Para iniciar a sessão de alterações genéticas e estratificação de risco em leucemia mielóide aguda do 30º Congresso da Sociedade Europeia de Hematologia, as Dras. Pryinaka Mehta e Laura Cicconi convidaram Prof Hartmut Döhner (também conhecido como primeiro autor das diretrizes de tratamento de leucemia mielóide aguda do European Leukemia Net) a apresentar um estudo fase 3 que há algum tempo já conhecemos.
AMLSG 21‑13
Trata-se do estudo AMLSG 21‑13, fase 3 que comparou desfechos clínicos em pacientes com leucemia mielóide aguda core binding factor (LMA-CBF) que receberam quimioterapia intensiva com ou sem dasatinibe. A apresentação que se deu no dia 14 de junho de 2025 e trouxe os resultados finais do estudo.
As mutações de ativação do kit podem ocorrer em 30-37% dos casos de LMA-CBF, e possuem pior prognóstico comparadas ao kit selvagem. Baseados em modelos animais que mostraram efeito sinérgico do dasatinibe com a citarabina em LMA t(8;21) e a atividade do dasatinibe em contexto de kit mutado, criou-se o racional da adição deste inibidor de tirosina quinase à estratégia frontline das LMA-CBF.
O estudo de fase 1b/2 (AMLSG 11-08) havia mostrado que a adição do dasatinibe à quimioterapia intensiva tinha perfil de toxicidade seguro e manejável, e ao comparar os desfechos clínico com coortes históricas, os pacientes tratados com dasatinibe pareciam ter uma tendência de melhor sobrevida livre de progressão e incidência cumulativa de recaída comparados aos que não recebiam.
Leia também: EHA 2025: POLARGO trial – novo standard of care
Desenho do estudo:
Pacientes com 18 anos ou mais, LMA-CBF, eram randomizados 1:1 para receber regime intensivo à base de dauno ou idarrubicina + citarabina com ou sem dasatinibe. O dasatinibe seria mantido na dose 100mg/d do D1-D28 da indução, D6-D26 da consolidação e de forma contínua na manutenção por 1 ano. |
Desfecho primário: sobrevida livre de eventos |
De agosto de 2014 a fevereiro de 2021, 202 pacientes foram randomizados.
A maioria dos pacientes apresentava LMA de novo e uma mediana de idade ao diagnóstico em torno de 49 anos, semelhante entre os grupos. A mutação do kit estava presente em 31.4% dos pacientes do braço controle e 26% do braço com dasatinibe. Mutações do FLT3, tanto ITD quanto TKD, foram incomuns, mas mais frequentes naqueles com LMA inv(16).
Resultados
Os principais resultados foram:
|
Braço QT convencional (n = 102) |
QT convencional + dasatinibe (n = 100) |
Taxa de resposta completa |
98% |
91% |
Mortalidade em 30 dias |
2% |
3% |
Transplante alogênico de medula óssea na primeira resposta completa |
2.9% |
3.0% |
Mediana de follow up 63.4 meses |
HR / CI /p value | ||
Sobrevida livre de eventos em 4 anos | 41% | 44% |
0.92 / 0.63 – 1.33 / p = 0.66 |
Sobrevida global em 4 anos | 76% | 78% |
0.93 / 0.53 – 1.63/ p = 0.79 |
Na análise multivariada, ter recebido ou não o dasatinibe na primeira linha não impactou na sobrevida livre de eventos. O que impactou tanto sobrevida livre de eventos quanto sobrevida global foi a presença da mutação do kit (HR 1.94 CI 1.28-1.95, p 0.002 para sobrevida livre de eventos).
Nesse momento, você pode pensar “Ora… mas talvez o dasatinibe só tenha verdadeiro impacto clínico no grupo que de fato tem a mutação do kit, que correspondia a algo como 30% da população do estudo, certo?”. Sim e não.
O racional faz sentido, mas ao expor justamente essa análise, o Dr Döhner mostrou que o status mutacional do kit não impacta em diferenças clínicas entre os braços. Ou seja, o dasatinibe é democrático: não faz diferença nem para o kit mutado nem para o selvagem.
Quanto aos eventos adversos, o grupo que recebeu dasatinibe junto à quimioterapia convencional apresentou maior taxa de colite, fibrilação atrial e lesão renal aguda. A proporção de pacientes com eventos adversos sérios foi maior no grupo que recebeu dasatinibe (64% comparado a 36% no grupo que não recebeu), e os eventos adversos mais comuns foram pneumonia, sepse e neutropenia febril.
Nas perguntas finais, a Dra Mehta ainda questionou se por acaso as toxicidades encontradas poderiam ter limitado doses mais altas de dasatinibe que eventualmente levariam ao desfecho que o estudo acreditou que encontraria. Nisso, dr Döhner foi categórico, e basicamente disse que a dose aplicada já foi considerada elevada, e que seguiu o protocolo como idealizado.
Ou seja: não foi um bom dia para o dasatinibe (e talvez para outros ITK, como a própria midostaurina, que também já foi testada para LMA-CBF, sem demonstrar benefício).4
Leia mais: EHA 2025: Anticorpos triespecíficos contra mieloma múltiplo refratário/recaído
Como isso impacta na nossa prática clínica?
- O dasatinibe, que já não era prescrito na prática para os pacientes LMA-CBF, parece ter sido permanentemente descartado nas suas indicações mais clássicas em leucemia mielóide crônica e linfóide aguda com PH+.
- O gentuzumabe-ozogamicina segue soberano como a principal droga acompanhando a quimioterapia intensiva para estes pacientes, e até mesmo para demais LMA de baixo risco, segundo algumas referências.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.