos os pacientes de ambos os grupos haviam recebido transplante autólogo de medula óssea na consolidação, e os tratamentos recebidos pelos mesmos haviam sido VCd, VTd e VMP.
Com mediana de follow up de 17.9 meses, a mediana de sobrevida livre de progressão com daratumumabe não foi alcançada, enquanto no grupo observação foi de 9.5 meses. Com isso, o uso do daratumumabe levou a um hazard ratio para progressão ou óbito de 0.2, configurando-se como um fator protetor que reduz em 80% o risco destes
desfechos (HR 0.2, 95% CI, 0.05-0.76, p=0.0097). 75% dos pacientes que utilizaram daratumumabe alcançaram novamente a DRM negativa na avaliação do terceiro ciclo de tratamento.
Quanto às toxicidades, eventos adversos como infecção de trato respiratório, urinário, dor musculoesquelética ou polineuropatia ocorreram em 66.7% dos pacientes no braço daratumumabe comparado a 33.3% do braço observação. Apesar disso, não houve diferença significativa entre os grupos no que diz respeito à qualidade de vida.
Como esse estudo impacta na minha prática?
- Na era atual do tratamento do mieloma múltiplo, em que sabemos que a terapia quádrupla é a mais interessante para os pacientes elegíveis ao transplante autólogo, e mesmo os inelegíveis também podem receber regimes à base de Dara-Vd (estudo MAIA), Dara-VRD (estudo CEPHEUS), quem seria exatamente este paciente virgem de anti-CD38 que se beneficiaria de daratumumabe quando DRM+ na nossa prática?
- O estudo avaliou a medula óssea de pacientes em resposta completa e DRM negativa a cada 4 meses, totalizando 6 avaliações em 2 anos. Na nossa prática, isso não é comum, e expõe o paciente a procedimentos invasivos repetidamente. Não parece razoável, uma vez que o seguimento da evolução do mieloma é feito com exames de sangue e avaliação clínica, expor o paciente a mielogramas repetidamente para ter resultados de DRM.
- Neste mesmo contexto, o próprio grupo polonês já havia mostrado em um trabalho muito semelhante a este, o PREDATOR (sem o MRD) apresentado no EHA de 2024, que ao usar daratumumabe na progressão biológica ainda há benefício em termos de sobrevida livre de eventos, com HR = 0.27 e mediana de 20.3 meses versus 3.8 do grupo observação. Ou seja, sem precisar coletar mielograma de ninguém ou incorrer em altos custos relacionados à aferição de DRM pela citometria.
- Apesar de interessante, o estudo não parece, pelo menos em um primeiro momento, trazer potencial de modificação de conduta.
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