Um artigo recente, realizado na China e publicado na Frontiers in Endocrinology, buscou esclarecer o impacto da infecção crônica pelo vírus da hepatite B (HBV) nos desfechos da reprodução assistida, especialmente em mulheres com marcadores de replicação viral ativa. Apesar de vacinas eficazes estarem disponíveis há décadas, o HBV segue como um grave problema de saúde pública global, com aproximadamente 254 milhões de portadores crônicos e 1,2 milhão de novas infecções por ano. Evidências prévias sugerem que a infecção crônica pelo HBV pode prejudicar a fertilidade feminina, com presença do vírus em oócitos e embriões, além de associações com piores taxas de fertilização e implantação. Contudo, o real impacto da infecção, sobretudo em mulheres com sorologia indicativa de alta replicação viral, sobre os resultados da fertilização in vitro (FIV) e da injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI) ainda era incerto.
Metodologia
O estudo, de desenho retrospectivo, avaliou 9.891 mulheres submetidas a ciclos de FIV ou ICSI no período de 2009 a 2021, no Centro de Reprodução Assistida do Women’s Hospital, Zhejiang University School of Medicine. As participantes foram classificadas em três grupos:
- HBV negativo – sem infecção ou vacinadas;
- HBV positivo (HBsAg+) – soropositivas para HBsAg, porém negativas para HBeAg e preS1;
- HBeAg/preS1 positivo – soropositivas para HBsAg e com HBeAg e/ou preS1 positivos, indicativos de replicação viral ativa.
Foram excluídas mulheres com mais de 42 anos, doenças autoimunes, hepatopatias agudas, histórico de abortos de repetição, malformações uterinas, uso de drogas tóxicas, infecção por HIV ou HCV, entre outras condições. Dados como idade, índice de massa corporal (IMC), níveis basais de FSH, duração e causas da infertilidade, protocolos de estimulação ovariana, número de oócitos coletados, qualidade embrionária e número de embriões transferidos foram analisados. Os desfechos principais incluíram taxa de implantação, gravidez clínica e nascidos vivos por ciclo de transferência embrionária, com análise multivariada ajustada para potenciais fatores de confusão.
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Principais achados:
- As mulheres com HBeAg/preS1 positivo apresentaram maior idade média, maior prevalência de infertilidade secundária (59%) e fator tubário como causa principal da infertilidade (55,8%).
- Os grupos HBV positivo e HBeAg/preS1 positivo necessitaram de doses mais altas de gonadotrofinas e apresentaram níveis séricos mais elevados de estradiol no pico da estimulação, embora não houvesse diferenças no número de oócitos coletados, fertilização ou qualidade embrionária.
- Taxa de gravidez clínica: 48,0% no grupo controle vs. 41,8% no grupo HBeAg/preS1 positivo (p < 0,01).
- Taxa de nascidos vivos: 40,7% no controle vs. 35,0% no grupo HBeAg/preS1 positivo (p < 0,01).
- Após ajuste multivariado, a soropositividade para HBeAg/preS1 manteve-se associada a menores chances de gravidez clínica (OR 0,84; IC 95% 0,73–0,96) e de nascidos vivos (OR 0,86; IC 95% 0,75–0,99).
- Não houve diferenças significativas entre os grupos quanto a taxas de aborto, gravidez ectópica, gemelaridade ou prematuridade.
Conclusão:
Mulheres com infecção crônica pelo HBV e sorologia indicativa de alta replicação viral (HBeAg/preS1 positivo) apresentaram piores resultados de FIV/ICSI, com redução nas taxas de implantação, gravidez clínica e nascidos vivos, mesmo após ajuste para fatores de confusão. Esses achados sugerem que o status viral deve ser considerado no planejamento da reprodução assistida, podendo abrir caminho para estratégias como a quantificação do DNA viral e, possivelmente, o uso de terapia antiviral antes do tratamento reprodutivo para melhorar os desfechos.
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