Recentemente, o BJOG: An International Journal of Obstetrics & Gynaecology publicou um estudo de Minopoli et al. que avaliou se a administração de aspirina para gestantes classificadas como alto risco para pré-eclâmpsia precoce, com base no rastreio combinado do primeiro trimestre, teria impacto na redução de partos prematuros (PPT).
O racional clínico é claro: se a aspirina reduz pré-eclâmpsia precoce e há associação entre disfunção placentária e parto prematuro, seria possível reduzir tanto os partos prematuros espontâneos quanto iatrogênicos. O estudo avaliou exatamente essa hipótese.
Veja também: Medicamentos na lactação
Métodos
Os autores conduziram um estudo retrospectivo no St. George’s University Hospital (Londres), analisando dados de 2016 a 2022. Em março de 2018, foi implementado um programa de rastreio no primeiro trimestre utilizando algoritmo da Fetal Medicine Foudantion (FMF), incorporando fatores maternos, pressão arterial média, índice de pulsatilidade das artérias uterinas e PAPP-A. Gestantes com risco maior que 1:50 receberam intervenção padronizada: aspirina 150 mg/dia até 36 semanas, ultrassons adicionais aos 28 e 36 semanas e indução eletiva às 40 semanas.
Para analisar o impacto do programa na taxa de prematuridade, foi realizada uma análise de séries temporais interrompidas (ITSA) com modelo ARIMA, avaliando tendências antes e depois da intervenção. Os desfechos primários incluíram:
- Parto prematuro total (<37 semanas);
- Parto prematuro espontâneo;
- Parto prematuro iatrogênico.
Também foram examinados partos prematuros precoces (<34 semanas).

Resultados
Foram analisados 31.534 nascimentos, dos quais 1435 (4,5%) foram prematuros (734 espontâneos e 701 iatrogênicos).
Após a implementação do programa, não houve redução estatisticamente significativa nas taxas de prematuridade total, espontânea ou iatrogênica. A ITSA mostrou:
- Redução imediata não significativa de 0,21% no PPT;
- Tendência pós-intervenção estável ou levemente decrescente, porém, sem significância;
- Comportamento semelhante para PPT <34 semanas.
Em suma, A ITSA não demonstrou impacto significativo da administração direcionada de aspirina, baseada no rastreamento do primeiro trimestre, nas taxas de parto prematuro, seja ele iatrogênico ou espontâneo. A ITSA indicou apenas uma tendência não significativa de redução das taxas de prematuridade após a implementação do programa de rastreamento.
Apesar de melhorias documentadas em outros desfechos relacionados à disfunção placentária, como redução de pré-eclâmpsia pré-termo e melhor detecção de restrição de crescimento fetal, o mesmo efeito não foi observado para prematuridade.
Os autores destacam que, embora metanálises indiquem efeito modesto da aspirina na redução do PPT (aprox. 10%), o impacto absoluto é pequeno. Na prática, seriam necessários tratar centenas de gestantes de alto risco para evitar poucos casos de prematuridade, o que limita a efetividade populacional da estratégia.
Conclusão
O estudo demonstra que o rastreio no primeiro trimestre identifica adequadamente um grupo de maior risco para pré-eclâmpsia e parto prematuro. Entretanto, a administração direcionada de aspirina e o seguimento intensivo não reduziram de forma significativa as taxas de prematuridade nessa coorte grande e de alta qualidade.
Embora a abordagem melhore outros desfechos materno-fetais, não deve ser vista como estratégia eficaz isolada para prevenção de parto prematuro. São necessárias intervenções complementares que abordem outros mecanismos fisiopatológicos do PPT, especialmente o espontâneo, cuja etiologia é multifatorial e nem sempre relacionada à disfunção placentária.
Autoria

Ênio Luis Damaso
Doutor em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Universidade Nove de Julho de Bauru (UNINOVE).
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.